REl - 0600621-23.2020.6.21.0108 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

 

Admissibilidade Recursal

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

Em atenção ao apontamento feito pela Procuradoria Regional Eleitoral quanto à ausência de publicação da sentença no Diário de Justiça Eletrônico (DJe), como previsto no art. 50, caput, da Resolução TSE n. 23.608/19, impõe anotar que o ato intimatório foi veiculado no dia 08.02.2021 por meio de expediente no próprio Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), em conformidade com o art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/19.

De acordo com o regramento posto neste dispositivo, as intimações, notificações e comunicações direcionadas à parte representada por advogado, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à União devem ser realizadas por meio eletrônico diretamente no PJe, dispensando-se a publicação do ato no DJe e a expedição de mandado, respeitando-se, por outro lado, o prazo de ciência de 10 (dez) dias, estabelecido no art. 5º da Lei n. 11.419/06, não havendo, portanto, irregularidade procedimental quanto ao ato intimatório da sentença dirigido às partes nestes autos.

 

Preliminar: Nulidade da Sentença por Cerceamento de Defesa

VOLMIR RODRIGUES, IMILIA DE SOUZA e LUIS GABRIEL RODRIGUES suscitaram, preliminarmente, em contrarrazões, a nulidade da sentença causada pela declaração de perda do direito da oitiva da testemunha Pedro Pedersen.

Com efeito, na hipótese de decisões interlocutórias insuscetíveis de imediata impugnação por meio de agravo de instrumento, como as que apreciam pretensões deduzidas no tocante à produção probatória, compete à parte interessada, se sucumbente na demanda, veicular a sua insurgência por meio da interposição de recurso eleitoral ou, se vencedora, em sede de contrarrazões, consoante dispõe o comando regulamentar do art. 19, caput, da Resolução TSE n. 23.478/16, c/c o art. 1.019, § 1º, do CPC (TSE, AI n. 670-28.2016.609.0128/GO, Relator Ministro TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJE de 15.8.2019, pp. 25-37).

No pertinente à testemunha Fábio Pedersen, os recorridos aduziram a imprescindibilidade da sua oitiva em juízo, visto que, à época dos fatos, ele era o presidente da “Associação Riograndense da Festa do Cavalo”, entidade organizadora do evento solidário realizado no dia 26.4.2020 em Sapucaia do Sul, no qual teriam sido cometidos a captação ilícita de votos e o abuso de poder econômico objeto da ação.

A juíza de primeiro grau decretou a perda da produção da prova testemunhal porque Fábio Pedersen permaneceu conectado à sala virtual somente no início da audiência telepresencial de instrução, circunstância que inviabilizou fosse tomado o seu depoimento.

Nada obstante o pedido da defesa dos recorridos de que a testemunha fosse ouvida em momento posterior, a juíza a quo manteve a sua decisão, tendo em conta que as testemunhas arroladas deveriam comparecer à solenidade independentemente de intimação, como previsto no art. 22, inc. V, da LC n. 64/90, podendo, em caso de problemas técnicos, dirigir-se de forma presencial à sede do juízo, como havia consignado ao designar a audiência (ID 39797383).

Diante desse cenário, ainda que possam ter ocorrido problemas com a conexão de internet utilizada pela testemunha, impossibilitando-a de se manter conectada ao ambiente virtual da audiência, e ela residisse em localidade distante de Sapucaia do Sul, município-sede da 108ª Zona Eleitoral, dificultando o seu comparecimento pessoal em juízo para prestar depoimento, entendo por superar eventual prejuízo causado à defesa dos recorridos, tendo em vista que, no mérito, a pretensão recursal condenatória deduzida por CARLOS EDUARDO SANTANA não será acolhida, devido à insuficiência probatória dos fatos que lhe dão suporte, conforme as razões que serão declinadas na sequência deste voto.

Sob esse prisma, o art. 282, § 2º, do Diploma Processual Civil expressamente determina que: “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”, regramento que externa a preferência do legislador pelo julgamento de mérito em detrimento da declaração de nulidade processual e consequente refazimento dos atos atingidos pelo vício, uma vez que essa alternativa tende, inevitavelmente, a retardar a solução definitiva da lide, comprometendo a efetividade dos princípios da economia e da celeridade processual.

Por essas razões, refuto a alegação prefacial de nulidade processual causada por cerceamento ao exercício do direito de defesa.

 

Preliminar: Deferimento da Contradita das Testemunhas Luciano Fernando Padilha e Daiara Padilha

A defesa dos recorridos VOLMIR RODRIGUES, IMILIA DE SOUZA e LUIS GABRIEL RODRIGUES também postulou, em preliminar, o deferimento da contradita das testemunhas Daiara Padilha e Luciano Fernando Padilha.

