REl - 0600842-35.2020.6.21.0163 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

1. Preliminar.

O recorrente suscita nulidade dos atos processuais realizados após o exame preliminar, pois alega não ter sido intimado para manifestação.

No entanto, em acesso ao Sistema Processo Judicial Eletrônico de 1º Grau, verifica-se o expediente de intimação do candidato, ID 4894562, em 15.01.2021, no horário de 15h30min18s, para manifestar-se sobre o relatório de diligências emitido na mesma data. O sistema, de modo automático, registrou em 20.01.2021, às 23:59:00 horas, o prazo final para ciência do interessado.

Assim, por ter se operado válida a intimação, afasto a prefacial.

No mérito, MAXWELL CARAZZAI PARADA recorre contra a sentença que desaprovou as contas de campanha ao cargo de vereador nas eleições 2020. A irregularidade que ensejou a desaprovação das contas diz respeito à utilização de recursos de origem não identificada, os quais ingressaram na receita da campanha declarados como valores do próprio candidato, no total de R$ 1.850,00. Contudo, por ocasião do registro de candidatura, o candidato declarou não possuir bens.

A sentença não determinou o recolhimento de valores.

No ponto, o art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 25. (...)

§ 2º Os bens próprios do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura.

 

Em sua defesa, o recorrente alega que desde 2019 trabalha informalmente como vendedor de produtos de beleza, origem essa dos recursos investidos na campanha. Os valores não foram declarados à Receita Federal, pois o recorrente alega que desconhecia a necessidade de declaração de proventos de atividade informal.

Proferida a sentença em 26.01.2021, o recorrente apresentou à Receita Federal, em 28.01.2021, declaração de rendimentos exercício 2020/ano-calendário 2019, indicando o valor de R$ 26.700,00 em rendimentos tributáveis. Trouxe aos autos o novo documento, em embargos de declaração opostos à decisão de origem.

Destaco que esta Corte admite a apresentação de novos documentos, mesmo em grau de recurso, especialmente na classe processual de prestação de contas, considerando a inexistência de prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de exame técnico.

A tolerância visa a salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha, bem como a célere tramitação das contas.

E, considerando a manifestação ministerial quanto à juntada de declaração tardiamente encaminhada à Receita Federal, cabe citar o art. 27, § 5º, inc. III e § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece a aceitação de declaração anual retificadora enviada à Receita Federal até o ajuizamento da ação de doação irregular, proposta após o confronto entre valores doados e rendimentos da pessoa física, realizado pela Secretaria da Receita Federal e comunicado, até 30 de julho do ano seguinte ao pleito, ao Ministério Público:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

(…)

§ 5º O limite de doação previsto no caput será apurado anualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observando-se os seguintes procedimentos:

(…)

III - a Secretaria da Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos da pessoa física e, apurando indício de excesso, comunicará o fato, até 30 de julho do ano seguinte ao ano eleitoral, ao Ministério Público, que poderá, até 31 de dezembro do mesmo ano, apresentar representação com vistas à aplicação da penalidade prevista no § 4º deste artigo e de outras sanções que julgar cabíveis (Lei nº 9.504/1997, art. 24-C, § 3º);

(...)

§ 9º Eventual declaração anual retificadora apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil, desde que apresentada até o ajuizamento da ação de doação irregular, deve ser considerada na aferição do limite de doação do contribuinte.

 

Destaco que, determinando a legislação de regência que a declaração retificadora deve ser considerada no limite de doação do contribuinte, igualmente há de ser tomada por apta a comprovar os rendimentos do candidato.

Sob outro aspecto, é inegável que a realidade brasileira é fortemente marcada pela informalidade, no concernente ao exercício laboral. A circunstância não pode ser ignorada e empresta plausibilidade à argumentação apontada na defesa. Ademais, o valor declarado resta aquém do estipulado como obrigatório para a realização de declaração a RFB, qual seja R$ 28.559,70.

Nesse norte, entendo que a declaração dos rendimentos tributáveis auferidos em ano anterior ao pleito, no montante de R$ 26.700,00, comprova que o candidato detinha capacidade financeira para disponibilizar a sua campanha o valor de R$ 1.850,00, e, igualmente, supre a ausência da declaração de bens e atende à exigência de demonstração idônea da procedência lícita dos recursos, ao que interessa para a prestação de contas, na dicção do art. 61 da Resolução em comento:

Art. 61. No caso de utilização de recursos financeiros próprios, a Justiça Eleitoral pode exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade.

Parágrafo único. A comprovação de origem e disponibilidade de que trata este artigo deve ser instruída com documentos e elementos que demonstrem a procedência lícita dos recursos e a sua não caracterização como fonte vedada.

 

Ressalto, que, consoante precedente do Tribunal Superior Eleitoral, o julgador deve distinguir a situação patrimonial do candidato declarada no momento do registro da candidatura, da sua capacidade financeira, esta mais dinâmica em razão do exercício de atividades econômicas, das quais pode se originar a renda utilizável em campanha:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VALOR MÓDICO DA INCONSISTÊNCIA. APROVAÇÃO COM RESALVAS. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso especial eleitoral, mantendo aprovadas com ressalvas as contas de campanha referentes às Eleições 2016. 2. Hipótese em que o TRE/CE aprovou com ressalvas as contas de campanha do recorrido, candidato ao cargo de vereador nas Eleições 2016. 3. O acórdão regional alinha-se à jurisprudência desta Corte no sentido de que o patrimônio do candidato, declarado no momento do registro da candidatura, não se confunde com a sua situação financeira ou capacidade econômica, que é dinâmica e se relaciona aos rendimentos auferidos. Precedentes. 4. No caso, o TRE/CE assentou que, a despeito da declaração de ausência de bens por ocasião do registro de candidatura, é razoável concluir que a atividade de agricultora declarada pelo candidato justifique a aplicação em campanha de recursos próprios na ordem de R$ 1.153,72. 5. Desse modo, o acórdão consignou não se tratar de receita de origem não identificada ou de fonte vedada. 6. Além disso, o montante de recursos próprios utilizados na campanha é muito inferior ao teto de gastos estabelecido pelo TSE para o cargo pretendido (R$ 10.803,91). 7. A jurisprudência desta Corte inclina-se no sentido de que irregularidades em valores módicos, sem evidência de má-fé do prestador e que não prejudiquem a correta análise das contas pela Justiça Eleitoral, ensejam a sua aprovação com ressalvas. Precedentes. 8. A modificação da conclusão do TRE/CE quanto à ausência de gravidade da falha apontada exigiria o revolvimento do acervo fático-probatório constante dos autos, vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE). 9. Agravo interno a que se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 73230, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 027, Data 07/02/2020, Página 31/32)

 

Em resumo, o recorrente logrou afastar, mediante a apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, a pecha de origem não identificada dos recursos próprios que aplicou na sua campanha eleitoral.

Diante do exposto, VOTO para afastar a preliminar e, no mérito, dar provimento ao recurso, para aprovar as contas.