REl - 0600424-10.2020.6.21.0095 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2021 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminarmente, conheço da documentação apresentada com o recurso, seguindo a orientação firmada nesta Corte:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURADO CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. IRREGULARIDADE SANADA. PROVIMENTO.

1. Preliminar. Afastada a nulidade da sentença. Ausente qualquer prejuízo ao recorrente, pressuposto essencial para a declaração de nulidade.

2. Constatado, pelo órgão técnico, o recebimento de recursos de origem não identificada. Documentos juntados pelo prestador em sede recursal, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral. Irregularidade sanada. 3. Provimento do recurso para aprovação das contas.

(TRE-RS - RE: 2593 SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 03/12/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 231, Data 11/12/2019, Página 2-4) (grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

2. Recebimento de valores provenientes do diretório nacional da agremiação, sem a identificação dos doadores originários, em afronta ao art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. Os esclarecimentos prestados, associados às informações constantes nos recibos das doações, permitem aferir, de forma clara, os doadores originários com seus respectivos CPFs, cumprindo a determinação normativa. Afastadas as sanções impostas. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 29/04/2019, Página 7) (grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA INTEMPESTIVAMENTE. PREVISÃO DISPOSTA NO ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 13, PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INCONSISTÊNCIA COM RELAÇÃO A GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. SANADA PARTE DAS IRREGULARIDADES. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A MULTA FIXADA NA SENTENÇA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DOS VALORES FIXADA EXCLUSIVAMENTE À ESFERA PARTIDÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento da documentação apresentada com o recurso, a teor do disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

2. Recebimento de recursos oriundos de origem não identificada. Ainda que o número de inscrição no CPF corresponda ao do doador informado nas razões recursais, não foram apresentadas outras informações para subsidiar a fiscalização da licitude da receita, não sendo possível, sem a adoção dos procedimentos técnicos de exame destinados à verificação das fontes vedadas, atestar a regularidade do recurso arrecadado.

[…]

6. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 4589 ALVORADA - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 21/03/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 52, Data 22/03/2019, Página 4) (grifo nosso)

 

Ademais, o exame da documentação independe de novo parecer técnico.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador do Município de Paim Filho, de LUIS CARLOS MACHADO DOS SANTOS.

Foram duas as irregularidades apuradas: a) extrapolação do limite legal para recursos próprios, nos termos do art. 27, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/19; b) realização de despesas sem comprovação (art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Em relação à primeira irregularidade, consta que a sentença desaprovou as contas do candidato porque aplicou R$ 1.540,00 em recursos próprios, acima do teto legal no Município de Paim Filho (R$ 1.230,78), fixando multa no valor de R$ 309,22, correspondente a 100% da quantia em excesso, com fulcro no art. 27, §4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

De fato, o valor aplicado com recursos próprios supera o limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 de 10% do limite de gastos de campanha no cargo em que concorrer. Via de consequência, o infrator está sujeito à multa prevista no art. 27, §4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19 assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).


 

A tese recursal, no sentido de que as despesas com serviços contábeis e advocatícios, por não se sujeitarem ao limite de gastos ou a teto que possam causar dificuldade ao exercício da ampla defesa, deveriam ser desconsideradas do cálculo utilizado para estabelecer o patamar de custeio de campanha com recursos próprios do candidato. No entanto, da leitura da norma acima transcrita infere-se que as razões de recurso não devem prevalecer.

O recorrente confunde os institutos jurídicos de limite de gastos de campanha e limite de autofinanciamento.

O art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o montante máximo de despesas para os cargos em disputa nas eleições de 2020, e o seu § 5º prevê que os gastos de contabilidade não se sujeitam a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa, conforme transcrevo:

Art. 4º O limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições para prefeito e vereador, na respectiva circunscrição, será equivalente ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir (Lei nº 9.504/1997, art. 18-C).

[...]

§ 5º Os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não estão sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa (Lei nº 9.504/1997, art. 18-A, parágrafo único).


