REl - 0600551-09.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2021 às 14:00

 

VOTO

A prestação de contas foi desaprovada, sem determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, devido à omissão de receita estimável relativa à cessão de veículo, sem identificação do valor do bem, recebimento e devolução de recursos do FEFC no valor de R$ 205,40, sem trânsito pela conta bancária específica, e pagamento de despesas de combustível no montante de R$ 220,00, sem utilização de cheque cruzado, conforme consta do seguinte trecho da sentença recorrida (ID 34706083):

(...)

O Parecer Conclusivo apontou omissão de receitas e gastos eleitorais, na medida em que realizados gastos com combustíveis sem registro de locação, cessão de veículo ou mesmo contratação de publicidade com carro de som. Com as informações do prestador, percebeu-se a omissão do registro da utilização de recursos próprios estimáveis em dinheiro na prestação de contas apresentada.

Conforme Resolução do TSE n. 23.607/2019, art. 35, §6º, alínea a: Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26): § 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato: a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;.. § 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de: I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento; II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que: a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e (...)

O candidato informou ter utilizado veículo próprio na campanha. Juntou documento de comprovação da propriedade. Com efeito, não há óbice na utilização de veículo próprio na campanha eleitoral, desde que o valor do bem seja estimado e registrado na prestação de contas sob a rubrica RECURSOS PRÓPRIOS – ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. Conforme o art. 60, §4º, III, da Res. do TSE n. 23.607/2019 , embora a utilização de veículo de propriedade do candidato seja dispensada de comprovação na prestação de contas, subsiste a obrigatoriedade de os valores serem registrados no extrato de movimentação: Art. 60. (…). § 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas: (...) III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha. § 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

Então, a irregularidade se mantém, haja vista que não foi observada a legislação aplicável à espécie.

Além disso, o relatório apontou o recebimento de R$ 205,40 oriundos do candidato a Prefeito Edson Joel Lawal, havendo indício de utilização irregular de valores oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, sem o trânsito devido dos recursos em conta bancária especialmente aberta para tal finalidade. Ainda que informada a devolução dos valores, trata-se de valor destinado do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para conta bancária não aberta para tal finalidade, o que evidencia irregularidade. A falta foi afastada, diante da existência de indícios da pretensa devolução do valor.

Outrossim, houve apontamento de gastos mediante operações com saques eletrônicos, modalidade que não permite a identificação do destinatário credor. Ainda que apresentados os cheques utilizados para o pagamento, verifica-se que não foram emitidos de forma nominal e cruzada, conforme determina o art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Portanto, verifica-se que as falhas apontadas no Parecer Conclusivo maculam a prestação de contas, de modo que a desaprovação é medida que se impõe.

Pelo exposto, JULGO DESAPROVADAS, nos termos dos artigos 73 e 74, inciso III, da Resolução TSE 23.607/2019, as contas prestadas por EMIR EMILIO LANGE quanto à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na eleição do ano de 2020.

(...)

 

Relativamente à omissão de receita estimável, verifica-se que, embora o candidato alegue ter utilizado o veículo de sua esposa para uso pessoal na campanha, e custeado o pagamento de combustível com verbas de campanha, não houve registro da cessão na prestação de contas, caracterizando uso de recursos de origem não identificada.

Sequer foi apresentada prova de que a esposa do recorrente é proprietária e cedente do bem em questão, e o recorrente não declarou o valor estimável da cessão do veículo, tendo apenas referido que não houve pagamento porque o contrato foi firmado sem ônus.

Ora, ainda que tenha sido realizada a cessão do bem a título gratuito, o procedimento caracteriza o ingresso de uma receita na campanha, ainda que por estimativa de mercado, sendo imprescindível a estipulação de valor estimado, conforme exige o caput do art. 58 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 58. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro, observado o disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, ou as cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

I - documento fiscal ou, quando dispensado, comprovante emitido em nome do doador ou instrumento de doação, quando se tratar de doação de bens de propriedade do doador pessoa física em favor de candidato ou partido político;

II - instrumento de cessão e comprovante de propriedade do bem cedido pelo doador, quando se tratar de bens cedidos temporariamente ao candidato ou ao partido político;

III - instrumento de prestação de serviços, quando se tratar de produto de serviço próprio ou atividades econômicas prestadas por pessoa física em favor de candidato ou partido político.

§ 1º A avaliação do bem ou do serviço doado de que trata o caput deve ser feita mediante a comprovação dos preços habitualmente praticados pelo doador e a sua adequação aos praticados no mercado, com indicação da fonte de avaliação.

