RCED - 0600002-59.2021.6.21.0108 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

1. Considerações Iniciais.

O Recurso Contra a Expedição de Diploma – RCED, ao contrário do que a nomenclatura faz entender, consubstancia autêntica ação de competência originária da segunda instância da Justiça Eleitoral, ainda que se trate de diplomação relativa a eleições municipais. Apresentado perante o magistrado de 1º grau, a este incumbe apenas o processamento inicial da demanda e a remessa dos autos ao Tribunal para instrução e julgamento.

Nessa linha, as lições de ZILIO (Direito Eleitoral, 7ª Ed. Salvador, Editora JusPodivm, 2020, p. 638 e 646):

Descabido classificar o RCED como recurso, pois o recurso – ao contrário do remédio previsto no art. 262 do CE – é aforado, em regra, pelo sucumbente do feito dentro de uma relação processual já existente e, in casu, inexiste qualquer relação processual formada a partir da expedição do diploma. Desse modo, malgrado a denominação empregada pelo legislador, perceptível que o RCED é ação autônoma de impugnação do diploma, ou, na dicção do Ministro Sepúlveda Pertence, ‘o chamado recurso contra a expedição de diploma (C. Eleit. Art. 262), antes de ser recurso, é, na verdade, uma ação constitutiva negativa do ato administrativo da diplomação.

(…)

Nas eleições municipais (Prefeito e Vereador), o RCED é interposto e processado pelo Juiz Eleitoral e julgado pelo TRE (...)

 

2. Tempestividade.

O prazo decadencial para a apresentação de Recurso Contra Expedição de Diploma é de 3 dias, contados da data da cerimônia de diplomação dos eleitos, sendo eventualmente suspenso no período compreendido entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive, conforme preceitua o art. 220 do Código de Processo Civil, pois é comum que as diplomações ocorram nos últimos dias do ano forense.

No caso dos autos, a apresentação do RCED ocorreu em 07.01.2021, de maneira que foi observado o tríduo legal. Sublinho que diplomação dos eleitos de 2020 no Município de Sapucaia do Sul se deu em 18.12.2020, de modo que o dia último para ajuizamento, sem a ocorrência de decadência do direito de agir, seria 21.01.2021.

3. Interesse de agir e via eleita.

Entendo que o presente tópico tem papel fundamental para o desfecho da demanda. Os termos legais do RCED encontram-se no art. 262 do Código Eleitoral:

Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

 

Em resumo, o PTB de Sapucaia do Sul sustenta o pedido de cassação do diploma de ÁTILA VLADIMIR ANDRADE ao entendimento de que os votos atribuídos a Vilmar Ballin seriam nulos. Entendo relevante repetir que ÁTILA logrou votos suficientes para ocupar posição de primeira suplência na nominata do PT de Sapucaia do Sul e ocupa a cadeira titular de vereador da Câmara de Vereadores de Sapucaia do Sul após o falecimento de Vilmar Ballin, em 23.12.2020.

Refere que a nulidade dos votos de Vilmar Ballin seria efeito da prática de fraude, afirmando o PTB de Sapucaia que foi apresentada, por ocasião do registro de candidatura de Vilmar, certidão criminal na qual foram omitidas duas condenações sofridas por Vilmar, quais sejam, (1) por crime de responsabilidade, oriunda da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, transitada em julgado em 18.2.2020, e (2) por improbidade administrativa, proferida pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em 03.6.2020.

Antecipo que, na esteira do posicionamento externado pela Procuradoria Regional Eleitoral, impõe-se a extinção do feito sem resolução do mérito pela ausência do interesse de agir.

Explico.

Ainda que fossem reconhecidos como verdadeiros os argumentos do PTB de Sapucaia do Sul e dado provimento ao RCED, quer no sentido de presença de causas de inelegibilidade, quer na ausência de condições de elegibilidade em relação ao candidato Vilmar Ballin, não ocorreriam as consequências pretendidas pelo recorrente.

Dito de outro modo, sequer hipoteticamente o reconhecimento da fraude traria os efeitos desejados pelo PTB no mundo dos fatos, nomeadamente, (1) a supressão dos 751 votos dados pelo eleitorado a Vilmar Ballin - por serem nulos - do somatório de legenda do PT de Sapucaia do Sul; (2) a cassação do diploma de ÁTILA ANDRADE pela insuficiência de legenda decorrente do item anterior, e (3) a realização de recálculo de votos de legenda para que se operasse nova classificação dos eleitos.

Isso porque o sistema legislativo eleitoral restringe claramente as hipóteses em que a nulidade de votos repercutirá nos cálculos de legenda. Ao que interessa no momento, friso o art. 175 do Código Eleitoral, cujo § 4º traz com nitidez a determinação de que, nos casos como o que ora se analisa, não haverá a declaração de nulidade dos votos recebidos:

Art. 175. Serão nulas as cédulas:

[...]

§ 3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.

§ 4º O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro.

 

Sublinho, pela importância, que, por ocasião do pleito de 2020, o candidato Vilmar Ballin concorreu com seu requerimento de registro de candidatura deferido, motivo pelo qual eventual posterior mudança de tal situação, pelas causas de pedir expostas no presente recurso contra a expedição de diploma, não importaria, sequer em tese, em nulidade dos votos para a legenda, consoante o art. 175, § 4º, do Código Eleitoral.

