REl - 0600307-29.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada na origem, em face da identificação de irregularidade concernente à forma de pagamento de despesas eleitorais, no valor global de R$ 5.404,40, efetuadas por meio de cheques nominais não cruzados, em infringência ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução n. 23.607/19, deixando, porém, a magistrada a quo de determinar o recolhimento da quantia apontada como irregular “em razão de não se tratar de recursos oriundos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e, também, por ausência de disposição específica na Resolução TSE 23.607/2019 quanto ao recolhimento desses valores”.

A sentença arrimou-se no parecer conclusivo apresentado pela unidade técnica, que apontou os seguintes gastos que estariam em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 28306033):

Compulsando os autos, verifico que os gastos com publicidade contratados com João Paulo Vendruscolo Zini (28304333), Claiton Regis Portella Mello e Cia Ltda. (ID 28304483) e Carla da Fonseca (ID 28304533), assim como os dispêndios com prestação de serviços de contabilidade, pactuados com Dilson D Avila Alberto (ID 28304383) e com Essent Jus Contabilidade e Consultoria Ltda. (ID 28304583), encontram-se comprovados por meio de notas fiscais, enquanto as despesas com atividades de militância ajustadas com Sadi Mateus Telles Pereira (ID 28304433) e Adelio Soares Mello  (ID 28304283) estão evidenciadas por contratos de prestação de serviços, bem como por recibos.

Noutro giro, em pesquisa ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral, relativamente à candidata em questão (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87254/210000910535/extratos), observo, à vista do extrato bancário eletrônico, cuja imagem reproduzo abaixo, que o cheque n. 850002, emitido a Claiton Regis Portella Mello e Cia Ltda., no montante de R$ 326,00, foi depositado por tal empresa em sua conta-corrente, da mesma maneira que o cheque n. 850005, no valor de R$ 800,00, em nome de Carla da Fonseca, foi por esta depositado:

 

Como se percebe, em que pese o pagamento desses dois gastos de campanha tenham sido realizados sem estrita observância do disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, não há como entender que os dispêndios glosados tenham deixado de ser demonstrados, visto que foi coligida aos autos documentação hábil a provar a realização das despesas eleitorais, por meio de notas fiscais, tendo sido os custos pagos por cheques emitidos em nome dos correspondentes fornecedores, sendo por estes efetivamente descontados em suas contas bancárias.

Portanto, ainda que não cruzadas as cártulas, os pagamentos foram efetivamente descontados às contas bancárias dos fornecedores informados, fato que cumpre os efeitos pretendidos pela norma para o fim de revelar, de forma confiável, o destino final da verba de campanha.

Em relação ao cheque n. 850004, no valor de R$ 822,00, que foi emitido de forma nominal e sem cruzamento à empresa Essent Jus Contabilidade e Consultoria Ltda. (ID 28304383, fl. 15), observo que esta Corte tem apreciado inúmeros recursos envolvendo a contratação da aludida empresa, cujo objeto social é a prestação de serviços de contabilidade e arrecadação para campanhas eleitorais, funcionando como uma espécie de “plataforma digital” de terceirização de serviços de contabilidade.

Na hipótese, na forma estipulada no contrato de adesão juntado no ID 28304583, firmado entre a candidata, a Essent Jus e o contador Dilson D’Ávila Alberto, a empresa recebe 30% (25% + 5%) do valor contratado e repassa 70% ao contador associado.

Da análise dos extratos bancários, porém, observa-se que o cheque de R$ 822,00 foi debitado da conta de campanha em 27.10.2020, e não aparecem como credores a empresa Essent Jus Contabilidade e Consultoria Ltda. e/ou o contador Dilson D'Avila Alberto, sendo impossível verificar qual o beneficiário do recurso.

O candidato juntou, ainda, o comprovante de pagamento de boleto bancário para a referida empresa, no mesmo valor de R$ 822,00 (ID 28304583, fls. 17-18), bem como a nota fiscal emitida por Dilson D’Ávila Alberto, na quantia de R$ 525,00 (ID 28304383, fl. 2).

Contudo, afere-se que a quitação do aludido boleto bancário ocorreu de modo diverso do débito direto da conta bancária de campanha (art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19) e que, diferentemente de outros casos julgados por esta Corte (por exemplo, o REl n. 0600644-03.2020.6.21.0032, Rel. Des. Gerson Fischmann, sessão de 24.06.2021), não há recibo de quitação de honorários expedido pelo contador Dilson D’Ávila Alberto.

Assim, quanto ao ponto, não pode ser relevada a irregularidade pelo descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, pois os pagamentos deveriam ter sido realizados de forma separada, com cheques distintos, nominais e cruzados, e ambos os favorecidos deveriam estar registrados na movimentação bancária.

Por sua vez, o cheque n. 850003, no importe de R$ 1.090,00, emitido nominalmente a Sadi Mateus Telles Pereira, findou por ser depositado por pessoa jurídica diversa, qual seja, o SUPERMERCADO ZANON LTDA., CNPJ 87.310.793/0001-23, em sua própria conta bancária, e, quanto aos demais títulos, não consta qualquer informação segura, inserida nas próprias operações bancárias, a respeito de seus verdadeiros favorecidos.

Em relação a estes últimos dispêndios, está configurada a irregularidade na forma de pagamento dos gastos eleitorais, disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS - REl - 0600274-39.2020.6.21.0027; Relator: Des. Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle; julgado em 07.07.2021)

A transgressão do preceito normativo não foi refutada pela prestadora que, inclusive, admitiu o erro ao deixar de cruzar os cheques utilizados como meio de pagamento dos gastos eleitorais, caracterizando, de modo incontroverso, a irregularidade na forma de pagamentos de suas despesas.

A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

Entrementes, ainda que subtraídos os gastos considerados saneados por meio dos extratos bancários eletrônicos, as irregularidades constatadas alcançam o montante de R$ 4.278,40, equivalente a 65% dos recursos arrecadados (R$ 6.483,00), o que impede a aplicação dos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para confirmar a sentença que desaprovou as contas de campanha de VERA DENISE CAVALCANTI ABREU, relativas às eleições de 2020.