REl - 0600245-75.2020.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

As contas da parte recorrente foram desaprovadas porque o candidato aplicou na campanha recursos próprios no valor R$ 2.045,50, excedendo em R$ 814,72 o limite de gastos para o cargo em disputa, no patamar de R$ 1.230,78, previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme refere a sentença do juízo a quo:

[...]

Destaco, desde já, que a Legislação Eleitoral é clara ao dispor sobre o limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições. Assim sendo, a mera alegação do(a) candidato(a) de equívoco na observância de tais limites não tem o poder de afastar a irregularidade verificada na prestação de contas.

Cumpre esclarecer que o limite de gastos estabelecidos para a campanha de Vereador nas eleições 2020 foi de R$ 12.307,75 (doze mil, trezentos e sete reais e setenta e cinco centavos). Neste sentido, o candidato podia utilizar recursos próprios em até 10% desse limite, o que corresponde a R$ 1.230,78 (um mil, duzentos e trinta reais e setenta e oito centavos).

Compulsando os autos verifico que de fato o(a) prestador(a) de contas cometeu irregularidade, visto que utilizou recursos próprios no valor de R$ 2.045,50 (dois mil, quarenta e cinco reais e cinquenta centavos), ou seja, o limite de gastos do candidato (R$1.230,78) foi extrapolado em R$ 814,73 (oitocentos e quatorze reais e setenta e três centavos), em desobediência ao art. 27, §1º da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

[...]

Deste modo, o(a) candidato incidiu na hipótese de multa descrita no art. 27, §4º, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Art. 27. [...]

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990(Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

Ressalto que o limite de gastos tem papel de assegurar certa igualdade na disputa entre os candidatos, afastando a vantagem daqueles que possuem mais condições econômicas. Sendo assim, a extrapolação desse limite é uma irregularidade grave que compromete a lisura das contas, motivo pelo qual a desaprovação das contas com fulcro no art. 74, inc. III da Resolução TSE n. 23.607/2019 é medida que se impõe.

Neste viés, fixo a multa eleitoral em 100% do valor excedido, o que equivale a R$ 814,73 (oitocentos e quatorze reais e setenta e três centavos), a ser paga mediante expedição de Guia de Recolhimento da União pelo Cartório Eleitoral (GRU), recolhida pelo candidato, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de inscrição do débito em dívida ativa da União, observadas as disposições contidas na Resolução TRE-RS nº 298/2017, com redação alterada pela Resolução TRE-RS nº 331/2019.

Destaco que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no artigo 75 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Ante o exposto, julgo DESAPROVADAS as contas do(a) candidato(a) a vereador(a), JOSÉ CELMAR CAPAVERDE DE LUCENA, relativas às eleições de 2020, com base no art. 30, III, da Lei das Eleições c/c art. 74, III da Resolução TSE n. 23.607/19 e condeno o candidato ao pagamento de multa eleitoral no valor de R$ 814,73 (oitocentos e quatorze reais e setenta e três centavos) em favor da União, com base no art. 27, § 4º da mencionada Resolução.

[...]

 

A unidade técnica, em parecer conclusivo, manifesta-se da seguinte forma:

[...]

1. EXTRAPOLAÇÃO DE LIMITE DE GASTOS (ARTS 4° A 6° DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

1.1. Consoante informado pelo SPCE, o limite de gastos do candidato (R$1.230,78) foi extrapolado em R$ 814,73, em descumprimento ao que prescrevem os arts. 4° a 6° da Resolução TSE 23.607/2019, sujeitando-o à aplicação da multa a que se refere o citado art. 6º, sem prejuízo de o excesso ser verificado nas representações de que tratam o art. 22 da Lei Complementar 64/1990 e o art. 30-A da Lei 9.504/1997.

[...]

O candidato aplicou recursos financeiros próprios na campanha, em espécie, na quantia de R$ 2.045,50. Como o limite de gastos para o cargo em tela no Município de Jaquirana era de R$ 12.307,75, deveria ser observado o emprego de até 10% deste valor com receitas particulares, ou seja, R$ 1.230,78. Caracterizado, assim, o excesso de autofinanciamento de R$ 814,72.

As razões recursais não afastam a irregularidade, pois os argumentos suscitados (de que é de pequena monta o valor excedente de autofinanciamento e de que houve falta de apoio financeiro durante a campanha) não encontram amparo legal ou jurisprudencial para sanar a falha.

O parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, prescrito pela norma, visa à igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Assim, impõe-se a confirmação da irregularidade, consubstanciada no valor de R$ 814,72 em excesso de gastos operados com recursos próprios do candidato, que representa 26,45% do total de receitas declaradas (R$ 3.079,50).

Apesar do percentual acima dos 10% diante do somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.
Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

Destarte, tendo em vista que a irregularidade representa quantia pouco expressiva, o recurso comporta provimento parcial para que as contas sejam aprovadas com ressalvas. Tal conclusão, entretanto, não afasta a condenação ao pagamento de multa, que decorre exclusiva e diretamente do uso de recursos próprios acima do limite legal, na forma do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A penalidade de multa encontra previsão no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e foi fixada na sentença em 100% da quantia em excesso, equivalente à importância de R$ 814,72, que se afigura razoável, adequada e proporcional à falha verificada.

Ressalto que deve ser corrigido, de ofício, o erro material da sentença ao destinar o valor da multa para o Tesouro Nacional, pois a sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e manter a sanção de multa de R$ 814,72, e retifico a destinação da multa, a fim de que seja recolhida ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.