Nesse norte, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral em caso de todo semelhante ao sob análise, de forma que se presta, à perfeição, como paradigma:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. VEREADOR ELEITO E NÃO DIPLOMADO. ANULAÇÃO DOS VOTOS PELO REGIONAL. DETERMINAÇÃO DE RECÁLCULO DO QUOCIENTE ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO NA DATA DAS ELEIÇÕES. CANDIDATO A CARGO PROPORCIONAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. EFEITO AUTOMÁTICO. PERDA SUPERVENIENTE DA CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 175, § 3º, DO CÓDIGO ELEITORAL. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAR EXTENSIVAMENTE AS HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. CÔMPUTO DOS VOTOS CONFERIDOS AO CANDIDATO ELEITO E NÃO DIPLOMADO PARA A RESPECTIVA LEGENDA PELA QUAL CONCORREU. INTELIGÊNCIA DO ART. 175, § 4º, DO CÓDIGO ELEITORAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO. 1. A anulação total dos votos impõe sua contagem para a legenda partidária (nulidade parcial) incidindo nas eleições proporcionais quando os candidatos preencherem, na data do pleito, as condições de elegibilidade e não incorrerem nas causas de inelegibilidade, mas que, por força de decisão superveniente, sejam declarados inelegíveis ou tenham seu registro cancelado, após a realização da eleição a que concorreram, ex vi do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral. 2. In casu, o ora Agravado concorreu às eleições com o registro de candidatura deferido, sobrevindo condenação criminal que suspendeu os seus direitos políticos, acarretando a nulidade dos votos a ele conferidos. 3. A despeito de terem sido considerados nulos para o candidato eleito, os votos a ele conferidos devem ser computados a favor da legenda, visto que a suspensão dos direitos políticos consubstancia condição de elegibilidade, plasmada no art. 14, §3º, II, da Constituição da República, a qual não se insere nas hipóteses previstas no art. 175, § 3º do Código Eleitoral. 4. A exegese que melhor se coaduna com o art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral é aquela no sentido de que os votos obtidos por candidato cujo registro se encontrava deferido na data da eleição não são anulados, mas contados a favor da legenda pela qual o parlamentar posteriormente cassado ou não diplomado se candidatou, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral. 5. Agravo regimental desprovido.

(REspe n. 1950, Relator Min. Luiz Fux, DJE de 27.9.2016, Páginas 90-91.)

 

Lembro, a demonstrar a coerência do sistema, que as hipóteses em que ocorre a nulidade dos votos também para a legenda pela qual concorre o candidato são somente aquelas previstas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, situações em que a desobediência à legislação de regência redunda em violação à normalidade e à legitimidade do pleito, à liberdade do voto ou à igualdade de oportunidades entre os candidatos, conforme asseverado pelo Tribunal Superior Eleitoral no RO n. 0601423-80.2018.6.01.0000, Relator Min. Edson Fachin, DJE de 04.12.2020.

Na ocasião decidiu-se que os arts. 222 e 237 são regras especiais em relação ao art. 175, § 4º, todos do Código Eleitoral, de modo que uma perspectiva sistemática afasta a aplicação do último em casos como o sob exame, pois como observado com acuidade pelo d. Procurador Regional Eleitoral, no presente caso não há falar em malferimento à normalidade e legitimidade do pleito, à liberdade do voto ou à igualdade de oportunidades entre os candidatos, e mesmo a fraude da certidão apresentada não se enquadraria nas hipóteses elencadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, pois relacionada ao registro de candidatura, e não à votação.

Transcrevo, por esclarecedor, trecho de julgado do Tribunal Superior nesse exato sentido:

[...]

