REl - 0600406-82.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento

No mérito, as contas de ROSILEI DA LUZ TRESSI foram desaprovadas, na origem, em virtude da movimentação em sua conta bancária "Outros Recursos" de verbas oriundas do FEFC, no importe de R$ 1.000,00, ademais do fato de, inicialmente, ter declarado serem provenientes de "financiamento coletivo". Ainda, foi imposto à candidata o recolhimento daquele montante ao erário, consoante excerto da sentença a seguir reproduzido:

Da análise das informações prestadas e dos documentos juntados pela candidata, constata-se que ela não declarou o recebeu recursos públicos durante sua campanha eleitoral, ou seja, recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou Fundo Partidário (FP), razão pela qual providenciou a abertura, somente, da conta bancária "outros recursos". Contudo, conforme apontado pela Unidade Técnica e confessado pela própria candidata, em 26/10/2020, esta recebeu o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) do Diretório Estadual do MDB/RS, decorrente de recursos do FEFC, que foi depositado na conta "outros recursos", em manifesta violação ao disposto no art. 9°, §2º, da Resolução TSE 23.607/2019, que estabelece que a movimentação financeira de tais recursos deve ocorrer exclusivamente na conta bancária específica ("Fundo Especial"), sendo vedada sua transferência entre contas de naturezas distintas.

O descumprimento da norma eleitoral pela candidata, com a movimentação de recursos de "origem pública" na conta bancária "outros recursos" é irregularidade grave, que impõem a desaprovação das contas, na medida em que representa quase 50% do total das receitas financeiras recebidas pela candidata durante a campanha eleitoral, bem como o recolhimento de tal valor ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 17, §9º, da Resolução TSE 23.607/2019.

Ademais, ao não declarar o recebimento de recursos do FEFC e da realização de gastos eleitorais com tais recursos, informando maliciosamente que os valores eram oriundos de "financiamento coletivo", a candidata buscou impedir a regular fiscalização das contas pela Justiça Eleitoral, que somente percebeu o engodo ao analisar os extratos eletrônicos enviados pela instituição financeira, onde constou a correta identificação da origem dos recursos.

(…)

Diante do exposto, com fundamento no art. 30, III, da Lei 9.504/97 e art. 74, III, da Resolução TSE 23.607/2019, DESAPROVO as contas apresentadas pela candidata ROSILEI DA LUZ TRESSI, em razão da violação ao artigo 9°, §2°, da Resolução TSE 23.607/2019, condenando-a à devolução da importância de R$ 1.000,00 (mil reais) ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, §1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

(…)

Por sua vez, a recorrente argumenta que não agiu com dolo ou má-fé e que, logo após o apontamento pela equipe técnica, reconheceu o erro, sendo que os recursos financeiros glosados, utilizados para pagamento de mídia de campanha, transitaram por conta bancária, não restando comprometida a fiscalização contábil.

Nos termos do disposto no art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a movimentação de recursos oriundos do FEFC deve ocorrer exclusivamente na conta bancária específica criada para tal finalidade, verbis: 

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

(...)

§ 2º É vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas.

No caso, a candidata, malgrado não tenha realizado a abertura em instituição financeira de conta específica para o trânsito de recursos do FEFC, recebeu do órgão partidário estadual repasse de verbas procedentes daquele fundo em sua única conta, destinada à movimentação de “Outros Recursos”, em inobservância à legislação eleitoral.

Configurada, portanto, a irregularidade, que se revela grave, na linha da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PMB – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. IRREGULARIDADES QUE ALCANÇAM 46,62% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CONTAS DESAPROVADAS. IMPOSIÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DAS QUANTIAS RECEBIDAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E IRREGULARMENTE APLICADAS, DAS RECEBIDAS DE FONTE NÃO IDENTIFICADA, ALÉM DAQUELAS NÃO PROVISIONADAS PARA A FUNDAÇÃO. CONTAS DESAPROVADAS. PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE 5 COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO, DIVIDIDA EM 12 PARCELAS.

2. Reunião de recursos de origens diversas em uma única conta bancária. A ausência de segregação de recursos do Fundo Partidário e de outros recursos em contas bancárias distintas é irregularidade grave, na medida em que impossibilita seja verificada a real movimentação financeira do partido e macula a prestação de contas. Precedente.

(...)

(Prestação de Contas n. 17007, Acórdão, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 242, Data 23.11.2020).

Além disso, impende anotar que restou caracterizada a má-fé, pois, como bem salientado pelo magistrado a quo, a candidata, inicialmente, declarou que a importância de R$ 1.000,00 recebida da agremiação era oriunda de financiamento coletivo de campanha, sendo que, na verdade, era proveniente do FEFC.

Somente após a unidade técnica ter aferido a efetiva natureza dos recursos, ao analisar os extratos eletrônicos enviados pela instituição bancária, a prestadora realizou a correta identificação da origem.

