REl - 0600818-91.2020.6.21.0135 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em virtude da movimentação de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor de R$ 1.000,00 na conta bancária "outros recursos", em vez da efetivação na movimentação em conta bancária aberta especificamente para a movimentação de recursos públicos.

Ainda, foi imposto à candidata o recolhimento do montante ao erário, consoante excerto da sentença, a seguir reproduzido:

(…)

Em sede de análise das movimentações financeiras, o cotejo dos documentos constantes nos autos com asinformações disponibilizadas pelos sistemas eleitorais salienta movimentação financeira de origem do Fundo Especial de Financiamento de Campanha na conta “Outros Recursos”, ferindo o art. 53, II, alínea “a”, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Alude que a inconsistência é,

“falha grave e insanável, uma vez que caracteriza irregularidade no recebimento de recursos, conforme disposto no art. 3, I, c 1 da Resolução TSE n. 23.607/2019, consoante ao art. 17, §9 2, da referida Resolução.”

De outra via, diante do parecer técnico, após intimação, a candidata manifesta-se sobre a não abertura de conta específica, alegando que,

“Muito embora se trate de vício incontestável, o mesmo se enquadra no princípio da insignificância, uma vez que diz respeito a valor irrisório.

É evidente que deve ser respeitado os ditames das regras eleitorais, sobretudo o candidato fora extremamente transparente com a comprovação das movimentações, revelando sua total boa-fé.”

Ao final requer

“Diante da clareza em considerar a insignificância e a boa-fé do candidato ao prestar suas contas com lisura, contendo apenas um vício específico, a aprovação com ressalvas é medida que se impõe".

O Parquet, por seu turno, colacionadas as informações existentes, observando os apontamentos emitidos em parecer técnico e a manifestação da parte, considerou a falha macular as movimentações financeiras, impondo que,

“Não obstante, não há, salvo melhor juízo, como reputar válidas as contas apresentadas, pois, como bem destacado no parecer técnico, tratam-se de graves inconsistências que comprometem a regularidade e confiabilidade das contas.

Ainda, desimporta o valor recebido e que incorretamente transitou, pois não se trata de teto flexível, mas sim de fronteira que não pode ser ultrapassado, sob pena de mácula à lisura das contas.

A regra violada objetiva garantir a ampla transparência das contas e recursos, servindo como barreira a fraudes e outras irregularidades. Se passarmos a considerar que o erro quanto a pequenos valores é escusável, a regra acaba perdendo sua finalidade, pois se trata de critério subjetivo”

Na esteira da unidade técnica, emitiu parecer pela desaprovação das contas

Para pleitos em municípios como Itaara/RS, a legislação estabelece teto menor para campanha. O que pode preludir efeitos adversos majoráveis aos demais concorrentes, quando de algum movimento irregular. Dessa forma, em linhas gerais, a norma está presente para aquilatar o processo eletivo e garantir a segurança do evento democrático, na intenção de qualificar a manutenção da lisura das movimentações financeiras pelos pretendentes legislativos.

Dessa forma, para dirimir possíveis riscos prejudiciais à candidatura, como a inexistência de conta bancária para recursos específicos e trânsito pecuniário em conta adversa à origem dos recursos, os parágrafos primeiro e quarto do art. 45 determinam acompanhamento de responsável financeiro, seja pela própria candidata ou terceiro designado, e contador no transcurso da campanha,

 

"Art. 45. (...)

§ 1º O candidato fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à quota do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), recursos próprios ou doações de pessoas físicas (Lei nº 9.504/1997, art. 20).

(…)

§ 4º A arrecadação de recursos e a realização de gastos eleitorais devem ser acompanhadas por profissional habilitado em contabilidade desde o início da campanha, o qual realizará os registros contábeis pertinentes e auxiliará o candidato e o partido na elaboração da prestação de contas, observando as normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Contabilidade e as regras estabelecidas nesta Resolução.

 

E ao candidatar-se, considerar-se como responsável financeira e contratar os serviços de contabilidade, coloca-se na condição de ciência das delimitações exigidas para as finanças de campanha.

Quanto à arrecadação, compulsando os autos verifica-se que o extrato de prestação de contas (ID 71914702) informa R$ 500,00 (quinhentos reais) em recursos próprios e valores de origem recursal pública em R$ 1.000,00 (um mil reais), de origem do FEFC - o que atende à quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) disponibilizada para as eleições. O somatório de gastos compreendendo R$ 1.445,30 (um mil, quatrocentos e quarenta e cinco reis, com trinta centavos). Portanto, ainda que não havido má-fé, e aferidas as movimentações financeiras, especialmente aquelas inerentes ao Fundo Especial, o valor transitado irregularmente pela conta “Outros Recursos” representa 66,67% das receitas. Não se sustenta a alegação de agir admitido pela jurisprudência, visto que a irregularidade NÃO representa percentual ínfimo, superando fortemente os 10% do total da arrecadação ou da despesa, pelos quais a interessada propugna para ensejar aprovação com ressalva das contas.

