REl - 0600316-34.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e adequado, motivo pelo qual dele conheço.

No mérito, passo a analisar as razões de recurso.

 A magistrada  a quo desaprovou as contas da candidata devido à omissão de gasto eleitoral referente à Nota Fiscal n. 2079, no valor de R$ 222,50, e à Nota Fiscal n. 598, no valor de R$ 285,00, emitidas por pessoa jurídica e declaradas como provenientes de doação de bem estimável, caracterizando o recebimento de recursos de fontes vedadas, determinando-se, assim, o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 507,50.

Em sua irresignação, a recorrente alega que a despesa eleitoral no valor de R$ 222,50 refere-se à doação estimável (impressos), doado e pago pelo partido por meio da conta FEFC Mulher, salientando que a referida despesa estaria contida na NF 2079 emitida pela empresa Associação Literária São Boaventura. Na sequência, refere que a despesa compreendida na NF 598 não foi contraída pela candidata, pois se trata de doação estimável realizada pelo Sr. Santo Ari Neto Pereira, salientando que na nota fiscal em tela está destacado o nome e o CPF do doador, não sendo proveniente de doação de pessoa jurídica, conforme constou na sentença.

Sem razão a recorrente.

Como dispõe o art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

II - origem estrangeira;

III - pessoa física permissionária de serviço público.

§ 1º A configuração da fonte vedada a que se refere o inciso II deste artigo não depende da nacionalidade do doador, mas da procedência dos recursos doados.

 

A norma eleitoral deixa clara a vedação de doações, em dinheiro, ou estimáveis em dinheiro, oriundas de pessoa jurídica. No caso concreto, restou demonstrado que os valores de R$ 222,50 e R$ 285,00 originaram-se de pessoas jurídicas, consideradas fontes vedadas de financiamento de campanha eleitoral.

Sobre o tema, assim referiu o ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 30359783):

Quanto à primeira irregularidade, tem-se que a alegação de que o gasto eleitoral no valor de R$ 222,50 representaria doação feita pelo partido através da conta “FEFC Mulher” não veio corroborada por nenhum elemento de prova, sendo certo que o partido ainda não prestou contas. Por outro lado, verifica-se que a NF 2079 está em nome e CNPJ da recorrente, que afirmou inclusive que foi emitida pela empresa Associação Literária São Boaventura, ou seja, pessoa jurídica, configurando, portanto, recurso proveniente de fonte vedada, nos termos do art. 31, inc. I, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

No tocante à segunda irregularidade, observa-se que a alegação de que a despesa no valor de R$ 285,00 referente à NF 598 representaria doação estimável realizada pelo Sr. Santo Ari Neto Pereira também não veio corroborada por nenhum elemento de prova. No presente caso, os serviços doados estimáveis em dinheiro para a campanha da candidata (impressão de santinhos e “colinhas”) devem consistir em produto do próprio serviço do doador ou das atividades econômicas por ele desempenhadas, nos termos do art. 25, caput, da Resolução TSE n. 23.607/2019, o que não foi demonstrado nos autos. De mais a mais, conforme apontado pela Unidade Técnica, a referida NF 598 está em nome da pessoa jurídica "Bruno da Silva Torres Eirelle - ME", CNPJ 10.711.442/0001-08, configurando, portanto, recurso de fonte vedada.

 

É no mesmo sentido a jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. ELEIÇÕES 2016. DESPESAS COM EVENTO. COMUNICAÇÃO À JUSTIÇA ELEITORAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS. GASTOS COMPROVADOS. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO ELEITORAL. DEPÓSITO DIRETO. PESSOA JURÍDICA. FONTE VEDADA. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Realizadas despesas com evento de campanha. Jantar para arrecadação de recursos, devidamente comunicado à Justiça Eleitoral, em conformidade com o disposto no art. 24, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/2015. Juntada de documentos suficientes para comprovar as despesas relativas ao evento. Admitida, em sede recursal, a juntada de documentos simples e que não demandem exames técnicos. Despesas comprovadas. Reforma da sentença nesse ponto.

2. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Recebimento de valores na campanha, por meio de depósitos diretos, em valor acima do limite regulamentar e por meio de doação de pessoa jurídica, fonte vedada pela norma eleitoral. Recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores irregularmente utilizados na campanha eleitoral.

3. Agrupamento de doações recebidas em dinheiro e depositadas na conta pessoal do candidato, com posterior transferência para a conta de campanha mediante emissão e depósito de cheque. Não comprovada a origem dos recursos. A alegada paralisação dos serviços bancários não tem o condão de eximir o candidato do cumprimento das normas que disciplinam a arrecadação e os gastos de recursos em campanhas eleitorais. Manutenção da sentença de desaprovação das contas.

Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 22058, ACÓRDÃO de 04/10/2018, Relator(aqwe) MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 183, Data: 08/10/2018, Página 2.) (Grifo nosso)

 

A recorrente não trouxe nenhum elemento novo capaz de alterar o entendimento sentencial. Os valores recebidos derivam de fonte vedada (doação de pessoa jurídica) e, portanto, estão em desacordo com o regramento eleitoral. Com efeito, nos termos da argumentação, correta a decisão da julgadora de primeiro grau, ao considerar a importância de R$ 507,50 como oriunda de fonte vedada, com fulcro no art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Consta, ao fim, que as irregularidades representam 35,84% do total de receitas declaradas (R$ 1.416,00), o que inviabilizaria a aprovação com ressalvas. Embora o percentual seja expressivo, em relação aos valores das receitas declaradas, o valor nominal das irregularidades (R$ 507,50) encontra-se aquém daquele considerado como parâmetro para permitir a aprovação das contas com ressalvas.

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29/09/2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas a prestação de contas de ELIZANGELA DE QUADROS COITINHO, mantendo a determinação do recolhimento do valor de R$ 507,50 ao Tesouro Nacional.