Desse modo, ainda que fosse o valor da falha considerado módico, a manifesta ausência de transparência e colaboração com a atividade fiscalizatória impediria a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar com ressalvas as contas, consoante entendimento do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DECISÃO AGRAVADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 

1. É possível a aprovação das contas, com ressalvas, porque, no caso, não se evidencia a má-fé do candidato e o valor da irregularidade apontada, consistente na omissão de despesa, corresponde ao montante absoluto de R$ 190,00, que foi identificado na apuração final mediante a respectiva nota fiscal. Inexistência de mácula ao poder de fiscalização da Justiça Eleitoral.

2. Nos termos da jurisprudência atual deste Tribunal Superior, "nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ela representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato" (AgR-Al 1856-20, red. para o acórdão Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 9.2.2017).

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 97250, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 102, Data: 31.5.2019, p. 32).

 

Logo, não merece prosperar o pedido de que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Entrementes, tenho que a determinação imposta pelo juízo singular, de recolhimento de valores ao erário, há de ser afastada, por ausência de fundamento jurídico.

Como anteriormente examinado, a situação veiculada nestes autos, consubstanciada na falta de abertura de conta bancária específica para trânsito de recursos do FEFC e na movimentação de tais verbas públicas por via da conta destinada a “Outros Recursos”, cuida de infringência ao art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Contudo o ressarcimento ao Tesouro Nacional imposto na sentença é fulcrado no art. 17, § 9º, do mesmo diploma normativo, que cuida de hipóteses distintas, tais como destinação de percentual mínimo às candidaturas femininas e impossibilidade de repasse de recursos para outros partidos ou candidaturas desses mesmos partidos.

Eis a redação do dispositivo mencionado, litteris:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

§ 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I - não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II - não coligados.

§ 3º Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

§ 4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% (trinta por cento) do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

§ 5º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

Assim, vê-se que a moldura fática delineada nestes autos não se amolda à hipótese normativa que embasou a devolução de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, nem a outra qualquer na legislação de regência.

Gizo que, conforme bem concluiu a sentença, “as despesas declaradas foram devidamente comprovadas nos autos, por documento fiscal e/ou outro meio idôneo de prova, mostrando-se compatíveis com as informações contidas nos extratos bancários, com a regular identificação dos beneficiários (fornecedores), em observância à legislação eleitoral”.

Com efeito, como restou demonstrado no feito, malgrado o trânsito dos valores em conta não própria para a espécie, a verba do FEFC foi efetiva e licitamente utilizada pela candidata em favor de sua campanha, não havendo que se falar em aplicação irregular ou utilização indevida dos recursos públicos.

Desse modo, a manutenção da imposição de recolhimento ao erário teria nítido caráter sancionatório, discrepando do entendimento da Corte Superior de que “a determinação de devolução ao erário dos recursos oriundos de fundos compostos por recursos públicos não constitui penalidade, tendo como finalidade a recomposição do estado de coisas anterior. Precedente: AgR–AI 7007–53, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 7.11.2013” (AgR-REspe 0607014-27, Relator Min. Sérgio Silveira Banhos, DJE de 12.2.2020, e AgR-REspe n. 0601116-98, Relator Ministro Sérgio Banhos, julgado em 04.6.2020).

No mesmo sentido, colaciono recente julgado deste Tribunal em caso bastante análogo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. DESAPROVADAS. MOVIMENTAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. AUSENTE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. UTILIZAÇÃO DA CONTA “OUTROS RECURSOS”. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DEVIDAMENTE UTILIZADO EM CAMPANHA. AFASTADO RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas devido à movimentação de valores oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) na conta bancária "Outros Recursos". Determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

2. Embora não tenha realizado a abertura de conta-corrente específica para o trânsito de recursos oriundos do FEFC, conforme o disposto no art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a candidata recebeu do órgão partidário estadual repasse de verbas procedentes daquele fundo em sua única conta, destinada à movimentação de “Outros Recursos”, em inobservância à legislação eleitoral. Contudo, diante do valor diminuto da irregularidade, aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

3. A moldura fática delineada nestes autos não se amolda à hipótese normativa que embasou a devolução aos cofres públicos imposta na sentença, baseada no art. 17, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que cuida de hipóteses distintas, tais como destinação de percentual mínimo às candidaturas femininas e impossibilidade de repasse de recursos para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos. Ademais, restou demonstrado que a candidata efetivamente utilizou os valores em sua campanha eleitoral, não havendo que se falar em aplicação irregular dessas verbas públicas. Afastada a determinação de recolhimento ao erário.

4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, REl n. 0600818-91.2020.6.21.0135, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischamm, sessão de 24.08.2021) Grifei.

Por tais razões, deve ser mantida a desaprovação das contas, afastando-se, porém, o comando de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas de campanha de ROSILEI DA LUZ TRESSI, afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.