REl - 0600176-12.2020.6.21.0041 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador, de NERI ALBERTO BALEN. A irregularidade constatada foi a extrapolação do limite legal para utilização de recursos próprios, nos termos do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No Município de Silveira Martins, o teto legal para uso de receitas pessoais era de R$ 1.230,77, correspondentes a 10% do total de gastos determinado para o cargo de vereador (R$ 12.307,75).

O parecer técnico apontou que o valor a título de recursos próprios (R$ 1.800,00 em dinheiro e R$ 200,00, doação estimável) havia ultrapassado em R$ 769,23 o teto legal (ID 27867933). Posteriormente, houve retificação do parecer, para excluir a importância de R$ 200,00 do total e fixar em R$ 569,23 o montante em excesso.

Na sentença, o magistrado acolheu o parecer da unidade técnica e, com fulcro no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, condenou o recorrente ao pagamento de multa no percentual de 30% sobre a quantia excedente (R$ 170,76).

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

O recorrente alega que efetuou gastos de R$ 1.200,00 a título de serviços contábeis, os quais, segundo a previsão do art. 25, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, não poderiam ser contabilizados como gastos eleitorais, sendo um equívoco o fato de constarem na prestação de contas.

Consoante entendimento da douta Procuradoria Eleitoral, a tese articulada no apelo, no sentido de que as despesas com serviços contábeis e advocatícios, por não se sujeitarem ao limite de gastos ou a teto que possa causar dificuldades ao exercício da ampla defesa, deveriam ser desconsideradas do cálculo utilizado para estabelecer o limite de custeio de campanha com recursos próprios do candidato, não há de prevalecer, porquanto faz confusão entre limite de gastos de campanha e limite de autofinanciamento.

O art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o montante máximo de despesas para os cargos em disputa nas eleições de 2020, e o seu § 5º prevê que os dispêndios ligados aos serviços contábeis e advocatícios não se sujeitam a limites de gastos ou a restrições que possam impor dificuldades ao exercício da ampla defesa, conforme transcrevo:

Art. 4º O limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições para prefeito e vereador, na respectiva circunscrição, será equivalente ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir (Lei nº 9.504/1997, art. 18-C).

[...]

§ 5º Os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não estão sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa (Lei nº 9.504/1997, art. 18-A, parágrafo único)

Dessa forma, a campanha do candidato fica restrita ao parâmetro de despesas imposto pela lei para o cargo ao qual concorre (R$ 12.307,75), mas pode esse teto ser extrapolado, desde que tal excesso seja utilizado exclusivamente para pagamento de serviços advocatícios ou contábeis relacionados à prestação de serviços em sua campanha eleitoral e em favor desta, ou a processo judicial pertinente.

De outro vértice, o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 regula o autofinanciamento de campanha, estabelecendo que o candidato somente poderá empregar o máximo de 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer, não havendo exceção a tal preceito.

Constata-se, pois, que o limite para custeio da candidatura com recursos próprios do concorrente é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao limite legal de gastos referentes ao cargo em disputa, de modo que as alegações expendidas pelo recorrente não encontram respaldo na legislação afeta ao tema.

Portanto, os gastos com serviços advocatícios ou contábeis, embora não se sujeitem ao valor máximo total para gastos de campanha, devem ser considerados na aferição do limite legal de autofinanciamento.

Assim, caracterizado o excesso de R$ 569,23, correta a sentença ao fixar a multa de 30% sobre tal valor que, nos termos do art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, é de R$ 170,76.

Observe-se, ao fim, que a irregularidade importa no valor de R$ 569,23, representando 28,46% dos recursos declarados como recebidos, o que, em princípio, impossibilitaria a aprovação das contas, mesmo com ressalvas.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual da falha ser significativo diante do somatório arrecadado – 28,46%, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, considero possível a aprovação das contas com ressalvas, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

No que refere ao valor da condenação à multa eleitoral por excesso do limite para doação de recurso próprio (R$ 170,66), prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, cujo fundamento legal se encontra no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, a importância deverá ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), conforme previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Assim, no ponto, deverá ser corrigido na sentença o erro material da determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional. Em verdade, a condenação à multa eleitoral por excesso da doação de recurso próprio (R$ 170,66), por descumprimento da legislação eleitoral, determina a destinação do recurso para o Fundo Partidário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de NERI ALBERTO BALEN, retificando o erro material da sentença para determinar o recolhimento do valor de R$ R$ 170,66 ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.