REl - 0600280-46.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada na origem, em face da identificação de irregularidade concernente à forma de pagamento de despesas eleitorais, no valor global de R$ 1.072,00, efetuadas por meio de cheques nominais não cruzados, em infringência ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução n. 23.607/19, deixando, porém, a magistrada a quo de determinar o recolhimento da quantia apontada como irregular “em razão de não se tratar de recursos oriundos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e, também, por ausência de disposição específica na Resolução TSE 23.607/2019 quanto ao recolhimento desses valores”.

A sentença arrimou-se no parecer conclusivo apresentado pela unidade técnica, que apontou os seguintes gastos os quais estariam em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 28506583):

 

A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS - REl 0600274-39.2020.6.21.0027; Relator: Des. Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle; julgado em 07.07.2021)

 

A transgressão do preceito normativo não foi refutada pela prestadora que, inclusive, admitiu o erro ao deixar de cruzar os cheques utilizados como meio de pagamento dos gastos eleitorais, caracterizando, de modo incontroverso, a irregularidade na forma de pagamento de suas despesas.

A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

Entrementes, em pesquisa ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral, relativamente ao candidato em questão (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87254/210001022669/extratos), observo, à vista do extrato bancário eletrônico, que o pagamento de R$ 250,00 a Claiton Regis Portella Mello e Cia Ltda., por meio do cheque n. 850002, foi efetivamente depositado pelo fornecedor declarado em sua conta-corrente, consoante imagem a seguir:

 

 

Como se percebe, ainda que não cruzada a cártula, a quantia foi efetivamente descontada à conta bancária do fornecedor informado, fato que cumpre os efeitos pretendidos pela norma, demonstrando, de forma confiável, o destino da verba de campanha. Com isso, remanesce, quanto ao ponto, a mera falha formal na observância da norma, a qual não compromete a lisura do gasto eleitoral em questão.

Em relação ao cheque n. 850004, no valor de R$ 822,00, que foi emitido de forma nominal e sem cruzamento à empresa Essent Jus Contabilidade e Consultoria Ltda. (ID 28504933, fl. 19), observo que esta Corte tem apreciado inúmeros recursos envolvendo a contratação da aludida empresa, cujo objeto social é a prestação de serviços de contabilidade e arrecadação para campanhas eleitorais, funcionando como uma espécie de “plataforma digital” de terceirização de serviços de contabilidade.

Na hipótese, na forma estipulada no contrato de adesão juntado no ID 28504933 (fl. 6), firmado entre o candidato, a Essent Jus e o contador Dilson D’Ávila Alberto, a empresa recebe 30% (25% + 5%) do valor contratado e repassa 70% ao contador associado.

Da análise dos extratos bancários, porém, observa-se que o cheque de R$ 822,00 foi debitado da conta de campanha em 27.10.2020, e não aparecem como credores a empresa Essent Jus Contabilidade e Consultoria Ltda. e/ou o contador Dilson D'Avila Alberto, sendo impossível verificar qual o beneficiário do recurso.

O candidato juntou, ainda, o comprovante de pagamento de boleto bancário para a referida empresa, no mesmo valor de R$ 822,00 (ID 28504933, fls. 17-18), bem como a nota fiscal emitida por Dilson D’Ávila Alberto, na quantia de R$ 525,00 (ID 28505033, fl. 2).

Contudo, afere-se que a quitação do aludido boleto bancário ocorreu de modo diverso do débito direto da conta bancária de campanha, infringindo o art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e que, diferentemente de outros casos julgados por esta Corte (por exemplo, o REl n. 0600644-03.2020.6.21.0032, Rel. Des. Gerson Fischmann, sessão de 24.06.2021), não há recibo de quitação de honorários expedido pelo contador Dilson D’Ávila Alberto.

Assim, quanto ao ponto, não pode ser relevada a irregularidade pelo descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, pois os pagamentos deveriam ter sido realizados de forma separada, com cheques distintos, nominais e cruzados, e ambos os favorecidos deveriam estar registrados na movimentação bancária.

Destarte, as irregularidades não saneadas se consolidam em R$ 822,00, cifra que, conquanto represente 58,51% das receitas de campanha (R$ 1.405,00), se mostra em termos absolutos reduzida e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann julgado em 20.5.2021).

Ressalto, por fim, que os valores manejados são de natureza privada, advindos exclusivamente de recursos próprios do candidato, razão pela qual a sentença não impôs o recolhimento das quantias ao Tesouro Nacional.

Logo, não havendo prejuízo à fiscalização e ao controle das contas, nem indicativos de uso indevido de recursos públicos, bem como ostentando as irregularidades somatório diminuto, cumpre dar integral provimento do apelo, nos exatos termos do pedido recursal, que se delimitou a pugnar, justamente, por aprovar com ressalvas as contas apresentadas.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de RENALDO PEREIRA DE OLIVEIRA, relativas à disputa ao cargo de vereador no Município de Júlio de Castilhos nas eleições de 2020.