Os depoimentos de ambas as testemunhas foram colhidos durante a instrução do processo por força do requerimento do Ministério Público Eleitoral, visto que, apesar de não terem sido arroladas formalmente pelo recorrente, haviam firmado as declarações (ID 39794583 e 39794633) que instruíram a petição inicial.

Com relação ao pedido de contradita de Daiara dos Santos, a magistrada de primeira instância o considerou intempestivo, pois o patrono dos recorridos não arguiu a suspeição da testemunha no momento oportuno, ou seja, no intervalo entre a qualificação da depoente e o seu compromisso de dizer a verdade sob pena de incorrer no crime de falso testemunho (arts. 457 e 458 do CPC), marcos correntemente utilizados pela jurisprudência para balizar o reconhecimento da preclusão dessa faculdade processual (RC n 62320, Relator Des. Eleitoral ROBERTO CARVALHO FRAGA, DEJERS de 22.01.2020, pp. 4-5).

Acerca desse tema, mesmo que seja passível de discussão a possibilidade de a parte adversa contraditar a testemunha durante o seu depoimento, como sugere a doutrina (NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Novo CPC Comentado, 3ª ed., Salvador: Editora Jus Podium, 2018, pp. 799-800), e mesmo que tenham realmente ocorrido os aduzidos “delay de áudio e dificuldade de conexão” que causaram o atraso no recebimento do áudio e, por consequência, a demora na manifestação do advogado dos recorridos durante a realização da audiência telepresencial, os motivos que fundamentam a suspeição das testemunhas não são aptos ao deferimento do pedido de contradita.

E isso porque os motivos estão relacionados à suposta vinculação político-partidária de ambas as testemunhas à campanha de CARLOS SANTANA (de alcunha “Maninho”) e ao interesse no juízo de procedência da demanda, amparados em fotografia da residência dos depoentes, na qual afixada propaganda eleitoral do candidato e, ainda, no fato de Douglas Xaxim (candidato a vereador e apoiador da candidatura do recorrente) ter acompanhado Daiara Padilha à sede da 108ª Zona Eleitoral no dia da audiência.

Ocorre que, segundo entendimento consolidado na jurisprudência desta Casa, a filiação da testemunha a partido político ou a sua participação em atos de campanha eleitoral não são causas ensejadoras da sua suspeição, como colho da ementa do seguinte aresto:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL E REPRESENTAÇÃO POR CONDUTAS VEDADAS. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CANDIDATURAS DE PREFEITO E VICE. PRELIMINARES AFASTADAS. EFEITO SUSPENSIVO. DESNECESSIDADE DE CONCESSÃO, JÁ EXPRESSA NO ART. 257, § 2º, DO CÓDIGO ELEITORAL. DEFERIMENTO DE CONTRADITA. AFINIDADE PARTIDÁRIA E ATUAÇÃO COMO CABOS ELEITORAIS. ART. 477 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PREFACIAL DE OFÍCIO. REUNIÃO DA AIJE E DA REPRESENTAÇÃO PARA PROFERIMENTO EM CONJUNTO DA SENTENÇA. NÃO FORMAÇÃO DE LITISCONSÓCIO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DO AGENTE PÚBLICO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. ART. 115, INC. I, DO CPC. OPERADA A DECADÊNCIA. ART. 487, INC. II, DO CPC. EXTINÇÃO DO FEITO. MÉRITO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. PAVIMENTAÇÃO DE RUAS. GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. INEXISTÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 135/10. PROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

 1. Preliminares afastadas. 1.1 É desnecessária a atribuição expressa do efeito suspensivo, uma vez que, de acordo com o art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, ele se dá automaticamente. 1.2 As preferências partidárias não caracterizam, por si só, a suspeição a que alude o art. 447 do CPC, sob pena de praticamente ninguém possuir condições de ser ouvido como testemunha em processos judiciais eleitorais. 1.3 Prefacial de ofício. Com a reunião das ações AIJE e Representação -, não houve a citação do agente público para figurar como litisconsorte necessário, razão por que é de extinguir a representação, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC. Nulidade do feito com base no art. 115, inc. I, do CPC. Exclusão da pena de multa imposta, bem como da coligação e do partido que não integravam originariamente a ação de investigação judicial eleitoral.

 2. Mérito. A quebra da normalidade e legitimidade do pleito, pelo abuso do poder político, está ligada à gravidade da conduta, capaz de alterar a vontade do eleitor. Na espécie, a prefeitura realizou, nos meses de agosto e setembro, pavimentação asfáltica, pela qual o juízo monocrático, diante da proximidade temporal entre o final da obra e um comício político, entendeu que houve relação direta destes atos administrativos e os atos de campanha, trazendo proveito ao candidato da situação. Contudo, tais fatos, por si só, e à míngua de legislação que os proíba, não podem ser interpretados como abuso de poder político. Natural que candidatos da situação se vinculem a obras bem recebidas pela comunidade.

