REl - 0600534-83.2020.6.21.0038 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o Juízo da 38ª Zona Eleitoral desaprovou as contas de campanha de WILSON JESUS DE VARGAS em razão do reconhecimento de duas irregularidades, a saber: (a) a omissão de gasto eleitoral nas contas, em relação ao qual foi imposto o recolhimento da quantia correspondente ao Tesouro Nacional, diante da caracterização de recursos de origem não identificada para sua quitação, e (b) a ausência de juntada dos extratos bancários comprobatórios da movimentação financeira.

Passo à análise de cada apontamento.

 

1 Da omissão de gastos de campanha.

 

Em relação à primeira irregularidade, o órgão de análise técnica, mediante o confronto de informações com a Administração Fiscal do Município de Encruzilhada do Sul/RS, detectou a emissão de nota fiscal, não declarada à Justiça Eleitoral, contra o CNPJ do candidato, emitida por FABIO COUTO ABEL (CNPJ n. 07.506.404/0001-09), em 13.11.2020, no montante de R$ 540,00, conforme discriminação constante ao ID 27634083.

Intimado em primeiro grau para oferecer esclarecimentos, o prestador manteve-se silente (ID 27633883) e, mesmo em grau recursal, não nega nem justifica a subtração da despesa de seus registros contábeis.

Destarte, a glosa deve ser mantida integralmente, haja vista que o gasto não contabilizado pelo candidato não foi aclarado, de sorte que restou caracterizada afronta ao art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

(…)

 

Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa, na linha dos seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

I.  HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e seu Comitê Financeiro Nacional para Presidente da República, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral, em especial análise documental, exame de registros e cruzamento, além de confirmação de dados, por meio de procedimento de circularização.

II. INCONSISTÊNCIAS ANALISADAS

(...)

IRREGULARIDADE - OMISSÃO DE DESPESAS (R$ 84.900,77).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...)

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40.) (Grifei.)

 

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB). DIRETÓRIO NACIONAL E COMITÊ FINANCEIRO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

I. HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e seu Comitê Financeiro Nacional, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral.

(...)

III. IRREGULARIDADES

(…)

10. Omissão de despesas: confronto com informações externas (R$ 369.860,32). Gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, violam o disposto no art. 40, I, f e g, da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constituem omissão de despesas.

(...)

(Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73.) (Grifei.)

 

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, tal como determinado na decisão recorrida.

 

2. Da ausência de apresentação dos extratos bancários das contas de campanha.

 

Por sua vez, a segunda falha verificada nos autos relaciona-se a não apresentação dos extratos bancários comprobatórios da movimentação financeira de todo o período de campanha, tendo a magistrada sentenciante decidido que “a ausência dos extratos é falha grave que prejudica o exame das contas, tornando impossível aferir a regularidade das doações recebidas e dos gastos efetuados, bem como o respeito aos limites estabelecidos e às modalidades estipuladas para pagamentos ou contratações”.

Acertada a conclusão sentencial, posto que a finalidade da prestação de contas é viabilizar o controle da origem de todos os recursos de campanha e seus respectivos destinos, sendo imprescindível a apresentação dos extratos bancários completos para o cumprimento dessa finalidade.

Para tanto, o art. 53, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19 impõe categoricamente a apresentação dos extratos bancários integrais e autênticos da conta aberta em nome do candidato:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

a) extratos das contas bancárias abertas em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º desta Resolução, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira;

 

In casu, embora intimado para o suprimento da falha durante o curso do processo na origem, o prestador limitou-se a alegar dificuldades junto ao banco para que sejam fornecidos os documentos e a colacionar comprovantes de encerramento da c/c n. 1483-8, relacionada aos recursos do FEFC (IDs 27633633 e 27633683).

Não ignoro o entendimento jurisprudencial de que a não apresentação de extratos bancários pelo prestador constitui falha que, por si só, não tem potencial para gerar a desaprovação das contas, nos casos em que for possível a análise da movimentação financeira por meio dos extratos eletrônicos enviados pela instituição bancária, disponíveis no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.

Entretanto, no caso concreto, a omissão do prestador não alcançou ser suprida pelos extratos eletrônicos, pois, conforme atestou o órgão de análise técnica: “Em consulta ao sistema de divulgação de candidaturas e contas do TSE, na página que corresponde ao candidato, tampouco foi possível visualizar extratos correspondentes às contas que teriam sido abertas para as eleições” (ID 27633733).

De fato, o prestador utilizou em campanha duas contas bancárias, ambas abertas na agência n. 498 da Caixa Econômica Federal, em 1º de outubro de 2020, sendo a c/c 1484-6, para “Outros Recursos”, e a c/c 1438-8, destinada ao FEFC, com revela o demonstrativo de ID 27630083 e os protocolos de encerramento de ID 27633683.

Porém, nas informações disponíveis no referido sistema (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88170/210001138531/extratos), somente estão consignados os extratos eletrônicos relativos à c/c 1484-6, registrando transações a partir de 11.11.2020, sem registro mínimo acerca da c/c 1438-8.

Destarte, deve ser mantida a sentença no ponto em que entendeu pela gravidade da irregularidade, a embasar a desaprovação das contas, pois a ausência dos extratos completos das contas utilizadas na campanha impede a fiscalização pela Justiça Eleitoral e a realização do escopo da prestação de contas, especialmente no caso em tela, no qual não é possível verificar a integralidade de eventuais movimentações financeiras em todas as contas informadas.

Nesse sentido, o seguinte julgado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PARTIDO POLÍTICO. CONTAS DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. RES.-TSE 23.463/2015. COMPROMETIMENTO DA ANÁLISE CONTÁBIL. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO. SÚMULA 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1. A prestação de contas das Eleições 2016 encontra-se regulamentada pela Res.-TSE 23.463/2015, que dispõe, no art. 48, II, a, sobre a obrigatoriedade de se apresentarem, no ajuste contábil, extratos de conta bancária específica para se aferir a integral movimentação financeira de campanha. 2. A falta dos referidos extratos compromete a regularidade de contas, constituindo falha de natureza grave, a ensejar sua desaprovação, sendo irrelevante esclarecimento sobre a ausência de movimento financeiro no período em análise. Precedentes. 3. Em sede de prestação de contas, não se aplicam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando o vício afigura-se grave. Precedentes. 4. O acórdão da Corte Regional não merece reparo, visto que alinhado com a jurisprudência deste Tribunal Superior. Aplicável, pois, a Súmula 30/TSE. 5. Agravo regimental desprovido. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 59627, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 14/09/2018, Página 67-68.) (Grifei.)

 

Assim, a despeito do baixo valor nominal atinente à primeira mácula analisada (R$ 540,00), deve ser integralmente mantida a sentença que desaprovou as contas com fundamento no prejuízo à transparência e fiscalização da movimentação financeira, bem como determinou o recolhimento do valor de R$ 540,00 ao Tesouro Nacional em virtude da utilização de recursos de origem não identificada.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, confirmando integralmente a sentença que desaprovou as contas de campanha de WILSON JESUS DE VARGAS, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento do valor de R$ 540,00 ao Tesouro Nacional.