REl - 0600148-47.2020.6.21.0137 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas da candidata SUZETE MARI SANDRI AMPESSAN ao cargo de vereador, nas eleições de 2020, no Município de São Marcos.

As falhas glosadas pelo juízo a quo consistiram em (1) utilização de recursos próprios em campanha acima do limite legal e (2) movimentação de valores da conta bancária destinada ao FEFC para a conta específica "Outros Recursos".

Passa-se a analisar, a seguir, pormenorizadamente, cada uma das irregularidades.

1. Do excesso na utilização de recursos próprios

A sentença recorrida, identificando o uso, em campanha, de recursos financeiros próprios da candidata acima do teto fixado na legislação eleitoral, considerou irregular o valor sobejante de R$ 69,23, em que pese tenha deixado de impor multa, por considerar a quantia de pequena monta.

A recorrente argumenta que o valor da falha é ínfimo, apto a atrair a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e que não foram comprometidas a transparência, a confiabilidade e a fiscalização das contas, acrescentando que houve necessidade de realizar aporte para pagar a cobrança de taxas bancárias.

A matéria objeto de análise encontra-se regulamentada na Resolução TSE n. 23.607/19, a qual, em seu art. 27, dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(...)

Na hipótese vertente, o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de São Marcos, nas eleições de 2020, consoante disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, foi de R$ 12.307,75.

Por sua vez, a candidata utilizou em campanha para a Câmara Municipal recursos financeiros próprios no montante de R$ 1.300,00, conforme se observa do parecer técnico conclusivo (ID 28607083), superando, portanto, o patamar máximo de 10% estabelecido no retrotranscrito art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, equivalente a R$ 1.230,77.

Desse modo, restou caracterizada a irregularidade, que se perfectibiliza de forma objetiva, pelo simples excesso na utilização de recursos próprios.

Inobstante o montante da falha seja efetivamente irrisório, tal como afirmado pela recorrente, há que se destacar que a possibilidade de sua mitigação pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para aprovar com ressalvas as contas, deve ser aferida somente ao final do exame global da contabilidade, após a individualização de todas as falhas apuradas e consequente soma dos respectivos valores.

De outra banda, não assiste razão à recorrente quando assevera que, diante da cobrança de taxas bancárias, houve necessidade de depositar valores na conta-corrente para que referidos débitos pudessem ser saldados.

Ora, o objeto em discussão é o quantum de recursos próprios que a candidata utilizou em sua campanha, o qual foi efetivamente excedido, sendo irrelevante nessa aferição o quantum ou a natureza das despesas efetuadas, as quais poderiam ter sido suportadas pelas demais fontes de arrecadação elencadas no art. 15 da Resolução TSE n. 23.607/19, como, e.g., doações de pessoas físicas, repasses do Fundo Partidário e do FEFC, até o limite acima apontado de R$ 12.307,77.

Além disso, insta ressaltar que, necessário ou não o dispêndio, deve ele estar em estrita observância às regras de regência.

Nesse quadro fático, resta indene de dúvida a caracterização da irregularidade.

Ainda, destaco que, não tendo sido imposta multa pelo excesso verificado no autofinanciamento, como determina o art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e não havendo recurso do Parquet Eleitoral, descabe, nesta instância, impor agravamento à situação da recorrente, em razão da preclusão do tema e do princípio da non reformatio in pejus.

2. Da transferência de recursos do FEFC para a conta "Outros Recursos"

A unidade técnica, na origem, constatou que houve transferência eletrônica do montante de R$ 4.000,00 da conta bancária destinada ao FEFC para aquela reservada a “Outros Recursos”, no dia 27.10.2020 (ID 28607083).

Em face disso, o juízo a quo considerou violado o art. 9º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com efeito, nos termos do disposto no art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a movimentação de recursos oriundos do FEFC deve ocorrer exclusivamente na conta bancária específica criada para tal finalidade, verbis: 

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

(...).

§ 2º É vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas.

No caso, a candidata, malgrado tenha realizado a abertura de conta bancária específica para o trânsito de recursos do FEFC e tenha ali recebido do órgão partidário estadual repasse de verbas procedentes daquele fundo, transferiu os recursos para a conta bancária “Outros Recursos”, em inobservância à legislação eleitoral.