 Provimento.

(Recurso Eleitoral n 56328, ACÓRDÃO de 21.11.2017, Relator Des. Eleitoral EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data: 24.11.2017, Página 15.) (Grifei.)

 

Na linha adotada pelo nobre relator do acórdão acima referido, a maioria das pessoas que testemunham em processos judiciais eleitorais têm suas preferências político-partidárias, o que não as torna, a priori, suspeitas, sendo também certo que o juízo eleitoral pode dispensar a testemunha ou tomar o seu depoimento como informante (art. 457, § 2º, do CPC), conferindo às declarações valor probatório condizente com a conjuntura fático-probatória submetida à sua apreciação.

Acrescento que, ao indeferir a contradita de Luciano Fernando Padilha e manter o compromisso por ele prestado, a magistrada de primeira instância fundamentou de modo claro e consistente a sua convicção, consignando que o depoente negou possuir vinculação partidária, ter feito campanha em 2020 ou afixado adesivos do candidato ou de partido político em sua moradia, não reconhecendo a casa com propaganda eleitoral de CARLOS SANTANA, que lhe foi mostrada na fotografia apresentada durante a audiência, como sua residência (ID 39797783).

Outrossim, ao longo da fase instrutória, não foi produzida prova, sequer indiciária, do alegado interesse das testemunhas no resultado do julgamento, de sorte que entendo por manter a decisão que indeferiu o pedido de contradita de Luciano Fernando Padilha e Daiara Padilha, ouvidos na qualidade de testemunhas compromissadas.

Tenho, igualmente, por indeferir o pedido de encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público Federal, para fins de investigação do eventual cometimento do crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal) por Luciano Fernando Padilha e Daiara Padilha, haja vista que, além de a magistrada de primeiro grau ter ordenado a remessa de documentos à Delegacia de Polícia Civil de Sapucaia do Sul ao sentenciar o feito, a Procuradoria Regional Eleitoral tem amplo acesso aos presentes autos para extrair cópias e adotar os procedimentos que entender cabíveis à eventual investigação de condutas criminosas.

 

Mérito

Inicialmente, esclareço que o recorrente não se insurgiu contra o comando sentencial de improcedência da demanda, emitido quanto à captação ilícita de sufrágio e ao abuso de poder econômico decorrentes da distribuição de dinheiro pelos recorridos, VOLMIR RODRIGUES e LUIS GABRIEL RODRIGUES, a eleitores de bairros carentes do Município de Sapucaia do Sul em benefício das suas candidaturas no pleito de 2020.

Como referido nas razões recursais (ID 39800133, fl. 3), a imputação de captação ilícita de sufrágio fundou-se, essencialmente, nas declarações de Daiara Padilha (vídeo ID 39794433), cujo depoimento se mostrou contraditório e inconsistente, notadamente em face da sua debilitada condição de usuária de drogas, por ela mesma reconhecida ao prestar depoimento e reportada na sentença, motivo pelo qual, já em sede de alegações finais (ID 39799233, fl. 9), o recorrente havia postulado a improcedência do pedido condenatório fundado no fato em comento.

Por conseguinte, o objeto recursal abrange as imputações: (a) de prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico por VOLMIR RODRIGUES e LUIS RODRIGUES no dia 26.4.2020, mediante a distribuição de alimentos (mais de 600 marmitas) a eleitores de localidades carentes do Município de Sapucaia do Sul em troca de voto para suas candidaturas aos cargos de prefeito e vereador, respectivamente; e (b) do cometimento de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico por ZOLMIRA GONÇALVES, por meio do oferecimento de galeto a eleitores do município com o objetivo de obter votos para a sua campanha.

A capação ilícita de sufrágio está disciplinada no art. 41-A da Lei das Eleições, o qual tem a seguinte redação:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.     (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.    (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

 

Como consabido, a captação ilícita de sufrágio somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, ou praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto de eleitor identificado ou identificável, sendo desnecessário que o ato ostente potencialidade para interferir no resultado do pleito (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725; TSE, AI n. 00018668420126130282/MG, Relator Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, DJE de 02.02.2017, pp. 394-395).

A conduta não precisa ser praticada diretamente pelo candidato beneficiado, admitindo-se que este atue por interposta pessoa, desde que comprovada a sua ciência e anuência com o ilícito. Tampouco se exige demonstração inequívoca do pedido explícito de voto ao eleitor para a configuração da prática ilegal, bastando a comprovação do especial fim de agir do agente, voltado a corromper a formação da vontade do eleitor com o oferecimento de vantagem pessoal de qualquer natureza ou a imposição de violência ou grave ameaça.

