REl - 0600491-54.2020.6.21.0004 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/08/2021 às 14:00

VOTO

 

DA ADMISSIBILIDADE

Ambas as partes foram intimadas da sentença em 22.3.2021 (ID 40726033), vindo a transcorrer no dia 01.4.2021 o decêndio para ciência eletrônico, na forma do art. 55, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/19 e art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/06.

Dessa forma, interposto o recurso do PDT em 25.3.2021 (ID 40726133) e o recurso da candidata em 01.4.2021 (ID 40726233), ambos observaram o tríduo previsto no art. 258 do Código Eleitoral e, atendidos dos demais pressupostos recursais, conheço dos recursos.

DAS PRELIMINARES

Da extensão dos efeitos da AIME proposta com base em fraude à cota de gênero, do litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos eleitos e da decadência.

Na presente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME, o PDT alega que a candidata Mara Maria Valandro, sendo cunhada do prefeito reeleito Douglas Fontana e, por isso, sabidamente inelegível por incidir na causa prevista no art. 14, § 7º, da CF/88, foi lançada candidata pelo MDB apenas para fins de preenchimento da cota de gênero exigida pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, permitindo, assim, as candidaturas de maior número de candidatos homens. Por essa razão a agremiação recorrente busca a exclusão da candidata da chapa proporcional, bem como a invalidação de toda a chapa registrada pelo MDB, ou, subsidiariamente, com a desconstituição do registro da candidata, a exclusão dos excedentes do gênero masculino.

Sobre o tema em questão, por ocasião do julgamento do REsp n. 19392, de Valença do Piauí, nos dias 14 e 19.9.2019, sob a relatoria do Ministro Jorge Mussi, o Tribunal Superior Eleitoral fixou o entendimento de que, ultrapassados os processos de registro de candidaturas e comprovada a fraude no atendimento às cotas de gênero em sede de AIJE ou AIME, a consequência jurídica é a cassação de todos os registros ou diplomas dos candidatos que compuseram a chapa proporcional, não sendo possível o alcance parcial da medida somente aos eventuais responsáveis diretos pelo ilícito ou aos concorrentes de determinado gênero, ainda que sob o pretexto de preservação das candidaturas femininas.

Conforme sufragou a Corte Superior, a aplicação de solução diversa permitiria que o partido pudesse selecionar os candidatos mais exitosos dentro de um maior grupo de forma a conservar algum grau de benefício pelo lançamento de candidaturas femininas simuladas, em contrariedade ao objetivo prático do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Além disso, a cassação de apenas algumas candidaturas, sejam masculinas ou femininas, a fim de readequar os quantitativos à cota legal de gênero, ocasionaria "casuísmo incompatível com o regime democrático", uma vez que não há critérios legais estabelecidos para esse procedimento após os julgamentos dos processos específicos de registro de candidaturas.

Transcrevo, por elucidativas, as razões expostas pelo eminente Relator do referido julgado quanto ao ponto em destaque:

2.5. Cassação dos Registros dos Candidatos a Vereador

A controvérsia que reside neste tópico pode ser resumida pelo seguinte questionamento: reconhecida a fraude quanto a algumas das candidaturas femininas das duas coligações, a sanção de perda dos registros incide apenas perante elas - e aos candidatos excluídos a partir do recálculo da cota de gênero - ou alcança indistintamente toda a aliança proporcional?

[...].

Como se demonstrará a seguir, o contexto jurisprudencial, doutrinário e legislativo leva a concluir que, caracterizada a fraude da cota de gênero, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para se impor ou não a eles inelegibilidade para eleições futuras.

Em outras palavras, evidenciada conduta que comprometa a disputa eleitoral, quebrando a isonomia entre os candidatos, impõe-se cassar os registros ou diplomas de todos os beneficiários, cabendo ao órgão julgador definir sua atuação no ilícito apenas para fim de inelegibilidade, que possui natureza personalíssima.

[...].

Nesse diapasão, a resposta à pergunta formulada no início deste tópico dá-se no sentido de que a fraude da cota de gênero em eleições proporcionais implica a cassação de todos os candidatos registrados pela legenda ou pela coligação.

[...].

