REl - 0600201-94.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso comporta parcial provimento.

Conforme se observa dos comprovantes de renda juntados aos autos, o recorrente concorreu à reeleição ao cargo de vereador, tendo restado vitorioso no pleito, evidenciando-se que ao tempo da campanha possuía capacidade financeira para a aplicação de recursos próprios no valor de R$ 2.700,00.

Além disso, como referem as razões recursais, observa-se que, no requerimento de registro de candidatura, o candidato declarou exercer também a profissão de advogado, o que, por si só, demonstra a existência de renda suficiente para contribuir para a própria campanha, fato igualmente comprovado por pesquisa realizada em https://divulgacandcontas.tse.jus.br.

Desse modo, o exercício anterior da vereança e da advocacia evidenciam a existência de patrimônio financeiro, em atendimento ao art. 61, caput e parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/19, restando sanada a falha, devendo ser afastada a determinação de recolhimento do valor ao erário.

Todavia, permanece a irregularidade quanto à falta de cópia do cheque nominal cruzado (arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19) para despesas, no total de R$ 4.890,00, que foram pagas por cheque na boca do caixa, sem dados do beneficiário do valor.

Embora o candidato tenha informado que os pagamentos estariam comprovados por meio de contratos firmados com fornecedores de bens e serviço, o exame técnico apontou que, em consulta ao extrato bancário eletrônico, não foi possível identificar cheque nominal cruzado ou transferência bancária aos fornecedores, como exige o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Consigno, além disso, que, nos documentos juntados em grau recursal, consistentes em contratos de prestação de serviço e notas explicativas, há referência à necessidade de correção do valor das despesas lançadas nas contas.

Contudo, o procedimento tem impacto significativo em toda a contabilidade, demanda nova análise técnica, sendo de inviável realização nesta instância recursal após a prolação da sentença, pois somente poderia ter sido efetuado por meio de prestação de contas retificadora, a qual demanda reabertura da instrução, da fase de exame e diligências, e nova vista ao órgão ministerial junto à primeira instância. 

De qualquer sorte, contratos não afastam a irregularidade, pois o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao determinar, sem exceções, que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de cheque nominal cruzado.

No caso dos autos, o recorrente permitiu, ao deixar de provar a emissão de cheques nominais e cruzados, que terceiros recebessem receitas de campanha, por meio de endosso, e impediu a verificação, nos extratos bancários, de que a pessoa descrita na declaração da despesa, contrato de prestação de serviço ou nota fiscal, é a mesma que descontou o cheque.

A falha é grave, pois impede que a Justiça Eleitoral efetue o rastreamento do valor, confirmando se o fornecedor de campanha é a mesma pessoa que recebeu o valor pago com cheques.

A regra foi incluída na legislação eleitoral justamente para impedir o endosso e propiciar à Justiça Eleitoral a fiscalização das receitas e despesas das candidaturas de forma segura. Sua inobservância caracteriza ofensa aos princípios da confiabilidade e da transparência das contas de campanha.

Assim, o prestador burlou a expressa exigência legal de que o cheque nominal seja cruzado para que não ocorra o endosso pelo beneficiário e o repasse a terceiros.

Toda a documentação contida nos autos, aliada às razões de reforma, não se prestam a demonstrar quem foram as pessoas que efetivamente receberam os recursos de campanha, sendo certo que, segundo o art. 35, § 10, da Resolução TSE n. 23.607/19, “o pagamento dos gastos eleitorais contraídos pelos candidatos será de sua responsabilidade”.

De qualquer sorte, tratando-se de exigência legal comum a todos os concorrentes ao pleito e que não admite ressalvas, não poderia o candidato contratar produtos e serviços e realizar pagamentos fora das modalidades estabelecidas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

Assim, considerando que a norma não faz exceções, merece ser mantida a sentença neste ponto.

Desse modo, o pedido recursal de que as contas sejam aprovadas sem ressalvas não comporta provimento, pois é razoável e proporcional a conclusão do juízo a quo diante da expressividade da quantia irregularmente despendida, no total de R$ 4.890,00, que representa 58,63% de toda a receita de campanha, a qual alcançou o montante de R$ 8.340,00.