 

Assim, o art. 32, §1º, VI, estabelece a quantia irregular como de origem não-identificada, determinando o seu recolhimento:

 

"Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU

(...)

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução."

Nessa seara, o caput e §2º do artigo 14 impedem a aprovação das contas quando na situação em tela:

 

“Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

(...)

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta Resolução.”

Tal irregularidade, por ofensa ao citado dispositivo da Res. TSE nº 23.607/2019, impõe a desaprovação de contas.

 

Verificada existência de inconsistência que prejudique a regularidade das contas de campanha, o art. 74, inciso III, da Resolução TSE nº 23.607/2019 estabelece:

“Art. 74. Apresentado o parecer do Ministério Público e observado o disposto no parágrafo único do art. 73 desta Resolução, a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo (Lei nº 9.504/1997, art. 30, caput):(...)

III - pela desaprovação, quando constatadas falhas que comprometam sua regularidade”

(…)

 

A recorrente reconhece a irregularidade e defende que a falha não comprometeu a fiscalização contábil, justificando que a falha ocorreu devido ao atraso na abertura da conta bancária específica causado pela pandemia.

Nos termos do disposto no art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a movimentação de recursos oriundos do FEFC deve ocorrer exclusivamente na conta bancária específica criada para tal finalidade, verbis:

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

(...)

§ 2º É vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas.

 

No caso, a candidata, malgrado não tenha realizado a abertura em instituição financeira de conta específica para o trânsito de recursos do FEFC, recebeu do órgão partidário estadual repasse de verbas procedentes daquele Fundo em sua única conta, destinada à movimentação de “outros recursos”, em inobservância à legislação eleitoral.

Configurada, portanto, uma irregularidade grave, na linha da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PMB – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. IRREGULARIDADES QUE ALCANÇAM 46,62% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CONTAS DESAPROVADAS. IMPOSIÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DAS QUANTIAS RECEBIDAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E IRREGULARMENTE APLICADAS, DAS RECEBIDAS DE FONTE NÃO IDENTIFICADA, ALÉM DAQUELAS NÃO PROVISIONADAS PARA A FUNDAÇÃO. CONTAS DESAPROVADAS. PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE 5 COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO, DIVIDIDA EM 12 PARCELAS.

2. Reunião de recursos de origens diversas em uma única conta bancária. A ausência de segregação de recursos do Fundo Partidário e de outros recursos em contas bancárias distintas é irregularidade grave, na medida em que impossibilita seja verificada a real movimentação financeira do partido e macula a prestação de contas. Precedente.

(...)

(Prestação de Contas n. 17007, Acórdão, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 242, Data: 23.11.2020.)

 

Todavia, a sentença aponta que o total da arrecadação foi de R$ 1.500,00, e que a falha de R$ 1.000,00, de origem do FEFC, representa 66,67% das receitas.

Logo, prospera o pedido de que as contas sejam aprovadas com ressalvas diante do valor módico da irregularidade verificada, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Quanto à determinação de recolhimento do valor ao erário, entendo que a decisão merece ser reformada por ausência de fundamento jurídico.

É que a falha consubstanciada na falta de abertura de conta bancária específica para trânsito de recursos do FEFC e na movimentação de tais verbas públicas por via da conta destinada a “outros recursos”, cuida de infringência ao art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Todavia, o ressarcimento ao Tesouro Nacional imposto na sentença é fulcrado no art. 17, § 9º, do mesmo diploma normativo, que cuida de hipóteses distintas, tais como destinação de percentual mínimo às candidaturas femininas e impossibilidade de repasse de recursos para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos, litteris:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

§ 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I - não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II - não coligados.

§ 3º Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

§ 4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% (trinta por cento) do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

§ 5º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

Portanto, vê-se que a moldura fática delineada nestes autos não se amolda à hipótese normativa que embasou a devolução de R$ 1.000,00 aos cofres públicos, nem a outra qualquer na legislação de regência.

Ressalto que os recursos do FEFC foram efetivamente aplicados pela candidata na sua campanha, como restou demonstrado no feito, não havendo que se falar em aplicação irregular desses recursos públicos, e que a manutenção da imposição de recolhimento ao Tesouro Nacional teria nítido caráter sancionatório, discrepando do entendimento da Corte Superior, de que “a determinação de devolução ao erário dos recursos oriundos de fundos compostos por recursos públicos não constitui penalidade, tendo como finalidade a recomposição do estado de coisas anterior. Precedente: AgR–AI 7007–53, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 7.11.2013” (AgR-REspe 0607014-27, Relator Min. Sérgio Silveira Banhos, DJE de 12.02.2020, e AgR-REspe n. 0601116-98, Relator Ministro Sérgio Banhos, julgado em 04.6.2020).

Por tais razões, deve ser reformada a sentença para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, afastando-se a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas e afastar a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.