O abuso de poder, por seu turno, encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;       (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.      (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(Grifei.)

 

Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral Essencial, São Paulo: Editora Método, 2018, pp. 228-229):

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a apreciação e o julgamento do evento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão.

(...)

No Direito Eleitoral, o abuso de poder consiste no mau uso de direito, situação ou posição jurídicas 15.3.2 com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

 

As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a normalidade e a legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal:

Art. 14. (...)

(...)

§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

(Grifei.)

 

No que respeita, especificamente, ao abuso de poder econômico, objeto do recurso sob análise, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais em que se denote o uso de recursos patrimoniais detidos pelo agente, por ele controlados ou a ele disponibilizados, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Com essa sucinta contextualização normativa e jurisprudencial, passo ao exame do conjunto fático-probatório.

1. Captação Ilícita de Sufrágio e Abuso de Poder Econômico por VOLMIR RODRIGUES e LUIS GABRIEL RODRIGUES (art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 22 da LC n. 64/90)

Segundo narrado na peça inaugural, no dia 26.4.2020, durante evento beneficente organizado pela “Associação Riograndense da Festa do Cavalo”, presidida, à época, por Fábio Pedersen, VOLMIR RODRIGUES e LUIS GABRIEL RODRIGUES teriam distribuído alimentos (mais de 600 marmitas) a eleitores de comunidades carentes do Município de Sapucaia do Sul em troca de votos para a chapa majoritária, composta por VOLMIR RODRIGUES e IMILIA DE SOUZA, assim como para a candidatura de LUIS GABRIEL RODRIGUES ao Poder Legislativo local no pleito de 2020.

O fato ilícito, portanto, verificou-se muito antes da data fixada para o registro de candidatura às eleições de 2020, nas quais as convenções partidárias para a escolha dos candidatos foram realizadas no período compreendido entre 31.8.2020 e 16.9.2020, admitindo-se a apresentação do registro da candidatura à Justiça Eleitoral até a data de 26.9.2020 (art. 9º, incs. III e IX, da Resolução TSE n. 23.624/20).

E, consoante dicção expressa do art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97, anteriormente reproduzido, a captação ilícita de sufrágio deve ser verificada entre a data do registro da candidatura até o dia das eleições, requisito temporal sem o qual não se perfectibiliza a ocorrência do ilícito, como extraio da ementa do julgado abaixo colacionada:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2016. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. PRELIMINAR DE OFÍCIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA COLIGAÇÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. AFASTADAS AS DEMAIS PRELIMINARES DE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ E LIDE TEMERÁRIA. MÉRITO. PROMESSA DE CARGO EM TROCA DE VOTO E DE APOIO POLÍTICO. REDES SOCIAIS. WHATSAPP. FACEBOOK. CONJUNTO PROBATÓRIO INAPTO A COMPROVAR OS FATOS ALEGADOS. DESPROVIMENTO.

 1. Preliminar de ofício. Ilegitimidade passiva ad causam da coligação para responder pelo ilícito previsto no caput do art. 41-A da Lei das Eleições e pelo abuso de poder disciplinado no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Extinção do processo, sem resolução do mérito, em relação à coligação recorrida, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

 2. Afastadas as demais preliminares. Litigância de má-fé. Lide temerária. Descabidas e inoportunas as alegações de suspeição deduzidas pelos recorrentes. Tentativa de desqualificar as atuações da magistrada e do representante do Ministério Público, em virtude de sentença desfavorável. Ainda que censurável a conduta, não vislumbrada a má-fé ou incidência do art. 79 do Código de Processo Civil.

 3. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. Abuso de poder. Alegado oferecimento de cargo público em troca do voto e de apoio político. Caderno probatório consubstanciado em mensagens trocadas por meio do WhatsApp e postagens na rede social Facebook.

 4. Ausência de prova apta a corroborar as alegações. As fotocópias que instruem a inicial ¿ desprovidas de maiores elementos que demonstrem sua autenticidade, como URL, data, horário e até mesmo identificação da rede social, apenas refletem postagem na qual uma pessoa diz ter empenhado o seu apoio político ao candidato em troca de cargo na prefeitura. Nos supostos diálogos travados por intermédio do WhatsApp, só vieram aos autos imagens de tela, sem qualquer identificação dos envolvidos ou dos respectivos números de celular.

 5. A configuração da captação ilícita de sufrágio exige prova robusta da doação, oferecimento, promessa ou entrega, por candidato ou por terceiro em seu nome, de vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, a eleitor determinado ou determinável, com o fim específico de obter-lhe o voto, no período compreendido entre a data do registro de candidatura e a da eleição. Da mesma forma, a caracterização do abuso de poder, para atrair as graves penalidades legais, deve ser comprovada de forma inconteste. No caso dos autos, nenhum dos ilícitos restou demonstrado, não havendo se falar em condenação às duras penas do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, multa, cassação de mandato e declaração de inelegibilidade.