Por fim, observa-se que a sentença considerou que a quantia de R$ 4.890,00 deveria ser transferida pelo candidato ao órgão partidário, porque a falta de provas do pagamento caracterizaria os valores como gastos não homologados, constituindo-se em sobras de campanha por se tratar de recursos privados (ID 27481083):

Assim, as irregularidades acima apontadas acarretam a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recurso da campanha, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Desse modo, a exclusão (glosa) dos gastos não homologados da contabilidade da campanha gera a recomposição do saldo.

Esse saldo, apurado na forma do art. 50, I, da Resolução TSE 23.607/2019, constitui-se em sobras de campanha, as quais devem ser transferidas ao órgão partidário (art. 50, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019).

A Procuradoria Regional Eleitoral acompanha o raciocínio da sentença, afirmando que, por não se tratar de recursos procedentes do Fundo Partidário ou do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha, não há dever de recolhimento ao Tesouro, devendo o valor pago aos fornecedores ser compreendido como sobra de campanha, ou seja, como um saldo de receita não utilizada na campanha (ID 30347683):

Diga-se, ainda, que as irregularidades acima apontadas, conforme bem destacado pelo Juízo, não poderiam ter sido pagas com recursos de campanha, ainda que provenientes de “Outros Recursos”, sendo que a exclusão desses gastos gera a recomposição do saldo, constituindo-se em sobras de campanha, sujeito a transferência ao órgão partidário, nos termos do art. 50, § 1º, da Resolução citada. Nesse ponto, portanto, não merece reparos a sentença, que determinou a transferência do valor de R$ 4.890,00 ao órgão partidário.

Entretanto, a interpretação merece ser corrigida de ofício, pois não há como classificar as despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação do recolhimento do valor gasto  ao partido pelo qual concorreu o recorrente, o PDT, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;

II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha;

III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º O comprovante de transferência das sobras de campanha deve ser juntado à prestação de contas do responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido político.

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

§ 6º Na hipótese de aquisição de bens permanentes com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estes devem ser alienados ao final da campanha, revertendo os valores obtidos com a venda para o Tesouro Nacional, devendo o recolhimento dos valores ser realizado por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) e comprovado por ocasião da prestação de contas.

§ 7º Os bens permanentes a que se refere o parágrafo anterior devem ser alienados pelo valor de mercado, circunstância que deve ser comprovada quando solicitada pela Justiça Eleitoral.

O pagamento de despesas contratadas, sem a identificação do fornecedor ou prestador do serviço nos extratos bancários por falta da emissão de cheques nominais e cruzados, jamais poderia representar uma sobra de campanha, pois o valor gasto foi debitado da conta bancária do candidato e não foi estornado ou devolvido como receita de campanha.

Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo esse o caso dos autos.

Por essa razão, deve ser afastada a determinação de que o valor das despesas não comprovadas, R$ 4.890,00, seja depositado pelo recorrente na conta bancária do PDT de Dom Pedrito, pois o § 1º do art. 50 da Resolução TSE 23.607/19 não alcança a situação verificada neste processo.

Tendo em vista que os pagamentos com cheques não nominais e sem cruzamento foram efetuados com valores privados, que transitaram pela conta bancária "Outros Recursos", as despesas não se enquadram como recursos de origem não identificada a serem recolhidos ao erário nem como sobras de campanha a serem devolvidas ao partido político.

A melhor conclusão a ser adotada, in casu, é a de que a ausência de informação sobre o beneficiário do pagamento ou sobre o retorno à campanha das quantias despendidas caracteriza o gasto como dívida de campanha, pois não está comprovada nos autos a efetiva destinação dos valores aos prestadores de serviço.

A falta de comprovação desses pagamentos representa dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido.

Art. 33. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º deste artigo, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º).

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º deste artigo devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil e idôneo emitido na data da realização da despesa ou por outro meio de prova permitido.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º deste artigo.

Ressalto que o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que a existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido poderá até mesmo acarretar a desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

Com esses fundamentos, considero que o valor total de pagamentos não comprovados, à razão de R$ 4.890,00, caracterizam dívida, e não sobra de campanha, retificando a sentença neste ponto.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para manter a aprovação das contas com ressalvas, e afastar as ordens de recolhimento do valor de R$ 2.700,00 ao Tesouro Nacional, e de transferência da quantia de R$ 4.890,00 ao órgão partidário, nos termos da fundamentação.