§ 2º Além dos documentos previstos no caput e seus incisos, poderão ser admitidos outros meios de prova lícitos para a demonstração das doações, cujo valor probante será aferido na oportunidade do julgamento da prestação de contas.

 

Desse modo, correto o apontamento de irregularidade.

Além disso, foi identificado recebimento e devolução de recursos do FEFC no valor de R$ 205,40, sem trânsito pela conta bancária específica, os quais teriam sido doados, por equívoco, do candidato a prefeito Edson Joel Lawal, e posteriormente devolvidos, conforme comprovante do ID 34705783, razão pela qual não foi determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

O parecer conclusivo delineou, de forma específica, os contornos da irregularidade em questão (ID 34705933):

(…)

A quantia recebida de R$ 205,40, proveniente da conta FEFC aberta pelo candidato a Prefeito Edson Joel Lawall, deveria ter sido devolvida diretamente por transferência bancária da conta do candidato (recebedor do importe) para a conta FEFC do candidato (doador da quantia); procedimento que daria mais transparência à devolução empreendida pelo candidato, cuja prestação de contas ora se analisa.

Assim, tendo em vista que a devolução da quantia se deu pela realização de saque eletrônico dos valores (R$ 122,00 + R$ 83,40) e posterior depósito na conta de campanha FEFC do candidato doador, a irregularidade nas contas se configura e não se afasta pelos esclarecimentos trazidos.

Analisando os extratos eletrônicos, pertinentes à conta do candidato a Prefeito Edson Joel Lawall, é possível verificar movimentação (depósitos dos valores de: R$ 122,00 em 30/10/2020 e R$ 83,40 em 30/10/2020) com identificação do CPF do candidato Emir Emilio Lange (520.011.300-82).

Embora haja indícios que indiquem que o valor recebido (R$ 205,40) foi efetivamente objeto de equívoco, e, posteriormente, devolvido à conta do candidato, entendo pela manutenção da falha nas contas, pelos seguintes motivos, que ora resumo:

1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente as normas eleitorais de arrecadação e gastos);

4. o recurso foi pretensamente devolvido à conta FEFC do candidato doador por meio de depósito com identificação do CPF do candidato.

Assim, por todos os motivos acima alinhavados, a irregularidade se mantém, o que representa 48,28% da movimentação financeira do candidato como irregular.

Quanto à devolução da quantia, entendo pelo seu afastamento, pois, smj, indícios há para concluir que houve tentativa de devolução do importe ao candidato doador.

(...)

 

Por fim, também está correta a sentença ao apontar ser irregular o pagamento de despesas de combustível no montante de R$ 220,00, sem utilização de cheque cruzado, relativa a dois saques eletrônicos nos valores de R$ 120,00 e de R$ 100,00.

O gasto é vedado pelos §§ 6º e 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, que expressamente proíbem a utilização das receitas de campanha para pagamento pessoal de combustível para candidatos, e o art. 38 do normativo exige que os cheques sejam emitidos de forma cruzada e nominal:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(…)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

b) remuneração, alimentação e hospedagem do condutor do veículo a que se refere à alínea "a" deste parágrafo;

c) alimentação e hospedagem própria;

d) uso de linhas telefônicas registradas em seu nome como pessoa física, até o limite de três linhas.

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

(…)

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

O parecer conclusivo aponta que o pagamento das despesas foi realizado com cheques que não estão cruzados, cuja cópia foi juntada aos autos no ID 34705733, observando-se inclusive que os cheques estão endossados, conforme assinatura do verso.

A operação não permite a identificação da contraparte nos extratos bancários e eletrônicos, para comprovar que o pagamento teve como destinatário o fornecedor da nota fiscal emitida ou do prestador de serviço declarado na prestação de contas, além de não possibilitar o rastreamento da conta de destino.

Assim, a despesa com combustível somente seria lícita se tivesse sido fundamentada em locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou uso de geradores de energia, e o pagamento somente seria regular mediante emissão de cheque nominal e cruzado.

Desse modo, as razões recursais são insuficientes para o afastamento das falhas verificadas nas contas.

Observa-se que a sentença desaprovou as contas, mas não determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, e que as irregularidades dos valores de R$ 205,40 e R$ 220,00 totalizam R$ 425,40, quantia que se mostra diminuta, embora represente 100% das receitas declaradas (R$ 425,40), comportando aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade a fim de que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Com efeito, o valor absoluto das falhas é inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

 

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, nos termos da fundamentação.