 

Desse modo, a campanha do candidato fica adstrita ao limite de despesas imposto pela lei para o cargo ao qual concorre, mas pode esse teto ser extrapolado, desde que tal excesso seja utilizado exclusivamente para pagamento de serviços advocatícios ou contábeis relacionados à prestação de serviços em sua campanha eleitoral e em favor desta, ou a processo judicial pertinente.

De outra banda, o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 trata do autofinanciamento de campanha, estabelecendo que o candidato somente poderá empregar recursos próprios em sua campanha no valor máximo de 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer, não havendo exceção a tal preceito.

Vê-se, pois, que o limite para custeio da campanha com recursos próprios é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao limite legal de gastos relacionados ao cargo em disputa, de modo que as alegações expendidas pelo recorrente não encontram respaldo na legislação afeta ao tema.

Portanto, os valores advindos de recursos próprios e empregados em gastos com serviços advocatícios ou contábeis, embora não se sujeitem ao teto estipulado para despesas de campanha, devem ser considerados na aferição do limite legal de autofinanciamento.

No que refere ao valor da condenação à multa eleitoral por excesso do limite para doação de recurso próprio (R$ 309,22), prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, cujo fundamento legal encontra-se no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, a importância deverá ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), conforme previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Nesse sentido, transcrevo jurisprudência:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. DESAPROVADAS. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS EXCEDENTES AO LIMITE PREVISTO. VALOR ABSOLUTO REDUZIDO. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDO O RECOLHIMENTO DE MULTA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de candidata ao cargo de vereador, relativas ao pleito de 2020, e aplicou multa pela utilização de recursos próprios excedentes a 10% do limite previsto para gastos de campanha no cargo em que concorreu.

2. Evidenciado que a candidata empregou em sua campanha recursos financeiros próprios em montante superior ao teto de 10% estabelecido no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ainda que possam ser valorados, por ocasião da dosagem da penalidade prevista para o caso, o equívoco na compreensão da norma ou erro de direito, bem como a ausência de dolo ou má-fé da candidata, não constituem motivos suficientes para relevar a irregularidade cometida ou deixar de aplicar a norma sancionatória, que incide de modo objetivo e imperativo.

3. A falha apurada representa 15,60% da receita declarada. Contudo, apesar do percentual significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização e com a dispensa do uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). A jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto para afastar o severo juízo de desaprovação da contabilidade quando o valor absoluto da irregularidade se mostra irrelevante.

4. O juízo de aprovação com ressalvas não afasta a condenação ao pagamento de multa, que decorre exclusiva e diretamente do uso de recursos próprios acima do limite legal, na forma do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, independente da sorte do julgamento final da contabilidade.

5. Determinada a correção, de ofício, de erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

6. Provimento parcial.

(RECURSO ELEITORAL0600382-34.2020.6.21.0103, São José do Ouro – RS, RELATOR: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 01.06.2021) (grifo nosso)


 

Em relação à segunda irregularidade, para melhor contextualizar a controvérsia, transcrevo o parecer oral proferido pelo Procurador Eleitoral, na sessão do dia 29.07.2021, degravado pela diligente equipe da Coordenadoria de Sessões da Secretaria Judiciária deste Tribunal:

 