 6. Provimento negado.

(TRE-RS, REl n. 2302, ACÓRDÃO de 12.3.2019, Relatora Des. Eleitoral MARILENE BONZANINI, DEJERS de 15.3.2019, Página 3.) (Grifei.)

 

Sob a perspectiva de abuso de poder econômico, o fato objeto do recurso restringe-se ao comparecimento de VOLMIR RODRIGUES e LUIZ GABRIEL RODRIGUES ao aludido evento beneficente, utilizando a pick-up Montana, de cor vermelha, pertencente à esposa de VOLMIR, como reconhecido em contestação (ID 39795083, fl. 3).

No vidro traseiro do veículo realmente estavam afixados adesivos, nos quais se destacavam os nomes “VOLMIR RODRIGUES” e “GABRIEL”, sem referência a nome ou número de candidatura, partido político ou coligação, como pode ser visto nas fotografias acostadas no ID 39794033, 39794083, 39794183 e 39794233.

Porém, como advertiu a Procuradoria Regional Eleitoral (ID 42190283, fl. 12):

Ademais, como aludido evento fora realizado no mês de abril, ou seja, bem antes do início do período eleitoral, a fotografia de veículo adesivado com propaganda específica de campanha eleitoral não se mostra, a toda a evidência, sequer contemporânea aos fatos sob apuração nestes autos.

 

Observo que as fotografias em questão não mostram nenhuma outra forma de propaganda eleitoral ou atos de campanha ostensivos junto à comunidade local que indicassem que a distribuição de alimentos se deu com o intuito de promover ou beneficiar as candidaturas dos recorridos.

O recorrente juntou, também, fotografia do veículo branco, modelo HB20S, placa IXW9D89, adesivado com propaganda eleitoral de “Volmir Rodrigues Gordo” e “Jean Proença” (ID 39794483) e, no dia da audiência de instrução, trouxe fotografias de outros dois veículos (uma camionete vermelha e um carro preto), como relatado na sentença. Todavia, a utilização desses veículos no dia da distribuição das marmitas não restou minimamente comprovada, seja por meio de outros elementos de prova documental, seja por intermédio dos depoimentos das testemunhas.

Além das fotografias, o recorrente apresentou as declarações firmadas pelos irmãos Luciano Fernando Padilha e Daiara Padilha (ID 39794583 e 39794633) e o vídeo por eles gravado (ID 39794433), por meio dos quais afirmaram ter presenciado a entrega de alimentos e cestas básicas por VOLMIR RODRIGUES e LUIS GABRIEL RODRIGUES aos moradores locais em troca de voto e terem sido beneficiados pelas doações mediante a promessa de voto nos candidatos.

Contudo, ao ser ouvido pelo juízo a quo, Luciano Fernando Padilha não se lembrava da data em que ocorrida a distribuição, referindo que teria sido na época da campanha eleitoral, contradizendo a informação contida na própria inicial da ação (ID 39797783, 39797833 e 39797883).

Daiara Padilha, por sua vez, prestou um depoimento extremamente confuso e impreciso (ID 39797483 a 39797733), com diferentes versões sobre o fato, não tendo sequer reconhecido VOLMIR RODRIGUES, a quem havia atribuído a responsabilidade pelos ilícitos, circunstâncias que levaram a magistrada eleitoral de primeiro grau a identificar indícios do cometimento de falso testemunho pela depoente.

Os depoimentos de Luciano Fernando Padilha e Daiara Padilha, assim como os das demais testemunhas, mostraram-se bastante frágeis, não repercutindo de maneira decisiva sobre a comprovação da distribuição massiva de marmitas a eleitores de comunidades carentes com o propósito de obtenção de votos para VOLMIR RODRIGUES, IMILIA DE SOUZA ou LUIS GABRIEL RODRIGUES, como extraio da minuciosa análise procedida pela magistrada de primeiro grau ao prolatar a sua decisão (ID 39799683):

A testemunha Luciano Fernando Padilha disse que visualizou o candidato a prefeito de Sapucaia do Sul, de alcunha “Gordo”, na esquina da casa de sua mãe sendo apresentado como candidato a Prefeito de Sapucaia. Que estavam distribuindo alimentos. Esclarece que, durante conversas com moradores da região, soube que "Gordo" residiria nas proximidades da mesma “vila” de sua genitora, mas não o conhecia anteriormente. Questionado, disse não lembrar a data em que ocorreu o fato, mas que foi na época de campanha eleitoral. Que só visualizou a distribuição de alimentos e apresentação de Vilmar como candidato a Prefeito. Que não estava presente na ocasião em que a irmã teria recebido dinheiro. Assevera ter observado o candidato Volmir cumprimentando os moradores. Menciona não ter votado na última eleição.

