REl - 0600510-09.2020.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Preliminar de Nulidade da Sentença

O recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença por suposta violação ao devido processo legal, pois a decisão teria sido prolatada antes de findado o prazo para as impugnações.

Sem razão.

Como bem apontado pelo douto Procurador Regional Eleitoral (ID 30360983), é evidente a ausência de “qualquer prejuízo ao prestador pelo fato da sentença ter sido prolatada antes de transcorrido o prazo para impugnações, vez que, estas sim, lhe seriam prejudiciais”.

Ora, a nulidade processual somente será declarada quando dos atos inquinados resultar manifesto prejuízo à parte. Trata-se de respeitar o princípio pas de nullité sans grief, originário do sistema jurídico francês sob a égide do Código Napoleônico, reproduzido no art. 277 do atual Código de Processo Civil, o qual estabelece que “quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”.

Por óbvio, sob a ótica do mais basilar raciocínio lógico, a ausência de impugnação não pode ser compreendida como prejudicial ao ora recorrente, pois o intuito desta é justamente apontar a ocorrência de irregularidades na contabilidade de campanha.

Portanto, ausente qualquer prejuízo ao prestador, ora recorrente, tenho por rejeitar a preliminar de nulidade da sentença.

 

Mérito

FABIO PORTO MARTINS interpôs recurso contra a sentença que desaprovou a sua contabilidade de campanha relativa às eleições de 2020, determinando o recolhimento da quantia de R$ 1.200,00 ao Tesouro Nacional, em virtude de violação ao disposto no art. 21, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a seguir transcrito:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

 

Na dicção do art. 21, § 1º, da citada resolução, as doações financeiras de pessoas físicas, em valores iguais ou superiores a R$ 1.064,10, devem ser efetivadas por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, ou mediante compensação de cheque cruzado e nominal.

Por força do § 2º daquele mesmo dispositivo legal, o regramento também se aplica às doações sucessivas efetuadas por um mesmo doador em um mesmo dia, como no caso dos autos, em que foram efetuados dois depósitos em dinheiro na conta de campanha, no dia 29.9.2020, nas quantias de R$ 140,00 e R$ 1.060,00, as quais, somadas, ultrapassaram o valor de R$ 1.064,10.

Dessa forma, nada obstante tenha o candidato alegado ser o próprio depositante, no momento da efetivação dos depósitos em espécie houve violação ao comando legal, porquanto, em operações dessa natureza, são lançadas as informações declaradas pelo depositante (doador imediato), inviabilizando a identificação da real origem dos recursos (doador mediato). Ou seja, não há controle da instituição financeira sobre a veracidade dessa informação e, por conseguinte, quanto à real origem dos valores. Daí a razão da exigência legal para que depósitos superiores a R$ 1.064,10 sejam realizados por meio de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, formas de doação que asseguram de qual conta partiu o recurso.

Por consequência, não restou observado o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, caracterizando-se os recursos como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do § 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Registro, ainda, que desimporta à solução da controvérsia o fato de o candidato ter ou não condições financeiras de realizar a doação, bem como a alegação de não ter extrapolado o limite de autofinaciamento. Isso porque essas são situações tuteladas por normas diversas, não apontadas, no caso concreto, como descumpridas pela sentença.

Assim, como os recursos financeiros foram utilizados na campanha do candidato, a inobservância da normativa implica a sua caracterização como de origem não identificada, impondo-se o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, nos moldes do art. 21, § 4º, c/c o art. 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, que reproduzo na sequência:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

(…).

 

Em desfecho, observo que, além da sua expressividade econômica, as doações representam 25,9% das verbas empregadas na campanha (R$ 4.621,88), circunstância que justifica seja mantido o juízo de desaprovação, por comprometer substancialmente a confiabilidade e a transparência da movimentação contábil, na esteira da jurisprudência desta Casa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. AUSENTE CPF DO DOADOR NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. ELEVADO PERCENTUAL DA IRREGULARIDADE. ORIGEM DOS VALORES NÃO COMPROVADA. MANTIDOS A DESAPROVAÇÃO E O RECOLHIMENTO DO VALOR AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário. O candidato recebeu doação em espécie diretamente na conta de campanha, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Constatadas duas doações de recursos em espécies que, somados, ultrapassam o montante limite para doação eleitoral em dinheiro. Embora o valor de cada depósito seja inferior à quantia teto estipulada pela resolução, tratando-se de transações sucessivas, realizadas no mesmo dia, a avaliação deve ser considerada em conjunto, pelo total da movimentação, mediante a soma dos valores doados. Não verificado, ainda, o número de CPF identificador da pessoa física no extrato bancário. Inexistência de elementos nos autos a justificar a irregularidade. Caracterizado o recebimento de recurso de origem não identificada. Falha de elevado percentual, representando 58,53% dos recursos financeiros arrecadados. Manutenção do juízo de desaprovação das contas. Mantido o comando de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor indevidamente empregado na campanha. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 17481 TAVARES - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 21.11.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data: 24.11.2017, Página 13.)

 

Diante do exposto, VOTO por rejeitar a preliminar de nulidade da sentença e, no mérito, pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo a decisão que desaprovou as contas de FABIO PORTO MARTINS, relativas ao pleito de 2020, determinando-lhe o recolhimento da quantia de R$ 1.200,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 21, §§ 1º, 2º e 4º, e 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.