REl - 0600698-66.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha ao cargo de vereador nas eleições 2020 de MARCELO SAGGIN.

As irregularidades que ensejaram a desaprovação das contas foram (1) a arrecadação de recursos de fonte vedada, (2) a ausência de documentos comprobatórios de pagamento de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC e (3) a divergência entre a movimentação financeira registrada no SPCE-Cadastro e nos extratos eletrônicos. A decisão hostilizada determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 em razão da falha vinculada à percepção de valores oriundos de fonte vedada e de R$ 525,00 referente à irregularidade na aplicação dos recursos provindos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Quanto à primeira falha, foi detectado, por meio do cruzamento entre as receitas declaradas pelo candidato e as informações encaminhadas ao Tribunal Superior Eleitoral pelas prefeituras, que a  Sra. Cláudia Odiceia Vasconcelos de Lima, doadora de R$ 1.000,00 à campanha do recorrente, enquadrava-se na condição de permissionária de serviço público.

No ponto, o art. 31, inc. III e § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

III - pessoa física permissionária de serviço público.

(…)

§ 3º O recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediatamente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.

 

Em sua defesa, o recorrente alega que a doadora desconhecia o fato de ser permissionária de serviço de transporte de passageiros, pois quem trabalha como taxista é seu ex-cônjuge, de quem está divorciada.

Contudo, não é crível que a doadora estivesse na qualidade de permissionária sem que tenha enfrentado o processo seletivo perante a prefeitura, exatamente com vistas à obtenção do Termo de Permissão e o Alvará de Licença. Ainda que tenha se submetido ao referido processo apenas formalmente, para que seu ex-cônjuge laborasse, as circunstâncias fáticas não poderiam ter sido ignoradas, portanto. 

Ainda, e ao contrário do que argumente o recorrente, o caput do art. 31 é expresso quanto à necessidade de recolhimento do valor alcançar também aquelas doações realizadas sob a modalidade estimável.

Transcrevo julgado do TSE, neste sentido:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. IDENTIFICAÇÃO. DOADOR ORIGINÁRIO. RECURSO ESTIMÁVEL. ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO. TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. O TSE não se excedeu em seu poder regulamentar ao aprovar a regra prevista no art. 29 da Res.-TSE nº 23.406/2014, segundo a qual os recursos de origem não identificada devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional. Precedentes.

2. Mesmo em se tratando de doação estimável em dinheiro, o doador originário deve ser identificado para que seja possível à Justiça Eleitoral fiscalizar a adequada e lícita origem dos recursos, visto que a proibição de recebimento de recursos oriundos de fonte vedada atinge também as doações estimáveis (art. 24 da Lei nº 9.504/1997). Precedente.

3. Não pode ser conhecida a pretensão de retorno dos autos ao Regional para análise de documentos que objetivam afastar irregularidade que ensejou a desaprovação de contas, pois foi apresentada apenas em contrarrazões ao recurso do MPE. Havendo sucumbência e não interposto o recurso com a irresignação, está preclusa a matéria. Precedente.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 192840, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 25/05/2016.)

 

Quanto à segunda irregularidade, verificou-se a ausência de cheque nominal cruzado ou transferência bancária aos fornecedores para o pagamento das despesas adimplidas com recursos do FEFC, no valor de R$ 525,00, em serviços contábeis, pelo fornecedor CONTROL CONTABILIDADE LTDA., e no valor de R$ 225,00, em serviços contábeis, pelo fornecedor ESSENT JUS CONTABILIDADE E CONSULTORIA.

No tema, a Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Conforme o recorrente, os pagamentos de R$ 525,00 e R$ 225,00 foram pagos em um único cheque de R$ 750,00, muito embora declarado em separado na prestação de contas. Como forma de comprovar o alegado, houve a apresentação de cópias das microfilmagens do cheque n. 007, no valor de R$ 750,00, e do cheque n. 012, no valor de 237,00, nominais à ESSENT JUS CONTABILIDADE, não cruzados.

Entendo haver contexto probatório apto a, no ponto, dar provimento ao recurso.

Isso porque verifico, do extrato de prestação de contas final, a declaração de gasto com serviços contábeis no valor de R$ 987,00 – sendo R$ 750,00 pagos com recursos do FEFC (dos quais trata o presente apelo) e R$ 237,00, pagos sob a rubrica de “outros recursos”, e estão presentes ainda nos autos as notas fiscais eletrônicas de números 10701 e 7079, ambas emitidas por ESSENT JUS CONTABILIDADE E CONSULTORIA, nos valores respectivos de R$ 71,10 e R$ 225,00, bem como as notas fiscais eletrônicas de números 22 e 12, desta feita emitidas por CONTROL CONTABIL LTDA., nos valores respectivos de R$165,90 e R$ 525,00. As quatro notas totalizam R$ 987,00, em absoluta consonância com o extrato de contas final.

A somar tal quadro, também se encontra o comprovante eletrônico de pagamento do boleto bancário, com data de 6.11.2020 e no valor de R$ 750,00, no qual consta como “pagador” o candidato, e como “beneficiário” o fornecedor, documento que comprova a transferência direta entre as contas bancárias, e o contrato de prestação de serviços celebrado, de um lado por ELEIÇÕES 2020 MARCELO SAGGIN VEREADOR e, de outro, CONTROL CONTÁBIL LTDA., primeira contratada, e ESSENT JUS CONTABILIDADE E CONSULTORIA LTDA, segunda contratada, no qual se dispõe:

O pagamento dos honorários será realizado mediante boleto bancário emitido pela Segunda Contratada, que ficará responsável pelo repasse da parte dos honorários que cabem à Primeira Contratada, por sua ordem e pleno consentimento, isentando, portanto, o Contratante de qualquer responsabilidade sobre esse repasse.

Verifico, assim, a existência de documentos aptos a subsidiar as alegações, ainda que ausente a tecnicidade requerida pela legislação, pois as operações encontram-se amparadas por transferências eletrônicas, notas fiscais e contrato de prestação de serviço, de forma que entendo sanada a falha, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

 

As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 objetivam que os gastos de campanha sejam identificados com clareza, dotados de rastreabilidade, nos termos do posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de permitir “que a comprovação de despesas, em âmbito de prestação de contas de campanha de candidato, seja feita por outros documentos idôneos, além de notas fiscais, ainda que se trate de recursos oriundos do FEFC” (RESPE n. 060195591, Relato Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 18.12.2020).

A falha remanescente, assim, é aquela referente à doação oriunda de permissionária de serviço público, que, além de inexpressiva em termos percentuais, compondo 4,99% em relação ao total arrecadado, tem valor absoluto inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 estabelecido no art. 43, caput, e referido no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, utilizado por este Tribunal como autorizador da aplicação do postulado da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO por dar parcial provimento do recurso, aprovar as contas com ressalvas e afastar a irregularidade relativa à comprovação de gastos, mantendo a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00, valor recebido de fonte vedada.