A testemunha Daiara Padilha, em depoimento bastante confuso, disse que o “Gordo” foi na vila fazer campanha, no dia da eleição, ocasião em que distribuiu comida e lhe deu dinheiro em troca de voto. Disse que, depois, foram lá e lhe ameaçaram para desmentir o ocorrido. Questionada sobre o dia e o mês, informou que não lembrava. Relata que foram distribuídas marmitas para “todo mundo” da vila, pra “vila inteira”. Afirma que o candidato também lhe ofereceu a quantia de “trinta e poucos reais” em dinheiro trocado, o que aceitou. Que não votou. Que havia bastante gente na ocasião em que foi oferecido o dinheiro.

A testemunha Deivid Roberto dos Santos disse que houve um evento beneficente, no início da pandemia, com distribuição de marmitas. Refere que foi abordado por uma pessoa que pediu auxílio para identificar os moradores que mais precisavam de alimento. Auxiliou na distribuição das marmitas. Que o pessoal que estava promovendo a ação tinha uma cruz nas camisetas. Que não conhecia Volmir, nem Dra Zolmira. Que não viu nenhum carro com adesivo de partido ou candidato. Que viu adesivos de cavalo e camisetas com cruz. Que tal fato ocorreu no início da pandemia, acredita que tenha sido em abril. Questionado, refere que não viu propaganda política, nem oferta de dinheiro, mas só a distribuição de marmitas. Que não se recorda de veículo ônix preto com adesivos de propaganda política, na ocasião. Perguntado, afirma não recordar de camioneta vermelha distribuindo alimentos.

A testemunha Marcos Bender disse que participou da produção de marmitas em 26 de abril de 2020, mas não participou da distribuição. Que a produção ocorreu na empresa do depoente. Os produtos utilizados foram obtidos por meio de doações. Os voluntários da “Igreja na Rua” realizaram a distribuição das marmitas.

A testemunha Marco Aurelio Kroeff disse que realizou uma campanha de distribuição de viandas, alimentos, através do grupo da “Festa do Cavalo”, em virtude da pandemia. Que a distribuição de alimentos ocorreu em diversos municípios, dentre eles São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Viamão. A ação era realizada sempre aos domingos, tendo a distribuição de alimentos de Sapucaia do Sul ocorrido no mês de abril. A distribuição foi realizada por voluntários e pessoas de uma igreja. Refere não ter visto o requerido Volmir fazendo política, porém o mesmo cedeu a camioneta da esposa para auxiliar no transporte dos alimentos.

A testemunha João Batista de Souza disse que os membros da “Festa do Cavalo”, da qual participa, fizeram uma ação em São Leopoldo, produzindo mais de 280 marmitas. Após, realizaram a mesma ação em outros municípios, inclusive em Sapucaia do Sul. Que participou da distribuição dos alimentos. Explica que as marmitas eram produzidas com base em doações, seja de alimento ou de dinheiro. Que não houve envolvimento de política. Que Volmir fazia parte da confraria e participava das ações.

 

Diante da insubsistência do caderno probatório, torna-se inviável reconhecer que a participação dos recorridos no evento promovido pela “Associação Riograndense da Festa do Cavalo” implicou o uso abusivo de recursos materiais privados para obter o voto dos eleitores em favor das suas candidaturas, mediante a entrega de vultosa quantidade de alimentos, acarretando o desequilíbrio entre os candidatos no pleito.

Ressalto que a distribuição de marmitas ocorreu em uma única oportunidade e em data ainda distante do início do período eleitoral, não tendo sido produzida prova de que os recorridos efetivamente patrocinaram, direta ou indiretamente, a aquisição das marmitas, as quais, segundo informado na contestação (ID 39795083, fl. 25), foram doadas pela empresa pertencente a Marcos Bender, o qual, inclusive, confirmou o fato ao prestar seu testemunho (ID 39798583 e 39798633).

Denota-se da defesa apresentada pelos recorridos que a ação solidária foi realizada na época em que a população passou a ser mais fortemente impactada pelos efeitos da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), causados pela suspensão de atividades em diversos setores econômicos, exigindo ações e programas ostensivos dos poderes públicos e dos diversos setores da sociedade civil no atendimento das demandas sociais, especialmente aquelas advindas das classes menos favorecidas.

Como aludido pelos recorridos ao contestarem a presente demanda, parte das fotografias acostadas com a inicial foram postadas na página do “Projeto Igreja na Rua”, na rede social Facebook, divulgando o evento solidário realizado no dia 26.4.2020 em parceria com a “Associação Riograndense da Festa do Cavalo”, o qual não se revestiu de caráter político-eleitoral (ID 39795083, fl. 25).

