REl - 0600451-91.2020.6.21.0030 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo magistrado a quo devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. A recorrente, neste ponto, admite que os cheques não foram cruzados, em claro descumprimento à norma eleitoral.

A sentença vai ao encontro do que constou no Parecer Conclusivo (ID 28033533):

A respeito dos apontamentos referentes a Despesas com pessoal a candidata manifestou-se disponibilizando a numeração do cheque nominal e os respectivos extratos bancários para efeitos de conferência entre a numeração do cheque, que consta na coluna “Documento” no extrato bancário, demonstrando o débito em conta e a numeração apresentada na tabela, ainda assim este argumento não comprova a despesa pois os extratos bancários, neste caso, apenas comprovam que os cheques foram descontados, entretanto não foram cruzados como dispõe o art. 38 da Resolução 23.607/2019, procedimento este que visa garantir que os pagamentos sejam realizados às pessoas descritas nos contratos, recibos e nos cheques, sendo assim não é possível identificar a contraparte.

 

A recorrente sustenta que os cheques foram devidamente descontados, e que, embora não tenham sido cruzados, não haveria motivo para desaprovação das contas. Entende que comprovou os gastos eleitorais com a apresentação dos cheques e que eles foram efetivamente descontados na conta-corrente conforme os extratos bancários.

Sem razão a recorrente.

De acordo com o extrato bancário eletrônico, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br, não consta no campo CPF/CNPJ a contraparte que teria descontado os cheques.  Via de consequência, não houve a devida comprovação da utilização de recursos públicos, gerando a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o montante de R$ 2.850.00 como disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, consoante ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021)

(Grifo nosso)

 

Em relação às despesas de combustível, na ordem de R$ 2.400,00, tenho que, da mesma forma, não merece reparo a sentença recorrida. Há regramento específico que exige, do prestador das contas, a apresentação de relatório semanal que justifique o gasto eleitoral (art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19). A falta de apresentação de documentação idônea que justifique o substancial gasto de R$ 2.400,00 em combustível, inviabiliza a aprovação das contas.

É no mesmo sentido o parecer do Ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 3323283):

 

No tocante a despesas com combustível com recursos também do FEFC, a Unidade Técnica apontou que as NF 008241 (R$ 1.400,00) e 008271 (R$ 1.000,00) apresentadas pela candidata, quando somadas totalizam o montante de R$ 2.400,00, não justificando o dispêndio, primeiramente porque não atendem ao disposto no § 11 do art. 35 da Resolução nº 23.607/19 e ainda por se tratarem de notas fiscais com valores elevados, além de uma delas apresentar a data de 12/11/2020, ou seja, três dias antes do pleito.

Frise-se que o(a) prestador(a) teve a oportunidade de apresentar relatório semanal para esclarecer ou justificar os gastos em tela, no entanto, consoante bem destacado na sentença apenas limita-se a declarar os litros de combustível adquirido fazendo uma média semanal do gasto com abastecimento dos veículos sem especificar a quantidade utilizada semanalmente conforme determina o art. 35, § 11, II, b.

Diga-se, ainda, que a tabela contendo o período semanal, volume, preço/l, total e a nota fiscal de referência apresentada no próprio recurso (ID 28034083) não foi submetida ao exame da Unidade Técnica, e, obviamente, à consideração do Juízo, sendo que tal tabela não permite, à primeira vista, esclarecer ou justificar os gastos apontados.

O certo é que notas fiscais em valores elevados para aquisição de combustíveis somente se justificaria para o abastecimento de diversos veículos, a fim de participarem de carreata, conforme previsto no art. 35, § 11, I, da Resolução TSE n. 23.607/2019, porém a justificativa trazida pela recorrente foi no sentido de que o combustível foi destinado a dois veículos cedidos à campanha e utilizados durante diversas semanas. Em situações como a alegada pela recorrente, deveria ter sido emitida uma nota fiscal para cada abastecimento, de forma a assegurar transparência nos gastos. Como foram emitidas apenas duas notas em valores elevados, incompatíveis com um abastecimento específico, remanesce a irregularidade.


 

Conforme consta, as irregularidades representam 40,34% do total das receitas declaradas (R$ 13.015,00) e atingiram valor absoluto significativo (R$ 5.250,00) envolvendo utilização indevida de recursos públicos (FEFC), devendo ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

Ante o exposto, VOTO no sentido de negar provimento ao recurso.