Trata-se aqui daquele caso da Essent Jus, de Paim Filho, e, ao examinar a fundo a documentação, ficou claro o que aconteceu neste caso. Tem-se o boleto e o comprovante de pagamento de R$ 650,00 para a Essent Jus, e apenas a nota fiscal da Essent Jus no valor de R$ 195,00. Tinha sido trazida a nota fiscal de Organizações Contábeis, que seria um contador associado da Essent Jus, no valor de 455,00, fechando o valor. No entanto, a unidade técnica apontou que, como apenas a Essent Jus recebera o pagamento, a nota fiscal emitida pelo contador associado indicaria irregularidade, pois não associada ao pagamento feito. Então, o que fizeram? Cancelaram aquela nota fiscal. E não foi emitida nota fiscal pela Essent Jus, ficando o pagamento em aberto. E, no recurso, a justificativa foi de que o pagamento havia sido feito à Essent Jus, não se podendo responsabilizar pelo fato de não haver sido emitida nota fiscal correta. Isso afastou totalmente a transparência do que ocorreu neste processo. E, ainda que o pagamento tenha sido feito, não é possível a aprovação das contas envolvendo recursos públicos. Baseado em outros processos semelhantes envolvendo esta mesma empresa, Essent Jus, onde foi juntado o contrato – que é contrato de adesão – como por ex. o processo n. 0600644-03 percebe-se que ocorre o seguinte: no ID 28071133 deste processo encontra-se o contrato, onde constam a Essent Jus, o candidato e o contador associado. A Essent Jus figura como se fosse uma plataforma, e não recebe a maior parte dos recursos, recebe 30%, enquanto 70% são destinados ao contador associado. Este é o contrato de adesão, que aqui não foi juntado, mas já constou em outros processos, acontecendo aqui, certamente, a mesma coisa. Ao determinar quanto representam esses R$ 195,00, que a Essent Jus efetivamente lançou na nota fiscal, se observa que correspondem exatamente a 30% dos R$ 650,00 relativos à despesa contratada. Então, na verdade, os R$ 455,00 teriam sido pagos e a Essent Jus os repassara para o contador associado, que emitiu nota fiscal. Quando a unidade técnica apontou o indicativo de falha, a empresa Organizações Contábeis imediatamente cancelou a nota fiscal, quando deveria, isso sim, ter trazido o contrato e demonstrado que foi pago para a Essent Jus, como foi feito nos outros processos. Então, aqui, a empresa contábil pensou, “ah, o errado foi a nota fiscal porque o pagamento foi feito pra Essent Jus, ainda que depois tenha vindo pra gente, então vou cancelar a nota fiscal”. Assim, fica tudo sem transparência. No julgamento anterior, o Des. Buttelli entendeu que o pagamento foi feito para a Essent Jus, mas não, foi, sim, pago para a Essent Jus, mas depois foi repassado, porque é isso que está no contrato, é um contrato de adesão, a Essent Jus fica com 30% e são repassados 70% para a empresa de contabilidade associada. Então, se entende que aqui aconteceu isso. A Essent jus recebeu os R$ 195,00 e emitiu nota fiscal desse valor, e a emissão de nota fiscal do valor restante, feita pelo contador, foi cancelada e, agora no recurso, vem o argumento de que a Essent Jus, que recebeu o valor, é que deveria ter emitido a nota fiscal. Não houve transparência, está faltando a nota fiscal, o contrato de prestação de serviços não foi juntado e, tratando-se de recursos públicos do FEFC, juntando-se com a outra irregularidade referente a financiamento irregular, o total das falhas alcança 30% dos recursos, acima de 10%. O montante utilizado é inferior a R$ 1.065,00, mas como envolve recursos públicos e, por conta da falta de transparência, estamos mantendo o parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

 

 

Esta Corte tem apreciado inúmeros recursos envolvendo a contratação da empresa ESSENT JUS CONTABILIDADE E CONSULTORIA LTDA., cujo objeto social é a prestação de serviços de contabilidade e arrecadação para campanhas eleitorais. São processos originários de pequenos municípios, como Paim Filho e Novo Barreiro.

Conforme contrato de adesão juntado no ID 28071133 (Processo n. 0600644-03.2020.6.21.0032, da Relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann), na cláusula 11 está explicitada a forma de remuneração desses serviços de contabilidade: 70% é destinado a um contador, que pode ser uma pessoa física ou jurídica; 25% é destinado à Essent Jus e 5% é destinado para investimento em marketing.

