REl - 0600367-51.2020.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/08/2021 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador, de EVANDRO LUCEIRO DE AGUIAR. Foram constatadas as seguintes irregularidades que conduziram à desaprovação da contabilidade do recorrente: a) recebimento de doação realizada por partido político no valor de R$ 95,00, não registrada na Justiça Eleitoral; b) extrapolação do limite de gastos no valor de R$ 592,45, devido à utilização de recursos próprios no montante de R$ 2.698,15, enquanto o teto era de R$ 2.105,70 (10% dos gastos de campanha no Município de Vitória do Palmar, que era de R$ 21.056,97) .

Inicialmente, consigno que não houve determinação de recolhimento ao erário ou condenação do recorrente à multa por extrapolação do limite de uso de recurso próprio na sentença, de modo que, diante da inexistência de irresignação ministerial e da vedação da reforma em prejuízo, o mérito recursal restringe-se à manutenção do juízo de desaprovação das contas ou a possibilidade de sua aprovação com ou sem ressalvas.

Em relação à primeira irregularidade, o parecer técnico conclusivo (ID 41669783), constatou o recebimento de doação de R$ 95,00, realizada por partido político, sem que fosse registrada na Justiça Eleitoral.

O recorrente limitou-se a alegar erro de digitação quanto ao CNPJ, constando o da gráfica contratada e não o do doador, que seria o PSDB, CNPJ n. 97.260.160/0001-01 (ID 41669683). Em petição, após a emissão do parecer conclusivo, o recorrente apresentou a Nota Fiscal n. 5291, contudo, além de não haver identidade do valor (R$ 1.520,00), foi emitida em nome do PSDB pela Gráfica Solidus.

Para que pudesse ser aceita a justificativa, deveria ter havido retificação quanto ao CNPJ do doador no documento sob ID 41667833. Dessa forma, remanesce a irregularidade.

Em relação à segunda falha, o recorrente sequer impugnou especificamente a extrapolação do limite legal em seu apelo. Apenas transcreveu a sentença e pediu a reforma.

Com efeito, consta no parecer conclusivo (ID 41669783) que o recorrente extrapolou o limite de doação de recursos próprios, no valor de R$ 592,45, pois foram empregados na campanha R$ 2.698,15 e o limite era de R$ 2.105,70 (10% dos gastos de campanha no Município de Vitória do Palmar, que era de R$ 21.056,97).

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Dessarte, permanecem as irregularidades descritas na sentença, nos exatos termo do parecer da douta Procuradoria Eleitoral (ID 41893833):

Em relação à primeira irregularidade, no mérito, o candidato recebeu doação, no valor de R$ 95,00, realizada por candidatos ou partidos políticos que não estão registrados na Justiça Eleitoral, caracterizando recursos de origem não identificada, de acordo com o art. 32, §1º, I e III, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Intimado a manifestar-se quanto à doação em dinheiro no valor de R$ 95,00, o candidato aduz erro de digitação, mas deixou de apresentar documentos comprobatórios aos autos. A ausência de comprovação configura aporte de recursos de origem não identificada, conforme art. 32, §1º da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Quanto à segunda irregularidade, no mérito, tem-se que o prestador realizou doações para a própria candidatura que superam em R$ 592,45 o limite de 10% dos gastos na campanha para o cargo que concorreu, descumprindo o art. 23, § 2-A, da Lei 9.504/97.

O fato não é negado pelo recorrente, não sendo a aludida irregularidade devidamente impugnada no recurso. Neste ponto, importante salientar que as doações de bem estimável em dinheiro, igualmente, são incluídas para aferir a eventual extrapolação ao limite de gastos.

Aqui impõe-se a aplicação do princípio da igualdade na disputa eleitoral. Outros candidatos certamente cumpriram o dispositivo legal e limitaram seus gastos de campanha com recursos próprios, o(a) recorrente não o fez, desequilibrando a disputa de forma ilícita, daí a necessidade de aplicação da sanção prevista no art. 27, § 4º, da Resolução 23.607/2019 (art. 23, § 3º, da Lei das Eleições), que, contudo, não foi fixada pelo juízo a quo, não tendo havido recurso por parte da Promotoria Eleitoral neste ponto.


 

Observe-se, ao fim, que a irregularidade total (R$ 95,00 + R$ 592,45) importa em R$ 687,45, representando 24,61% dos recursos recebidos (R$ 2.793,15), o que, em princípio, impossibilitaria a aprovação das contas, mesmo com ressalvas.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual da irregularidade ser significativo diante do  somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso.)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29/09/2017.) (Grifo nosso)

 

Dessarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, considero possível a aprovação das contas com ressalvas, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Não houve determinação de recolhimento ao Erário ou condenação à multa na sentença (ID 41670083).

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas de EVANDRO LUCEIRO DE AGUIAR.