Dessa forma, entendo que inexiste prova sólida e consistente que embase a condenação dos recorridos, pela prática de abuso de poder econômico, às severas sanções de cassação do registro ou diploma, ou declaração de inelegibilidade, com fulcro no art. 22, caput e inc. XIV, da LC n. 64/90, devendo ser prestigiado, diante da ausência de robustez probatória, o princípio in dubio pro sufragio, tutelando-se a expressão do voto popular conquistado nas urnas, consoante reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (AGR-RESPE n. 060009677, Relator Ministro TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, PSESS de 25.6.2018).

Com base nos fundamentos expostos, afasto a pretensão de condenação de VOLMIR RODRIGUES, IMILIA DE SOUZA e LUIS GABRIEL RODRIGUES amparada no art. 41 da Lei n. 9.504/97 e no art. 22 da LC n. 64/90.

 

2. Captação Ilícita de Sufrágio e Abuso de Poder Econômico por ZOLMIRA GONÇALVES (art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 22 da LC n. 64/90)

No tocante a ZOLMIRA GONÇALVES, o recorrente trouxe aos autos vídeos nos quais aparece uma pessoa assando galeto em uma churrasqueira em ambiente aberto, onde a candidata também pode ser vista pedindo votos para si e VOLMIR RODRIGUES (citado pelo interlocutor das filmagens como “Gordo do Agendão”) e, ao final, solicitando que todos se lembrassem de levar os impressos com as suas propostas de governo (ID 39794283 a 39794383).

Entretanto, a partir das imagens gravadas, não é possível concluir que ZOLMIRA GONÇALVES aliciou eleitores, mediante o oferecimento de alimento (galeto), com o propósito de obter vantagem ilícita em proveito próprio ou de VOLMIR RODRIGUES, em comportamento apto à configuração de captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder econômico, com repercussão sobre a lisura das eleições proporcionais no Município de Sapucaia do Sul.

Segundo alegado pela defesa, ZOLMIRA GONÇALVES compareceu à reunião para ser apresentada, ao lado de VOLMIR RODRIGUES, à comunidade local, a convite do Pastor Leo, cujo registro de candidatura havia sido indeferido pela Justiça Eleitoral. VOLMIR RODRIGUES não pôde comparecer ao evento, sendo que os próprios moradores haviam organizado e patrocinado o galeto, que seria oferecido aos candidatos (ID 39795383, fl. 3).

O recorrente não produziu prova que infirmasse a versão de ZOLMIRA GONÇALVES, sendo que as únicas pessoas que depuseram em juízo sobre o fato, Marcelo Andrade Machado e João Batista da Rosa, foram ouvidas na condição de informantes, por exercer, o primeiro, a presidência do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) em Sapucaia do Sul, agremiação à qual ZOLMIRA GONÇALVES era filiada, e o segundo por ter participado da campanha da candidata.

Marcelo Andrade Machado disse que foi convidado pelo Pastor Leo para uma reunião, na qual foi apresentada a candidata ZOLMIRA. Embora tenha confirmado que foi assado o galeto, referiu que não houve consumo de alimentos pelos participantes ou pela candidata durante a reunião (ID 39798283 a 39798383).

João Batista da Rosa afirmou que recebera convite do Pastor Leo para participar do acontecimento, onde se encontravam cerca de 10 (dez) pessoas, mencionando que o assado não tinha relação com a reunião política e que os convidados eram apoiadores do candidato Leomar, mas, como este teve a sua candidatura impugnada, passaram a apoiar a candidata ZOLMIRA (ID 39798033 e 39798083).

Em percuciente exame probatório, a Procuradoria Regional Eleitoral asseverou que (ID 42190283):

Sendo assim, os indícios de captação ilegal de votos presentes na filmagem não foram corroborados em juízo por qualquer outro elemento probatório, inexistindo prova segura de que a realização do churrasco fora promovida pela candidata investigada, por alguém a seu mando (cabo eleitoral ou apoiador), ou terceiro com a anuência desta, tampouco que tal prática tenha sido utilizada como instrumento de sua campanha.

Para comprovação da prática ilícita, bastaria que algumas das pessoas que aparecem na filmagem houvessem sido identificadas e ouvidas, vindo a confirmar que haviam participado do encontro político e recebido gratuitamente o alimento (churrasco) durante a realização de tal evento, mas tal não ocorreu no presente caso.

(...)

Ademais, trata-se de encontro político envolvendo poucos participantes, conforme se percebe das imagens exibidas na gravação de vídeo anexada à inicial. E, ainda que houvesse comprovação de que a candidata, ou alguém a seu mando, tivessem patrocinado a distribuição gratuita do alimento (churrasco) durante a reunião política, não se teria por configurado o abuso do poder econômico na campanha.