Significa dizer, a Essent Jus, como observado pelo douto Procurador Eleitoral, funciona como uma espécie de “plataforma” de serviços de contabilidade, recebendo 30% (25% + 5%) do valor contratado e 70% são pagos ao contador associado. É uma terceirização dos serviços de contabilidade.

No caso mencionado, da Relatoria do eminente Des. Gerson Fischmann (0600644-03.2020.6.21.0032), julgado em 24.06.2021, foi juntado o contrato de adesão (ID 28071133) firmado com a Essent Jus e o contrato de prestação de serviços entre o candidato, a contadora Elaine Marisa Andriolli e a Essent Jus (ID 28071183), de modo que ficou demonstrada a seguinte operação: R$ 1.000,00 foi pago à Essent Jus, sendo que R$ 700,00 foi repassado à contadora Elaine, que apresentou recibo de quitação de honorários do valor (ID 28071233). Essa movimentação ficou documentada e registrada na prestação de contas, razão pela qual foram aprovadas com ressalvas e, diante da transparência da operação, seria o caso de ser afastada a determinação de recolhimento da importância ao erário caso tivesse sido determinada na sentença. O apontamento das ressalvas decorre do fato de que não há previsão de terceirização de serviços de contabilidade nas normas eleitorais. A ementa do julgado, bem demonstra essa compreensão:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DA TOTALIDADE DOS EXTRATOS BANCÁRIOS. A COMPLEMENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS EM GRAU RECURSAL NÃO ELIDE A FALHA. PROCEDIMENTO QUE DEMANDA EXAME TÉCNICO E REABERTURA DA INSTRUÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS DE CONTABILIDADE. TERCEIRIZAÇÃO. DESCONFORMIDADE COM O ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. APRESENTADOS CONTRATO, NOTA FISCAL E RECIBO DE QUITAÇÃO DE HONORÁRIOS. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA ESCLARECIDA. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas relativa às eleições municipais de 2020 para o cargo de vereador diante da ausência de extratos bancários completos e da divergência de dados quanto ao pagamento de despesas de contabilidade. Não determinado o recolhimento de valores ao erário.

2. A finalidade da prestação de contas é viabilizar o controle da origem de todos os recursos de campanha e seus respectivos destinos, sendo imprescindível a apresentação dos extratos bancários completos com a apresentação das contas ou após a intimação sobre o exame preliminar. Na hipótese, somente com as razões recursais, nesta instância, o prestador juntou documentos relativos aos extratos bancários de toda a movimentação financeira da campanha, conforme disposição expressa do art. 53, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Entretanto, a falha não pode ser suprida com a juntada integral dos extratos somente nesta instância, pois o exame da documentação bancária, com as entradas e saídas financeiras das contas utilizadas na candidatura, é procedimento que demanda exame técnico e reabertura da instrução, circunstância inviável nesta instância, quando já prolatada a sentença.

3. Ocorrência de pagamento de contadora por intermédio de repasse financeiro efetuado pela empresa que figurou como fornecedora de campanha, o que caracteriza o procedimento de terceirização, não previsto na legislação. O pagamento à contadora associada deveria ter sido realizado separadamente, com cheques distintos, nominais e cruzados, em conformidade com o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. No entanto, essa movimentação financeira foi devidamente esclarecida nas contas, pois foram apresentados o contrato, a nota fiscal emitida pela empresa e o recibo de quitação de honorários expedido pela contadora, podendo ser relevada a irregularidade, em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de aprovar as contas com ressalvas.

4. Provimento parcial.

(Processo n. 0600644-03.2020.6.21.0032, Rel. Des. Gerson Fischmann, sessão de 24.06.2021) (grifo nosso)

 

Diversa é a situação que ocorreu nestes autos.

Foi apresentado boleto de pagamento de R$ 650,00 para a Essent Jus, e apenas a nota fiscal da Essent Jus no valor de R$ 195,00. Tinha sido trazida a nota fiscal de Organizações Contábeis Cavaletti Ltda., que seria um contador pessoa jurídica, associado da Essent Jus, no valor de 455,00, fechando o valor da operação.

