REl - 0600438-67.2020.6.21.0103 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Destaco que a recorrente acostou documentação em fase recursal, circunstância que na classe processual sob exame, prestação de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual, conforme precedentes desta Corte.

Dessa forma, entendo possível a juntada dos novos documentos com o recurso.

No mérito, JUSSENEI BIANCHIN, candidata ao cargo de vereador no Município de Machadinho em 2020, recorre da sentença que desaprovou as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia de R$ 1.669,02. As irregularidades que ensejaram a desaprovação das contas dizem respeito (1) utilização de recursos próprios acima do limite de 10% previsto para os gastos de campanha no cargo de vereador no Município de Machadinho para as Eleições 2020, e (2) ausência de comprovação de regular pagamento de despesa de campanha. A decisão hostilizada determinou o recolhimento de 100% do valor excedido no uso de recursos próprios.

Quanto à primeira falha, indico que o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Machadinho nas eleições 2020 foi de R$ 12.307,75, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha ao candidato a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizar recursos próprios, ou seja, R$ 1.230,78. No entanto, a candidata aplicou recursos financeiros próprios no valor de R$ 2.899,80 excedendo o limite em R$ 1.669,02.

Nesse quesito, o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(…)

Em sua defesa, o recorrente alega que o valor utilizado em recursos próprios é inexpressivo frente ao total de gastos permitidos e insignificante frente ao patrimônio do candidata.

Tais argumentos não procedem.

A definição do limite de gastos em candidaturas visa exatamente a evitar o abuso de poder econômico dos candidatos mais abastados, e ao estabelecer um teto a ser respeitado por todos os concorrentes eleitorais, o legislador prestigiou a manutenção de um equilíbrio mínimo entre candidatos, apesar de suas diferentes realidades econômicas. Em suma, é exatamente aos candidatos detentores de maior patrimônio que a norma se destina.

Ademais, igualmente não socorre à candidata o argumento de que teria sido orientada de forma errônea pela assessoria contábil contratada pela campanha. O corpo técnico que assessora o candidato no curso do processo eleitoral apenas o auxilia na prestação de contas, permanecendo a responsabilidade direta, perante a Justiça Eleitoral, daquele que lançou seu nome à disposição do eleitorado. Eventuais responsabilidades indiretas devem ser aferidas em outras demandas, mediante a análise pormenorizada do contrato de prestação de serviços contábeis, perante o juízo competente para tanto.

Portanto o limite que deixou de ser observado impõe a aplicação de multa nos termos do art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, no valor de até 100% da quantia em excesso.

Ressalto que não há justificativa para a redução da multa de R$ 1.669,02, aplicada dentro do limite preconizado pela legislação de regência, de forma adequada e razoável à falha verificada e às peculiaridades do caso.

A segunda irregularidade diz respeito à comprovação de gastos. No tema, a Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

A sentença considerou ausente a documentação comprobatória dos pagamentos de despesas realizadas através dos cheques de números 001 e 004, respectivamente no valor de R$ 500,00 e R$ 750,00. Em sede de recurso, foi juntada ao processo as microfilmagens de ambas as cártulas, a Nota Fiscal n. 36 e declaração de Fabiola Lais Lazzaretti.

Verifica-se que o cheque n. 001, foi emitido de modo nominal à “Inove Produtora”, não cruzado, e no valor de R$ 500,00. No entanto, observa-se que o campo relativo ao preenchimento do beneficiário encontra-se riscado, prática usada para o caso de não registrar a nominalidade, e, concomitantemente, preenchido com “INOVE PRODUTORA”, em grafia diversa do restante do título. Esse fato, desqualifica e, no mínimo, enfraquece, a prova apresentada. Ademais, não houve a entrega de extrato bancário contendo os beneficiários dos cheques descontados, impossibilitando se aferir o real destino do pagamento.

Com respeito ao cheque n. 004, nominal a Ricardo Fabian de Almeida Jacques, segundo a recorrente, encontra correspondência na despesa registrada pela Nota Fiscal n. 36, em mesmo valor, que traz como emitente “Casa do Vídeo Produtora – Fabiola Lais Lazzaretti”. A fim de justificar o preenchimento nominal a pessoa diversa do emitente da nota fiscal, acostou declaração de Fabiola Lais Lazzaretti, nos seguintes termos:

“Eu, FABIOLA LAIS LAZZARETTI, brasileira, empresária, portadora do CPF nº 019.726.190-63, proprietária da empresa 01972619063, CPPJ 33.190.297/001-54, DECLARO para os devidos fins e para quem deste tomar conhecimento que recebi de ELEIÇÃO 2020 JUSSENEI BIANCHIN VEREADOR CNPJ 39.068./0001-47 a importância de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais) via cheque nº 004 do Banco do Estado do Rio Grande do Sul – Banrisul, Agência 0725, Conta corrente 06038547.00 preenchido nominalmente em nome de Ricardo Fabian Almeida Jacques, referente aos serviços prestados descritos na Nota Fiscal nº 36 emitida em 30 de setembro de 2020.”

No processo em exame os elementos dos autos não comprovam a vinculação dos cheques emitidos com os serviços alegadamente prestados e, no caso do cheque 0004, com o objeto da nota fiscal juntada.

Com efeito, a microfilmagem do cheque 001, pela forma obscura de seu preenchimento, bem como pela ausência do cruzamento, impede de modo seguro se verificar a lisura da operação. Quanto à microfilmagem do cheque 004 revela como beneficiário terceiro sem nenhuma relação comprovada com os emitentes do documento fiscal apresentado. A declaração é documento de elaboração unilateral, sem qualquer força probatório no contexto, configurando ausência de comprovação de regular pagamento de despesa de campanha.

Reforço que a prova dos autos não revela nenhum documento idôneo a confirmar que os valores descontados através dos cheques foram efetivamente destinados aos alegados gastos de campanha.

Nesse norte, resta descumprida a regra posta no art. 60 e parágrafos da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura do prestador de serviços.

§ 3º A Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados.

(...)

 

Aponto, ainda, não ser caso de recolhimento dos valores, pois a receita utilizada para os pagamentos não constituía verba pública.

Por outro lado, não é possível a aplicação dos princípios da insignificância e da razoabilidade para aprovar as contas, uma vez que a falha relativa ao autofinanciamento, isolada, alcança 42,79% das receitas declaradas e seu valor absoluto, R$ 1.669,02 ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 estabelecido no art. 43, caput, e referido no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, utilizado por este Tribunal como autorizador da aplicação do postulado da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Incumbe apenas proceder à exata destinação dos recolhimentos de valores. Conforme a legislação de regência, o valor de R$ 1.669,02 há de ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, pois originado de extrapolação ao limite de gastos para utilização de recursos próprios em campanha e com natureza jurídica de multa, conforme o art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 c/c o art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO  para negar provimento ao recurso, e para determinar o recolhimento da multa de R$ 1.669,02 ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos.