REl - 0600337-62.2020.6.21.0157 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2021 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra sentença que aprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Formigueiro, de JOCELVIO GONÇALVES CARDOSO e GILSON MURILO BELMIRO SEVERO, respectivamente.

A controvérsia posta nestes autos diz com o critério para aferição do limite de autofinanciamento dos candidatos à eleição majoritária – se devem ser consideradas as doações de forma individualizada ou, ao contrário, se devem ser somados os recursos doados pelos candidatos a prefeito e vice-prefeito.

A sentença acolheu o entendimento de que o cômputo do limite legal de utilização de recursos próprios, nos termos do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 (10% dos limites previstos para gastos de campanha no cargo), deve ser estabelecido de forma individual, ou seja, por meio da análise do montante doado por cada um dos candidatos.

Na espécie, no Município de Formigueiro, o limite previsto para o autofinanciamento foi de R$ 12.307,75, correspondente a 10% do valor total de gastos para o cargo de prefeito (R$ 123.077,42). Como o candidato a prefeito Jocelvio investiu R$ 12.200,00 e o candidato a vice Gilson, R$ 9.000,00, em suas respectivas campanhas, não teria havido violação aos ditames do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607 (limite de gastos para o cargo = R$ 123.077,50; 10% desse limite = R$ 12.307,75).

Nesse sentido, manifestou-se a magistrada (ID 27186483):

[…]

Os recursos próprios doados pelos candidatos foram: pelo candidato a prefeito Jocélvio R$ 12.200,00 e pelo candidato a vice Gilson R$ 9.000,00, individualmente dentro dos limites do artigo 27, § 1º (limite de gastos para o cargo = R$ 123.077,50; 10% desse limite = R$ 12.307,75).

A regra para doações de recursos pelo candidato em sua campanha assim dispõe:

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

Tanto a lei nº 9.507/1997, quanto a Res. TSE nº 23.607/2019, não são específicas em determinar se, na hipótese de candidatura majoritária, o limite é imposto em conjunto ou separadamente aos candidatos a titular e vice.

Ainda, por se tratar de dispositivo incluído na lei eleitoral mediante alteração promovida pela Lei nº 13.878 no ano de 2019, impondo limite que não era exigido em eleições anteriores, também não existe jurisprudência consolidada a respeito.

Desse modo, à míngua de vedação legal expressa, considero regulares as doações de recursos próprios efetuadas pelos candidatos a prefeito e vice, eis que, individualmente consideradas, encontram-se dentro do limite do artigo 27, § 1º, da Res. TSE nº 23.607/2019.

Isso posto, nos termos do art. 74, I, da Resolução 23.607/2019, julgo APROVADAS as contas dos candidatos.

 

Diversamente, em suas razões, o recorrente sustenta que, à aferição do limite do autofinanciamento, deve ser considerado o valor das doações de recursos próprios em conjunto, visto que a eleição majoritária, obrigatoriamente, exige candidatura plurissubjetiva, ou seja, com dois concorrentes em chapa única e indivisível, razão pela qual a mesma lógica deve ser aplicada em relação às doações.

Sobre o tema, assim se pronunciou o ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 34680383):

[…]

Diversos dispositivos da Resolução TSE 23.607/2019 indicam que, para verificação da observância do limite de gastos para o autofinanciamento na candidatura majoritária, devem ser computados conjuntamente os recursos próprios doados pelo candidato titular e pelo seu vice.

A prestação de contas do titular da chapa, abrange a do seu vice, o qual somente pode prestar contas sozinho, na inércia do titular (arts. 45, § 3º e 77, caput e parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019). Nesse sentido, veja-se que no extrato da prestação de contas, os recursos próprios do candidato e do vice estão somados na mesma rubrica.

O candidato a vice não é obrigado a abrir conta bancária, mas se o fizer, os extratos deverão compor a prestação de contas do titular (art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

No tocante aos recibos eleitorais, a arrecadação realizada pelo candidato a vice utiliza os recibos eleitorais do titular (art. 7º, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

O candidato a vice não pode constituir fundo de caixa (art. 39, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Para aferição dos limites de gastos para contratação de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua são consideradas as contratações realizadas pelo titular e pelo vice (art. 41, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Veja-se que, para aferição do limite global de gastos da candidatura majoritária não se discute que são somadas as receitas do titular e do vice, tanto que esse utiliza os recibos do titular. E assim é, pois, como é cediço, a chapa majoritária é una e indivisível (art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.609/2019).

