REl - 0600158-60.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento. 

Da Juntada de Novos Documentos na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica, como na presente hipótese.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, REl 50460, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data 29.01.2018, p. 4.) (Grifei.)

 

Logo, conheço da microfilmagem de cheque juntada com o recurso (ID 27446183).

Anoto que o recibo dado pelo contador (ID 27446133), também acostado com as razões de apelo, foi anteriormente acostado durante a instrução do feito em primeira instância (ID 27445333).

Do Mérito

No mérito, a sentença aprovou com ressalvas a contabilidade de ADEMIR MARQUES VEIGA e determinou-lhe o recolhimento de R$ 1.500,00 aos cofres públicos, em face das seguintes irregularidades: a) recebimento de depósito bancário de R$ 1.000,00 com identificação do CNPJ do candidato como doador; e b) pagamento de despesa de campanha com verbas do FEFC, no valor de R$ 500,00, sem comprovação de utilização de cheque cruzado e nominal.

No tocante à primeira irregularidade, os extratos bancários indicam aporte de R$ 1.000,00, no dia 06.10.2020, por meio de depósito bancário em espécie em que consta como depositante o CNPJ de campanha do próprio candidato.

A matéria encontra-se disciplinada pelo art. 21, inc. I e §§ 4º e 5º, e pelo art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, os quais seguem transcritos:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

(...)

Da leitura dos dispositivos, ressai nítido que as doações financeiras abaixo de R$ 1.064,10 podem ser realizadas por meio de depósito bancário, desde que o CPF do doador seja obrigatoriamente informado; porém, no caso vertente, o comprovante de depósito registra o CNPJ de campanha e não o CPF do candidato (ID 27445283, fl. 01).

Por sua vez, o prestador esclareceu que a falha decorreu de equívoco na indicação dos dados no momento da efetivação da operação e que os recursos são provenientes de seu próprio patrimônio, tendo emitido o respectivo recibo eleitoral com o registro correto de seu CPF (ID 27445283, fls. 02-03)

Consigno, em acréscimo, que, conforme informações constantes no processo de registro de candidaturas (RCand n. 0600024-33), o recorrente exercia o mandato de vereador no ano de 2020, sendo candidato à reeleição, o que é suficiente para demonstrar a sua capacidade financeira para realizar a doação por meio do subsídio correspondente ao cargo.

Outrossim, não foi extrapolado o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Dom Pedrito, o qual, nas eleições de 2020, foi fixado em R$ 2.797,10, de acordo com informações constantes do sítio do Tribunal Superior Eleitoral na internet (https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-tabela-limite-de-gastos-eleicoes-2020/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-tabela-limite-de-gastos-eleicoes-2020/at_download/file).

Nesse contexto, entendo evidenciada a boa-fé de agir e a verossimilhança das alegações recursais, no sentido do equívoco formal cometido no preenchimento dos dados do depósito, considerada, ainda, a natureza eminentemente declaratória desse ato bancário, admitida, na forma do art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, para doações financeiras iguais ou superiores a R$ 1.064,10.

Assim, pretendesse o doador mascarar a origem dos recursos, poderia, tão simplesmente, registrar CPF de terceiro, uma vez que, na hipótese, não é exigível a transferência eletrônica entre contas.

Na mesma linha, bem apontou a Procuradoria Regional:

A alegação do prestador é crível na medida em que, no extrato da prestação de contas, incluiu esses valores recebidos como recursos próprios.

Tampouco se verifica tentativa de ocultar da Justiça Eleitoral recebimento de recursos de terceiro, pois se assim quisesse o prestador, bastaria ter incluído o seu CPF (ocultando a verdadeira origem do recurso), pois nada lhe impedia de fazê-lo, já que se tratava de depósito em dinheiro, cuja identificação do depositante não é verificada pela instituição financeira.

 

Desse modo, a situação verificada não acarreta prejuízo ao exame das contas, tampouco sinaliza o aporte de recursos de origem não identificada, razão pela qual é incapaz de provocar a desaprovação da contabilidade, assim como de ensejar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Em caso análogo, esse foi o entendimento adotado por este Tribunal, como colho da ementa seguinte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS. FASE RECURSAL. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. POSSIBILIDADE. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE. CNPJ DA CAMPANHA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. APORTE DE RECURSOS PRÓPRIOS. APRESENTAÇÃO DE RECIBOS. EQUÍVOCO FORMAL COMPROVADO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recurso contra sentença que julgou desaprovada a contabilidade do candidato relativa ao pleito de 2020, determinando o recolhimento de quantia ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de três depósitos em dinheiro, identificados com o número de CNPJ de campanha, e não com o do CPF, em contrariedade ao regramento posto no art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. No âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes com preponderante natureza declaratória e que têm como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura possa sanar irregularidades e não haja necessidade de nova análise técnica, como na presente hipótese.

3. Comprovado que o valor depositado foi originado de recursos próprios e apresentados os correspondentes recibos eleitorais. A Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, referente ao exercício 2020/ano calendário 2019, acostada ao recurso, demonstra a capacidade financeira para realizar as doações. Ademais, não foi extrapolado o limite de gastos para o cargo em disputa.

4. Evidenciada a boa-fé de agir e a verossimilhança das alegações recursais, no sentido do equívoco formal cometido no preenchimento dos dados das transações bancárias. Circunstância fática que não acarreta prejuízo ao exame das contas, tampouco sinaliza o aporte de recursos de origem não identificada ao financiamento da campanha, incapaz de provocar a reprovabilidade da escrituração, assim como de ensejar ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

5. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – REl 0600225-37.2020.6.21.0014, Relator: Des. Eleitoral AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Data de Julgamento: 06.07.2021.) (Grifei.)

 

Assim, entendo pela reforma da sentença quanto ao ponto, a fim de afastar a caracterização das receitas em tela como recursos de origem não identificada e, por consequência, a determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

No que tange à segunda falha, relacionada à utilização de recursos do FEFC, o juízo a quo considerou que não foi comprovada a regularidade do pagamento de gasto eleitoral, porquanto o prestador não logrou juntar aos autos documento hábil a demonstrar que a despesa foi quitada por meio de cheque nominal cruzado ou transferência bancária, e determinou ao candidato o recolhimento ao erário do valor da despesa, equivalente a R$ 500,00.

Com o apelo, o candidato acostou a microfilmagem do cheque em questão, que evidencia a sua emissão em nome do fornecedor dos serviços de contabilidade de campanha, Jeziel Gomes de Moraes, e que o favorecido efetuou o saque no caixa da agência bancária.

A imagem demonstra, outrossim, que a cártula, embora nominal, não foi cruzada, em afronta ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prescreve que os cheques empregados para pagamento de dispêndios de campanha sejam nominais e cruzados.

Ademais, de acordo com o extrato bancário eletrônico, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br, não é possível identificar o beneficiário do pagamento, pois consta apenas a anotação “cheque terceiros por caixa”.

A matéria em exame foi amplamente debatida neste Colegiado, que sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitem a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme ementa que reproduzo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(TRE-RS; REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.) (Grifei.)

 

Via de consequência, ausente a devida comprovação da utilização de recursos públicos, impõe-se a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o montante de R$ 500,00, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, na forma propugnada pelo juízo da origem.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto por ADEMIR MARQUES VEIGA para, afastando a irregularidade referente ao recebimento de recursos de origem não identificada, reduzir para R$ 500,00 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.