REl - 0600389-79.2020.6.21.0150 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/08/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos à exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de maneira a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS - RE: 50460 PASSO FUNDO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25/01/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data: 29/01/2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Logo, conheço da documentação juntada com o recurso.

 

Mérito

No mérito, a prestação de contas da recorrente foi desaprovada devido à (a) ausência de comprovação de gastos com recursos do FEFC, no valor de R$ 526,37 (R$ 243,00 + R$ 283,37), junto ao fornecedor POSTO DE SERVIÇOS CIDADE DO MAR LTDA., pois apresentados documentos comprobatórios ilegíveis; e (b) falta de comprovação de vinculação da atividade de propaganda eleitoral com gasto com alimentação, no valor de R$ 406,13, junto ao fornecedor SUPER NOVO COM. DE ALIMENTOS EIRELI.

Pois bem. A pretensão recursal merece ser parcialmente acolhida.

Em relação à primeira irregularidade – utilização de recursos provenientes do FEFC para o pagamento das despesas de combustível, de R$ 243,00 e R$ 283,37, contratadas com o fornecedor POSTO DE SERVIÇOS CIDADE DO MAR LTDA – a unidade técnica constatou a ilegibilidade das notas fiscais apresentadas.

Em sede recursal, a prestadora juntou documentação (ID 42960583 e 42960633). Contudo, ambos os documentos são idênticos, tratando-se de uma nota fiscal referente a uma mesma despesa, de R$ 243,00, razão pela qual tenho como saneada apenas parcialmente a irregularidade.

Outrossim, no que diz à despesa no valor de R$ 283,37, em análise do Divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89150/210001028985/integra/despesas), foi possível inferir que se refere a gasto com “MANUTENÇÃO DO VEÍCULO CFE NOTA FISCAL”, divergindo dos demais lançamentos do mesmo fornecedor, que figuram como “ABASTECIMENTO VEICULO PLACA IRP7E58”.

Consequentemente, tendo em vista que, nos termos do art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, a manutenção de veículo automotor utilizado na campanha não é considerada gasto eleitoral, permanece irregular o emprego de verbas de campanha em tal despesa.

Desse modo, entende-se que os documentos trazidos com o recurso demonstram tão somente a despesa de R$ 243,00, subsistindo a irregularidade na comprovação do gasto de R$ 283,37.

Relativamente à segunda irregularidade – utilização de recursos provenientes do FEFC para o pagamento de despesas de alimentação, de R$ 406,13, contratadas com o fornecedor SUPER NOVO COM. DE ALIMENTOS EIRELI –, verifica-se que a recorrente não apresentou nenhum esclarecimento que pudesse suprir tal falha.

Saliento que as despesas com alimentação da própria candidata (supermercado) não são consideradas gasto eleitoral, razão pela qual ela não poderia ter utilizado recursos da campanha para sua efetivação, tal como dispõe o art. 35, § 6º, al. "c", da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por consequência, subsiste a irregularidade na comprovação da despesa de R$ 406,13.

Assim, tendo em vista que a ausência de comprovação de despesas do FEFC enseja o recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser mantida a determinação contida na sentença, excluindo-se do total a importância de R$ 243,00, pois considerada saneada a irregularidade a ela relativa.

Portanto, a quantia total a ser recolhida ao Tesouro Nacional deve ser readequada para o patamar de R$ 689,50.

Por outro lado, embora o valor das irregularidades (R$ 689,50) represente 30,32% do total das receitas arrecadadas para o financiamento da campanha (R$ 2.273,22), em termos absolutos ele se mostra irrisório, sendo, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, conforme colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29/09/2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso para aprovar com ressalvas as contas da recorrente relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, readequando-se a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional para a quantia de R$ 689,50.

É como voto, senhor Presidente.