Neste sentido, não é estabelecido limite para candidatura de vice, mas apenas de, ao que interessa ao caso, Prefeito. Daí que todos os valores arrecadados são somados para verificação da observância do limite global.

Não deve ser diferente em relação ao limite para o autofinanciamento, que corresponde a 10% do limite global para dada candidatura, nos termos do art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições:

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer.

Não há limite global previsto para gastos de campanha no cargo de vice, o limite é estabelecido para o cargo do titular. Portanto, a norma sobre o limite do autofinanciamento, que se baseia apenas no limite para o cargo de titular, se aplica aos candidatos da chapa majoritária conjuntamente.

Essa é a interpretação que se coaduna melhor com a finalidade da norma, que é a de assegurar maior equilíbrio financeiro entre os candidatos em disputa, em prestígio ao princípio da isonomia.

Se para os candidatos à eleição proporcional se entendeu que o percentual de 10% do limite legal de gastos da campanha é o adequado, não há razão para se entender que para a eleição majoritária o percentual seria de 20% (10% do titular e 10% vice).

Dito isso, no caso, verifica-se que os recursos próprios doados pelo candidato a prefeito JOCÉLVIO foi de R$ 12.200,00, ou seja, muito próximo ao limite de 10% (R$ 12.307,75) dos gastos para o cargo em que concorreu (R$ 123.077,50). Por sua vez, os recursos próprios doados pelo candidato a vice GILSON foi de R$ 9.000,00.

A soma dos valores doados pelo Prefeito e Vice (R$ 21.200,00) supera o limite legal de 10% em R$ 8.892,26. Assim, merece reforma a sentença para aplicar a sanção prevista no art. 27, §4º, da Resolução n. 23.607/2019, bem como aprovar as contas com ressalvas, como requerido no recurso.

 

De fato, como observado pelo douto Procurador Eleitoral, vários dispositivos da Lei n. 9.504/97 e da Resolução TSE n. 23.607/19, ao disciplinar a matéria quanto à campanha do candidato a vice, consideram sua candidatura interdependente à do “cabeça da chapa”. É o caso desde a apresentação contábil do titular, que abrange a do vice (art. 45, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19), até a decisão que julga as contas do candidato às eleições majoritárias (art. 77 da Resolução TSE n. 23.607/19).

Com efeito, é bem verdade que a limitação do autofinanciamento no patamar de 10% do estabelecido como limite para gastos de campanha no cargo apenas foi implementado com a Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei n. 9.504/97, vindo a ser aplicado pela vez primeira nas eleições de 2020. Entretanto, a alteração legislativa observou a anualidade eleitoral prevista no art. 16 da Constituição Federal e deve ser interpretada de forma sistemática com o princípio da unicidade da chapa determinado no art. 91 do Código Eleitoral desde 1965:

Art. 91. O registro de candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-governador, ou prefeito e vice-prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança de partidos.

 

Dessarte, tenho que a tese sustentada no apelo ministerial se harmoniza com o sistema eleitoral majoritário e com todas as demais normas que decorrem da unicidade da chapa, de modo que o provimento do recurso é medida que se impõe.

Na espécie, o limite previsto para o autofinanciamento no Município de Formigueiro era de R$ 12.307,75, correspondente a 10% do valor total de gastos permitido para o cargo de prefeito (R$ 123.077,42). Como o candidato a prefeito investiu R$ 12.200,00 e o aspirante a vice, R$ 9.000,00, em suas respectivas campanhas eleitorais, o total doado a título de recursos próprios foi de R$ 21.200,00, o que supera em R$ 8.892,25 o teto previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 ( R$ 21.200,00 - R$ 12.307,75).

Sobre o valor da multa, a Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

[…]

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

A multa de 100% sobre a quantia excedente, no valor de R$ 8.892,25, afigura-se razoável e proporcional à falha verificada, devendo ser fixada nesse patamar e recolhida ao Fundo Partidário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de JOCELVIO GONÇALVES CARDOSO E GILSON MURILO BELMIRO SEVERO e condená-los ao pagamento da multa eleitoral de R$ 8.892,25, por infração ao disposto no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.