De todo modo, além das inúmeras considerações teóricas já expostas, há na espécie outros elementos nos planos fático e jurídico que não permitem acolher a tese pretendida pelos recorrentes, adotada na sentença, de indeferir os registros apenas das candidaturas fraudulentas e dos candidatos menos votados (feito o recálculo da cota) e preservar os que obtiveram maior número de votos.

Em primeiro lugar, a adoção dessa tese ensejaria verdadeira e inadmissível brecha aos partidos políticos e coligações pra registrarem candidaturas "laranjas", na medida em que seriam incentivada a "correr o risco" de lançá-las.

Em outras palavras, tanto os partidos e coligações candidatos que viessem a ser eleitos não seriam prejudicados ainda que comprovada a fraude a posteriori em AIJE, pois o mero recálculo da cota, excluindo-se apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas, não lhes alcançaria na prática.

Trata-se de permissivo que, com as devidas vênias dos pares que entenderem diversamente, não pode ser admitido sob risco de tornar letra morta as disposições legais e constitucionais e, ainda, comprometer a credibilidade desta Justiça Especializada.

Na esteira desse primeiro argumento complementar, tem-se que a negativa de apenas parte dos registros premiaria as legendas e coligações com a fraude, além dos candidatos por elas eleitos, como se já viu ao se abordar a gravidade da conduta, pressuposto do art. 22, XVI, da LC 64/90.

[...].

Esse círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial imposta na sentença, pois, de acordo com o art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral, a negativa dos registros de candidatura somente após a data do pleito, como no caso, implica o aproveitamento dos votos em favor das coligações, evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude.

Em suma, os votos anulados pelo indeferimento somente uma parte das candidaturas proporcionais não repercutiria na esfera jurídica das coligações e dos candidatos por elas eleitos, de forma que condição na hipótese dos autos teria pouco ou mesmo nenhum efeito prático.

Ainda a esse respeito, frise-se a judiciosa manifestação advogada Angela Cignachi Baeta Neves no seminário "Academia da Democracia", promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral em 7/8/2018, ao comentar precedente oriundo do TRE/SP:

"[...] O Tribunal RegionaI Eleitoral de São Paulo ousou e chegou à consequência de cassar mandatos de vereadores eleitos em razão da fraude ocorrida durante a formação da chapa porque [foram] colocadas candidatas laranjas para beneficiar os candidatos do sexo masculino. E o que isso significou na prática? A eleição de muitos homens. [...] Então, obviamente o ingresso dessas mulheres viabilizou a chapa como um todo, a coligação, e viabilizou a eleição de todos. E, por essa razão, [...] toda a chapa foi atingida".

Em terceiro lugar, seja pelo critério trazido na sentença para decidir quais candidatos permaneceriam com os registros hígidos, seja por outros eventuais parâmetros para cindir apenas parte da chapa, haveria casuísmo incompatível com o regime democrático, como bem observa José Jairo Gomes ao comentar a hipótese de fraude ocorrida antes da data do pleito:

[...] Já quanto aos critérios, podem-se figurar os seguintes: (a) realização de nova convenção partidária; (b) sorteio; (c) ordem de protocolo dos requerimentos de registro de candidatura, (d) deliberação da direção do partido/coligação requerente.

[...] Inviável, igualmente, é o critério da letra "b", visto que a escolha de candidatos numa democracia não pode ser relegada ao acaso, ao azar ou infortúnio - ao contrário, o regime democrático exige certo nível de consciência política e responsabilidade de seus atores.

De outra parte, descabe acolher a pretensão dos recorrentes de que deveriam remanescer, ao menos, as candidatas mulheres que vieram a ser eleitas, uma de cada coligação - Maria de Fátima Bezerra e Ariana Maria de Carvalho.

Embora, como se viu, cota do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/9715 tenha como objetivo prático incentivar especificamente a participação feminina na política, o percentual mínimo de 30% é de gênero, seja ele masculino ou feminino, de modo que manter o registro apenas das candidatas mulheres culminaria, em última análise, em igual desrespeito à norma, dessa vez em sentido contrário ao que usualmente acontece.

[...].

Dessa forma, os inúmeros argumentos acima expostos, calcados na legislação, na jurisprudência, na doutrina e no plano fático, impõem a cassação dos registros de todos os candidatos proporcionais que disputaram o pleito pelas coligações Compromisso com Valença I e II.