No entanto, a unidade técnica apontou que, como apenas a Essent Jus recebera o pagamento, a nota fiscal emitida pelo contador associado indicaria irregularidade, pois não vinculada ao pagamento feito. Então, o que foi feito? Foi cancelada a nota fiscal de Organizações Contábeis Cavaletti Ltda no valor de R$ 455,00 e a Essent Jus apenas apresentou a de R$ 195,00.

Assim, embora possa ter acontecido a mesma operação do caso julgado (0600644-03.2020.6.21.0032), nestes autos não foi apresentado o contrato e não restou esclarecido o fornecedor que efetivamente recebeu o valor de R$ 455,00, visto que a nota fiscal foi cancelada (ID 4075683). Se o prestador tivesse apresentado o contrato e a nota não tivesse sido cancelada, seria o caso de ser afastado o recolhimento ao Erário.

Entretanto, o procedimento adotado subtraiu da Justiça Eleitoral o controle do destino dos recursos de campanha, maculando a transparência da contabilidade do prestador.

Veja-se que o valor de R$ 195,00 (nota fiscal da Essent Jus) corresponde exatamente a 30% dos R$ 650,00, pagos por meio de boleto também à Essent Jus.

É provável que o valor de R$ 455,00 (70%) tenha sido recebido pela Organizações Contábeis Cavaletti Ltda., mas se foi cancelada a nota, não há comprovação de qual destinação deste valor.

E, como se trata de verba pública, não há como considerar regular a operação e a consequência é o recolhimento da importância ao Erário.

Aqui um ponto importante a ser registrado.

Em alguns feitos, o juízo de primeiro grau não determinou a devolução do valor ao Tesouro Nacional, de modo que, inexistindo recurso ministerial, não há como reformar a decisão em segundo grau. Contudo, é importante examinar cada processo para verificar se há a demonstração correta das receitas e das despesas e, conforme o caso, afastar ou não a ordem de recolhimento ao Erário.

Na espécie, apesar de provavelmente ter ocorrido o que se evidenciou em outros processos, não é possível, por suposição, considerar regular os gastos de recursos públicos. Aliás, não seria isonômico com os demais prestadores que providenciaram a juntada dos documentos fiscais, contratos comprobatórios e cumpriram os demais termos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Observe-se, ainda, que o valor de R$ 455,00, utilizado pelo candidato e não comprovado conforme determina a norma mencionada, adveio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Exatamente por isso, correta a determinação de recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Observe-se, ao fim, que a irregularidade total (R$ 455,00 + R$ 309,22) importa no valor de R$ 764,22, o que representa 30,08% dos recursos declarados como recebidos (R$ 2.540,01), o que, em princípio, impossibilitaria a aprovação das contas, mesmo com ressalvas.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual da irregularidade ser significativo diante do somatório arrecadado (30,08%), o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29/09/2017) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, considero possível a aprovação das contas com ressalvas, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, da importância de R$ 455,00.

No que refere ao valor da condenação à multa eleitoral por excesso do limite para doação de recurso próprio (R$ 309,22), prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, cujo fundamento legal encontra-se no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, a importância deverá ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), conforme previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Assim, no ponto, deverá ser corrigido na sentença o erro material da determinação de todo o valor (R$ 764,22) ao Erário, pois cada numerário tem destinação específica: a) uso irregular do Fundo Partidário ou FEFC, por ser verba pública, deve retornar aos cofres públicos (R$ 455,00 – Erário); b) condenação à multa eleitoral por excesso da doação de recurso próprio (R$ 309,22), por descumprimento da legislação eleitoral, a destinação deve ser o Fundo Partidário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, somente para aprovar com ressalvas as contas de LUIS CARLOS MACHADO DOS SANTOS, retificando o erro material da sentença para determinar: a) o recolhimento do valor de R$ 455,00 ao Erário; e b) R$ 309,22 ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.