Isso porque, no que concerne ao abuso de poder, como já referido, para sua caracterização haveria necessidade de restar comprovada a gravidade para prejudicar a normalidade e legitimidade do pleito, conforme exige o inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar 64/90 c/c o art. 19, parágrafo único e § 9º do art. 14 da Constituição Federal, o que não ocorreu no presente caso.

 

Corroborando o douto parecer ministerial, a Corte Eleitoral Superior consolidou orientação de que a prova das condutas abusivas e da sua gravidade para provocar o desvirtuamento das forças atuantes na disputa dos cargos eletivos não pode ser alicerçada em meras conjecturas ou presunções do órgão julgador, que, diante de acervo probatório frágil ou fundada dúvida acerca do cometimento de captação ilícita de sufrágio e de condutas abusivas, deve afastar o juízo condenatório e a imposição das gravosas sanções cominadas no art. 41-A da Lei das Eleições e no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, como extraio das ementas a seguir transcritas:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. 1. O Tribunal Regional Eleitoral, por maioria, deu provimento parcial a recurso eleitoral para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente a AIJE, reconhecendo a prática de captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei 9.504/97 e, consequentemente, impondo aos ora recorrentes a cassação dos diplomas e a aplicação de multa. 2. Por meio de decisão monocrática, foi dado parcial provimento a recurso especial interposto pelos candidatos eleitos a Prefeito e Vice-Prefeita, nas Eleições de 2016, reformando-se o acórdão e afastando-se a condenação decorrente da compra de voto de dois eleitores. 3. Interposto agravo regimental pela coligação adversária no qual se alega que a decisão agravada teria reexaminado fatos e provas, contrariando a orientação cristalizada no verbete sumular 24 do TSE, além de que estaria comprovada a prática de captação ilícita de votos, conforme os documentos e depoimentos constantes dos autos. 4. Possibilidade de reenquadramento jurídico do quadro fático retratado no acórdão regional, a partir dos votos nele lançados, sem que isso importe em reexame da prova produzida no processo. Precedentes. 5. A moldura fática do acórdão regional é igualmente composta pelos votos vencidos, conforme prescreve o § 3º do art. 941 do Código de Processo Civil. 6.  As provas acerca da prática dos ilícitos são frágeis e a conclusão de que teria havido anuência dos candidatos baseou-se em mera presunção. 7. A condenação por captação ilícita de sufrágio (Lei 9.504/97, art. 41-A) exige a demonstração da participação ou anuência do candidato, que não pode ser presumida. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 44944, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 12.08.2019.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. DEPUTADO FEDERAL. SUPOSTO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PROVA ROBUSTA E GRAVIDADE DOS FATOS. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. Inexiste ofensa ao art. 36, § 7º do RITSE, amparada a decisão na legislação aplicável à espécie e na jurisprudência deste Tribunal. 2. Imprescindível para a configuração do abuso de poder prova inconteste e contundente da ocorrência do ilícito eleitoral, inviabilizada qualquer pretensão articulada com respaldo em conjecturas e presunções. Precedentes. 3. Além disso, a quantia de R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais), ainda que utilizada com o escopo de obter apoio político, é incapaz de afetar os bens jurídicos da normalidade e legitimidade, bem como da isonomia entre os candidatos, considerando o contexto de eleições gerais para o cargo de Deputado Federal, com abrangência em todo o estado da federação.4. Agravo Regimental desprovido.

(RO n. 060000603, Acórdão, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, DJE de 02.02.2021.) (Grifei.)

 

Por esses motivos, na esteira do posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, uma vez constatada a escassez e a precariedade dos elementos probatórios coligidos aos autos, deve ser mantido o juízo de improcedência da demanda com relação à prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico por ZOLMIRA GONÇALVES.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso interposto por CARLOS EDUARDO DOUGLAS SANTANA e, afastando a matéria preliminar suscitada em sede de contrarrazões, no mérito, pelo desprovimento da pretensão recursal, mantendo a sentença do Juízo da 108ª Zona Eleitoral de Sapucaia do Sul que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida em face de VOLMIR RODRIGUES, IMILIA DE SOUZA, LUIS GABRIEL DALBERTO RODRIGUES e ZOLMIRA CARVALHO GONÇALVES, em virtude da ausência de provas do cometimento de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) e de abuso de poder econômico (art. 22 da LC n. 64/90) durante as eleições de 2020.

Indefiro o requerimento de remessa de documentos ao Ministério Público Federal para fins de investigação do eventual cometimento do crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal) pelas testemunhas Luciano Fernando Padilha e Daiara Padilha, porquanto os autos se encontram disponíveis à Procuradoria Regional Eleitoral para as providências que entender pertinentes no caso concreto.

É como voto, Senhor Presidente.