 

Portanto, conforme sedimentado na jurisprudência da Corte Superior, o reconhecimento da fraude à cota de gênero no lançamento da lista de concorrentes ao pleito proporcional implica, necessariamente, cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos e candidatas registrados pelo partido com proveito da fraude perpetrada, de modo indistinto.

Nessa senda, é inviável qualquer delimitação subjetiva do alcance da presente ação, devendo, de plano, ser afastados os pedidos recursais que envolvem a cassação do registro ou diploma de forma restrita à candidata Mara Maria Valandro ou apenas a determinados concorrentes homens, uma vez que constituem pretensões incabíveis em sede de AIME que apura suposta fraude à cota de gênero.

Estabelecida que a extensão dos efeitos sobre o DRAP nas ações eleitorais que têm por objeto a comprovação de fraude na composição mínima de cada gênero atinge todos os candidatos, homens e mulheres, ali registrados, inclusive os não eleitos, este Tribunal Regional passou a entender que, no caso específico da AIME fundada em fraude ao percentual de gênero, todos os componentes da lista proporcional detêm legitimidade passiva para integrar o feito, independentemente de terem sido diplomados ou não.

É o que se colhe do seguinte julgado:

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - AIME. ELEIÇÃO 2016. AFASTADA A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. MÉRITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. QUOTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. INOBSERVADA A FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DECADÊNCIA DA AÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. Rejeitada a preliminar de não conhecimento do recurso. Interposição de acordo com as exigências do art. 1.010 do Código de Processo Civil, explicitando as passagens do provimento judicial contra as quais se insurge e indicando as razões do inconformismo. 2.AIME fundamentada na ocorrência de fraude eleitoral, em razão do alegado lançamento de candidaturas femininas fictícias para a formação de duas coligações distintas. Demanda que tem como objeto a desconstituição das referidas coligações e a consequente cassação do mandato de todos os vereadores eleitos pelas aludidas coligações. 3. Ação ajuizada somente contra os candidatos do gênero masculino, não tendo sido dirigida contra as candidatas mulheres registradas pelas coligações envolvidas, à exceção das duas candidaturas alegadamente fictícias. No caso específico da AIME fundada em fraude ao percentual de gênero, todos os indicados no DRAP detêm legitimidade passiva para integrar o feito, independentemente de terem sido diplomados ou não. 4. Inobservada a formação do litisconsórcio passivo necessário, uma vez não incluídos na demanda candidata eleita ao cargo de vereadora e suplentes. Ajuizada a ação sem a inclusão de todas as partes, a petição inicial é inepta e, na hipótese dos autos, só poderia ser emendada até a data da diplomação, prazo decadencial fixado no art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15 para a sua propositura. 5. Decadência do direito de ação. Extinção com resolução de mérito.

(TRE-RS - RE: 36011 TAQUARI - RS, Relator: MARILENE BONZANINI, Data de Julgamento: 19/11/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data: 21/11/2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Recentemente, contudo, no julgamento do AgRREspe n. 684-80/MT, firmou-se na Corte Superior, por maioria, a tese orientadora de que, na AIME proposta com fundamento na fraude ao art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, embora sejam afetadas todas as candidaturas vinculadas ao DRAP invalidado, não há litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos registrados da chapa impugnada, mas somente em relação aos concorrentes eleitos.

Transcrevo a ementa do referido acórdão:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADORES. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. SUPLENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. PROVIMENTO.

1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso especial eleitoral interposto para impugnar acórdão do TRE-MT que extinguiu o feito por decadência do direito de ação.

2. O acórdão regional amparou-se na tese de que o polo passivo deveria ter sido integrado por todos os candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), em litisconsórcio necessário.

Premissas do julgamento

3. O plenário do Tribunal Superior Eleitoral não havia, até o momento, enfrentado a tese de que suplentes seriam litisconsortes passivos necessários em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) ou ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) que tem por objeto a fraude à cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

4. Evidenciada a fraude, todas as candidaturas vinculadas ao DRAP são atingidas pela invalidação deste. Isso não significa, contudo, que todos os candidatos registrados devam compor o polo passivo da AIJE ou AIME como litisconsortes passivos necessários.

