REl - 0600507-82.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas porque o candidato aplicou na campanha recursos próprios no valor R$ 2.004,40, excedendo em R$ 476,60 o limite de gastos para o cargo em disputa, no patamar de R$ 1.527,80, previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme refere a sentença do juízo a quo:

As contas foram apresentadas no período previsto e a documentação contábil observou de forma parcialmente apropriada, os termos previstos na Resolução TSE nº 23.607/2019.

Após análise técnica e manifestação da parte juntando esclarecimentos, contatou-se que o candidato efetuou doação de recursos próprios acima o limite legal, conforme transcrição do item 3 do Parecer Conclusivo:

3 EXTRAPOLAÇÃO DE LIMITE DE GASTOS (ARTS 4° A 6°, 8°, 41 E 42, DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

O valor dos recursos próprios supera em R$ 476,60 [soma RP menos 10% do limite de gastos fixado para a candidatura] o limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019:

Dispositivo.

Isto posto, julgo desaprovadas as contas do candidato JOSE PAULO E SOUZA GUERRA, nas eleições de 2020, conforme artigo 74, III, § 4º da Resolução TSE nº 23.607/2019, uma vez que o prestador de contas não observou o limite legal de doação de recursos próprios para a campanha.

 

Como se vê, considerando que o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Unistalda foi de R$ 15.277,97, estando o candidato limitado ao uso de 10% deste valor com recursos próprios, ou seja, R$ 1.527,80, houve o excesso de autofinanciamento de R$ 476,60.

As razões recursais não afastam a irregularidade, pois o entendimento do recorrente de que o pagamento de serviços advocatícios e contábeis não está sujeito ao limite de autofinanciamento não encontra amparo legal.

Essa tese não prospera porque o art. 26, § 4º, da Lei n. 9.504/97, invocado nas razões recursais, trata tão somente do total de despesas permitido ao candidato durante a campanha, em cuja soma fica dispensada a inclusão de honorários advocatícios e contábeis.

 Este regramento é geral, pois os dispêndios podem ser custeados com receitas de doações, do Fundo Partidário e do FEFC, além de financiamento com valores do próprio candidato (§ 5º).

No entanto, a regra aplicada no parecer conclusivo e na sentença é a do art. 23, § 2º-A, do mesmo diploma, que se refere ao limite de gastos que o candidato pode adimplir com recursos próprios, conforme se depreende do texto das normas elencadas, litteris:

Art. 23.  Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

(...)

§ 2º-A.  O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

Art. 26.  São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

(…)

§ 4º  As despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

§ 5º  Para fins de pagamento das despesas de que trata este artigo, inclusive as do § 4º deste artigo, poderão ser utilizados recursos da campanha, do candidato, do fundo partidário ou do FEFC. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

A diferença de regulamentação é significativa para os gastos com recursos do próprio candidato e àqueles oriundos de outras fontes, pois em relação ao autofinanciamento há limite isonômico de 10% do teto determinado para todos os concorrentes no pleito, de acordo com o cargo pleiteado.

Ao não excepcionar os gastos, inclusive de honorários, a norma visa à igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Nessa linha, oportuno trazer à colação as considerações da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

... Existem regras distintas a fim de disciplinar situações distintas. Uma delas trata do limite global de gastos, ao qual, de fato, não se encontram sujeitos “os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político”, nos termos do § 5º do art. 4º da Resolução TSE nº 23.607/2019. Tal norma se refere ao plano da despesa. Já a outra regra é aquela aplicada no caso, pertinente ao âmbito das receitas de campanha, e que estabelece, de maneira objetiva, que “o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer”.

Assim, impõe-se a confirmação da irregularidade, consubstanciada no valor de R$ 476,60 em excesso de gastos operados com recursos próprios do candidato, que representa 33,53% das receitas declaradas (R$ 2.846,40).

Apesar do percentual acima de 10% diante do somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.
1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).
2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".
3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.
4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.
Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.
1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.
2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.
3. Aprovação com ressalvas.
(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

Destarte, tendo em vista que a irregularidade representa quantia pouco expressiva, o recurso comporta provimento parcial para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Por fim, considerando que a sentença não fixou condenação ao pagamento da multa prevista no  art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, que decorre exclusiva e diretamente do uso de recursos próprios acima do limite legal, descabe determinar aqui o sancionamento, considerando que o presente recurso foi interposto apenas pelo candidato.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, nos termos da fundamentação.