Configurada, portanto, a irregularidade, que se revela grave, na linha da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PMB – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. IRREGULARIDADES QUE ALCANÇAM 46,62% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CONTAS DESAPROVADAS. IMPOSIÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DAS QUANTIAS RECEBIDAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E IRREGULARMENTE APLICADAS, DAS RECEBIDAS DE FONTE NÃO IDENTIFICADA, ALÉM DAQUELAS NÃO PROVISIONADAS PARA A FUNDAÇÃO. CONTAS DESAPROVADAS. PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE 5 COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO, DIVIDIDA EM 12 PARCELAS.

2. Reunião de recursos de origens diversas em uma única conta bancária. A ausência de segregação de recursos do Fundo Partidário e de outros recursos em contas bancárias distintas é irregularidade grave, na medida em que impossibilita seja verificada a real movimentação financeira do partido e macula a prestação de contas. Precedente.

(...)

(Prestação de Contas n. 17007, Acórdão, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 242, Data 23.11.2020.) (Grifei.)

Com efeito, esse proceder atenta contra a transparência e a higidez das contas e dificulta o controle social imprescindível à legitimidade do processo eleitoral, aparentando aos eleitores e fornecedores que os gastos foram adimplidos por meio de recursos privados, quando, em realidade, houve um significativo financiamento público da campanha.

Entendo que não é de ser acolhida a tese da recorrente de que “para abertura das contas foi uma questão de demora extrema” e que a instituição bancária, “de forma deliberada realizou tais movimentos com a justificação de que não seria possível a emissão de cheques em duas contas, tendo em vista a demora para o recebimento dos valores destinados do FEFC, das transações por conta do cenário pandêmico, das taxas de emissão dos cheques que seriam em dobro”, não podendo a candidata “sofrer consequências de ato advindo de terceiro, qual seja o Banco Banrisul devendo ser a respectiva conduta afastada e as suas contas devidamente aprovadas”.

Primeiramente, inexistem elementos nos autos hábeis a escudar a alegação de que o banco realizou a movimentação em tela ou exigiu sua efetivação por parte da candidata, ou mesmo retardou o procedimento de abertura de contas.

De outra banda, o art. 12, inc. I, da multicitada Resolução TSE prescreve que os bancos são obrigados a “acatar, em até 3 (três) dias, o pedido de abertura de conta de qualquer candidato escolhido em convenção, sendo-lhes vedado condicionar a conta ao depósito mínimo e à cobrança de taxas ou de outras despesas de manutenção”.

O § 1º do mesmo dispositivo reza que essa obrigação abrange a abertura de contas específicas para a movimentação de recursos do FEFC, ao passo que o consecutivo § 2º enuncia que a vedação quanto à cobrança de taxas e/ou outras despesas de manutenção não alcança as demais normalmente cobradas por serviços bancários avulsos, na forma autorizada e disciplinada pelo Banco Central do Brasil.

Esses preceitos denotam que as obrigações dos bancos em relação aos candidatos, tais como prazos e serviços, permaneciam íntegras mesmo diante do quadro de pandemia, não cabendo a mitigação das disposições normativas sem comprovação concreta de situações que justifiquem a excepcionalidade.

Demais disso, comungo do entendimento do douto Procurador Regional Eleitoral, quanto à movimentação financeira aqui tratada, de que “ainda que o(a) candidato(a) tivesse sofrido eventual exigência nesse sentido, o que se admite apenas por hipótese, deveria ter comunicado o fato à Justiça Eleitoral para as providências cabíveis”.

Assim, as irregularidades identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 4.069,23 (R$ 4.000,00 + R$ 69,23), cifra que representa 76,78% das receitas arrecadadas (R$ 5.300,00), inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a repercussão das falhas sobre o conjunto da contabilidade, de sorte que se impõe a manutenção da sentença que julgou desaprovadas as contas.

Por derradeiro, no que concerne ao pedido subsidiário, de ser oficiado à instituição financeira para que preste esclarecimentos sobre a movimentação de recursos em tela, não merece acolhimento em razão da preclusão, tendo em vista que a fase de instrução processual, apropriada a tal medida, já se encontra encerrada.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de SUZETE MARI SANDRI AMPESSAN, candidata a vereadora no Município de São Marcos nas eleições de 2020.