Tese majoritária da corrente vencedora

5. Os suplentes não suportam efeito idêntico ao dos eleitos em decorrência da invalidação do DRAP, uma vez que são detentores de mera expectativa de direito e não titulares de cargos eletivos. Enquanto os eleitos sofrem, diretamente, a cassação de seus diplomas ou mandatos, os não eleitos são apenas indiretamente atingidos, perdendo a posição de suplência.

6. Não há obrigatoriedade de que pessoas apenas reflexamente atingidas pela decisão integrem o feito. Os suplentes são, portanto, litisconsortes meramente facultativos. Embora possam participar do processo, sua inclusão no polo passivo não é pressuposto necessário para a viabilidade da ação.

Conclusão

7. Ações que discutem fraude à cota de gênero, sejam AIJE ou AIME, não podem ser extintas com fundamento na ausência dos candidatos suplentes no polo passivo da demanda.

8. Agravo interno a que se dá provimento para prover o recurso especial, a fim de afastar a decadência e determinar o retorno dos autos à origem para que o TRE-MT prossiga no julgamento como entender de direito.

(AgR-REspe nº 684-80/MT, Redator para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 31.8.2020.) (Grifei.)

 

Portanto, segundo a corrente vencedora, nas AIMEs ajuizadas com base na existência de fraude à cota de gênero devem constar, obrigatoriamente, no polo passivo da ação, todos os candidatos eleitos e, portanto, detentores de mandato eletivo passível de cassação em decorrência da procedência da ação, na condição de litisconsortes passivos necessários.

Por sua vez, os demais componentes da chapa, eventuais suplentes das vagas parlamentares, podem figurar como litisconsortes passivos facultativos e, caso não integrados à demanda oportunamente, não se está inviabilizado o prosseguimento da ação por tal razão.

Nessa mesma linha, estão os julgados trazidos pela diligente Procuradoria Regional Eleitoral, conforme colho do seu parecer:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXIGÍVEL APENAS ENTRE OS ELEITOS. DECADÊNCIA. AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS. PROVIMENTO. 1. No decisum agravado, manteve–se aresto unânime do TRE/MT em que foi reconhecida a decadência e extinto o feito com julgamento de mérito. 2. No julgamento do AgR–REspe 685–65/MT, finalizado em 28/5/2020, esta Corte decidiu ser inexigível, para as ações relativas ao pleito de 2016 e 2018, a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, obrigatório apenas entre os eleitos. 3. Agravo interno provido, assim como o recurso especial, para afastar a decadência reconhecida na origem, além de determinar o retorno dos autos ao TRE/MT para que se reaprecie o recurso eleitoral.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 68735, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 22/09/2020.)

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXIGÍVEL APENAS ENTRE OS ELEITOS. DECADÊNCIA. AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS. PROVIMENTO. 1. No decisum agravado, manteve-se aresto unânime do TRE/MT em que foi reconhecida a decadência e extinto o feito com julgamento de mérito. 2. No julgamento do AgR-REspe 685-65/MT, finalizado em 28/5/2020, esta Corte decidiu ser inexigível, para as ações relativas ao pleito de 2016 e 2018, a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, obrigatório apenas entre os eleitos. 3. Agravo interno provido, assim como o recurso especial, para afastar a decadência reconhecida na origem, além de determinar o retorno dos autos ao TRE/MT para que se reaprecie o recurso eleitoral.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 68735, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 22/09/2020.)

 

Consultando-se os resultados do pleito de 2020, divulgados pelo TSE no sítio eletrônico https://divulgacandcontas.tse.jus.br/, verifica-se que, dentre os doze candidatos registrados pelo MDB para a Câmara de Vereadores de Espumoso (sendo oito homens e quatro mulheres), sagrou-se eleita a candidata Claudete Cavalheiro, a qual deveria, obrigatoriamente, figurar como litisconsorte passiva na presente demanda, uma vez que seu mandato eletivo pode ser diretamente afetado por eventual reconhecimento da fraude ao art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

No entanto, a referida mandatária deixou de integrar o polo passivo da presente AIME, eis que o autor propôs a ação exclusivamente em face da concorrente cuja fidedignidade da candidatura é questionada, ou seja, de Mara Maria Valandro, eleita suplente.