DO DESTINO DOS VOTOS DIRECIONADOS A CANDIDATOS CASSADOS EM ELEIÇÕES PROPORCIONAIS EM MOMENTO POSTERIOR À VOTAÇÃO 1. A despeito da identificação de uma tendência pela aplicação do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, existem nesta Corte precedentes solucionados sob o pálio do art. 222 do mesmo diploma. 2. Em adição, a aprovação do art. 198, inciso II, b e §5º da Resolução nº 23.611/2019 pode ser interpretada como sinal indicativo de uma possível mudança de percepção quanto ao destino dos votos amealhados por vereadores ou deputados cassados por parte da composição atual deste Tribunal. 3. Dentro desse panorama, interessa que o tema dos efeitos da anulação de votos em pleitos proporcionais seja problematizado, com o fim de traçar uma linha de entendimento clara e segura, na esteira do que preconiza o art. 926 do Código de Processo Civil. 4. A matéria diz com o tratamento jurídico dos votos obtidos por candidatos cassados postumamente em pleitos proporcionais, os quais podem, a depender da perspectiva adotada, ser completamente anulados (culminando com o refazimento dos cálculos dos quocientes eleitoral e partidário) ou, alternativamente, ser aproveitados pelo partido ou coligação pelo qual concorreram, hipótese em que os cargos vacantes seriam ocupados pelos primeiros suplentes das respectivas listas. 5. As regras plasmadas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral são especiais em relação ao cânone do art. 175, § 4º, tendo em vista que disciplinam, especificamente, situações de extinção anômala ocasionadas pela incidência de faltas eleitorais de primeira grandeza. Os dois primeiros artigos, nessa toada, cobram aplicação peculiar e, portanto, prevalente no âmbito do direito eleitoral sancionador, ao tempo em que a norma residual (art. 175) prepondera em seu campo específico, relacionado com a análise da habilitação jurídica dos indivíduos que almejam cargos de representação eletiva. 6. Também assim, o apartamento dos espectros de incidência é denunciado a partir de um exame topológico, o qual revela que, na quadra do Código, o art. 175 situa-se em apartado geral, direcionado à “Apuração das urnas” (Capítulo II), enquanto os arts. 222 e 237 encontram morada em um segmento particularmente voltado à regulação dos efeitos das “Nulidades da Votação” (Capítulo IV). 7. Em conjugação com os critérios mencionados, vem a lanço a relevância da interpretação sistemática no processo de decodificação do sentido das normas eleitorais. Por esse critério, cabe ao intérprete recordar que o ordenamento eleitoral é mais do que um mero agregado de normas, consubstanciando, pelo contrário, uma estrutura coerente, dentro da qual as regras componentes devem, sempre que possível, ser compreendidas como elementos que convivem em harmônica conexão. 8. Assim sendo, na solução de celeumas envolventes de regras eleitorais, cumpre privilegiar leituras que permitam interpretar duas ou mais normas supostamente em conflito de maneira tal que a incompatibilidade desapareça. 9. Ao lado desses argumentos, cabe observar que o § 4º do art. 175 do Código Eleitoral autoriza o aproveitamento do apoio eleitoral pelo partido do candidato excluído com esteio na ideia de que o simples descumprimento de requisito essencial para o exercício do direito à candidatura não enseja dúvidas nem suspeitas sobre a retidão da vontade externada pelo eleitorado. 10. Em contrapartida, a intervenção de práticas comprometedoras da liberdade de sufrágio ou da igualdade na disputa introduz, nessa equação, um sério elemento de incerteza que, na prática, impede que as autoridades judiciais possam presumir a existência de uma reta congruência entre a expressão matemática das urnas e a autêntica vontade do corpo político. 11. A fraude, a coação, o abuso de poder e os demais comportamentos proscritos pelos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral constituem, em essência, circunstâncias que comprometem, em um nível micro, o elemento volitivo da escolha política e, em um nível macro, a validade jurídica do conjunto de manifestações apuradas em um certo sentido. Como decorrência, soa incongruente conceber a existência de votos que, inequivocamente viciados por uma determinada mirada, ressaiam imaculados e juridicamente válidos quando vistos por outro ângulo. 12. Embora a saída autorizada pelo art. 175, § 4º favoreça a lógica do aproveitamento do voto, na medida em que a manifestação cívica resulta prestigiada, minimamente, pela validação da componente partidária da escolha, interferências ilícitas nos trilhos do certame afetam a sua normalidade e, consequentemente, impossibilitam a descoberta da autêntica opinião dos votantes. 13. As decisões judiciais que reconhecem práticas comprometedoras da legitimidade eleitoral têm como efeito a quebra do paradigma da intangibilidade da vontade popular. A Constituição Federal assegura a prevalência da decisão majoritária apenas na quadra de mandatos obtidos sem abuso. Depreende-se da Carta constitucional que a legitimidade é um valor que se sobrepõe ao princípio da maioria. Precedentes. 14. Nesse panorama, em casos como o que se apresenta, a anulação do apoio obtido se revela aconselhável, como reflexo do princípio da proibição do falseamento da vontade popular. 15. Em vista do que antecede, em eleições regidas pelo sistema proporcional, a cassação de mandato ou diploma em ação autônoma decorrente de ilícitos deve ensejar a anulação da votação recebida, tanto para o candidato como para o respectivo partido, ficando afastada a aplicação da solução de utilidade parcial plasmada no art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral. 16. Sem embargo, em respeito ao princípio da segurança jurídica o entendimento em questão é de ser aplicado tão apenas a partir das eleições de 2020, uma vez que o diploma regente do pleito em tela restringe a possibilidade de anulação total dos votos à hipótese de cassação em ação autônoma cuja decisão tenha sido publicada antes das eleições (art. 219, IV da Res.-TSE n. 23.554/2017).

(RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL n. 060142380, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 253, Data 04.12.2020, Página 0.)

 

Assim, ainda que fosse provido o presente RCED, os votos obtidos pelo candidato VALMIR BALLIN seriam mantidos válidos para o PT de Sapucaia do Sul e usados para a composição de cadeiras à Câmara de Vereadores daquela municipalidade, de modo que o primeiro suplente, ÁTILA, permaneceria como legítimo novo titular.

Desse modo, impõe-se a extinção do presente feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, diante da ausência do interesse de agir.

 

Diante do exposto, VOTO para extinguir o feito sem resolução do mérito, por ausência do interesse de agir, forte no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.