Desse modo, ajuizada a ação sem a inclusão da candidata eleita, que pode ter mandato direta e imediatamente afetado pela eventual procedência da ação, a sentença é nula, nos termos do art. 115, inc. I e parágrafo único, do CPC, ante a ausência de integração de litisconsórcio passivo necessário.

Outrossim, na hipótese dos autos, cumpria ao demandante ter requerido a citação da candidata Claudete Cavalheiro, antes de decorrido o prazo decadencial para a propositura da ação, ou seja, até 15 (quinze) dias após a data da diplomação dos eleitos, conforme prevê o art. 14, § 10, da CF, sob pena de extinção do processo.

Assim, uma vez que não houve tal inclusão e não sendo mais possível a emenda subjetiva da inicial após o transcurso do prazo para o ajuizamento da demanda, impõe-se, desde logo, reconhecer a decadência do direito de ação, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC, extinguindo o processo, com resolução de mérito, no tocante às consequências jurídicas de suposta fraude à cota de gênero.

 

Da inadequação da via processual para o reconhecimento de causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da CF/88.

Em relação ao recurso aviado por Mara Maria Valandro, tem-se que a sentença, considerando a prova dos autos de que a candidata promoveu atos próprios de campanha e alcançou a primeira suplência pelo partido, entendeu não estar evidenciada a fraude na candidatura, porém, reconheceu a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da CF, e, com este fundamento, julgou parcialmente procedente a demanda, “apenas para tornar inelegível a requerida, cassando seu diploma”.

Convém ressaltar que as medidas cominadas na decisão não tiveram por fundamento eventual fraude no procedimento de registro de candidatura, expressamente afastada, mas, tão somente, o fato de que a requerida é cunhada do prefeito reeleito, atraindo a incidência da chamada inelegibilidade reflexa insculpida no art. 14, § 7º, da CF, verbis:

Art. 14. (...).

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

 

Ocorre que, no que respeita à causa de pedir, ex vi do art. 14, § 10, da CF/88, “as hipóteses de cabimento da AIME são taxativas: abuso de poder econômico, fraude e corrupção, não se prestando para verificar condições de inelegibilidade ou elegibilidade” (Gonçalves, Luiz Carlos dos Santos. Direito eleitoral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 510).

No caso, diante das hipóteses numerus clausus de cabimento, a AIME não se presta como sucedâneo da Ação de Impugnação ao Registro de Candidaturas ou do Recurso Contra Expedição de Diploma que não foram manejados nas oportunidades próprias, pois inviável a discussão atinente à inelegibilidade na presente sede processual.

Destarte, uma vez ultrapassada a fase dos processos de registro de candidaturas, a inelegibilidade de natureza constitucional deve ser invocada em sede de Recurso Contra a Expedição de Diploma, consoante prevê o art. 262, caput, do Código Eleitoral, a ser manejado no prazo de três dias após o último dia limite fixado para a diplomação, nos termos do parágrafo 3º do mesmo dispositivo.

Outrossim, conforme bem apontou o douto Procurador Regional Eleitoral, “tem-se que inviável a aplicação do princípio da fungibilidade ao caso, vez que o rito do RCED em eleições municipais, de competência originária do TRE, é incompatível com o da AIME, que se processa perante o juiz de primeiro grau”.

Portanto, arredadas hipóteses de fraude, corrupção ou abuso, a AIME é via processual imprópria à análise de inelegibilidade preexistente ao registro de candidatura, ainda que de índole constitucional, devendo ser extinto o processo com fundamento na inadequação da via quanto ao ponto e, por consequência, afastadas as cominações sentenciais impostas com base no reconhecimento da inelegibilidade por parentesco.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso interposto por MARA MARIA VALANDRO, ao efeito de extinguir o processo, com resolução de mérito, com base no art. 14, § 10, da CF e no art. 487, inc. II, do CPC, em relação ao fundamento da fraude à cota de gênero, bem como extinguir o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 14, § 10, da CF e no art. 485, inc. VI, do CPC, no tocante ao reconhecimento da inelegibilidade da candidata, afastando as sanções impostas na sentença, e pelo desprovimento do apelo manejado pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT DE ESPUMOSO.