REl - 0600431-39.2020.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Primeiramente, anoto que os documentos que acompanham o recurso já constavam dos autos, tendo sido juntados durante a instrução processual.

Dessa forma, não há que se analisar a possibilidade de seu conhecimento nesta fase, pois já integravam o feito.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que rejeitou a contabilidade de campanha de RENATO CARLOS PINTO, candidato ao cargo de vereador no Município de Saldanha Marinho, nas eleições de 2020.

O magistrado a quo entendeu que as inconsistências apontadas no parecer técnico e na manifestação do Ministério Público Eleitoral comprometeram a regularidade das contas, razão pela qual as julgou desaprovadas.

Passa-se, a seguir, à análise individualizada dos apontamentos.

I – Descumprimento do prazo de entrega dos relatórios financeiros de campanha

Na origem, a unidade técnica constatou que houve descumprimento do prazo estabelecido pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 para a entrega dos relatórios financeiros de campanha em relação à doação de R$ 8,35, efetuada em 03.10.2020, por GILBERTO BERTOLDI, pois o envio à Justiça Eleitoral ocorreu em 01.12.2020 (ID 39415933).

O recorrente argumenta que o comprovante de depósito apenas lhe foi alcançado pelo doador após o decurso do prazo para entrega do relatório financeiro, sendo que “mesmo fora de prazo foi entregue o RFO assim que recebido o comprovante de depósito para que este valor fosse devidamente incluso na Prestação de contas final”.

O valor da impropriedade, equivalente a R$ 8,35, é por demais insignificante, e a ausência de seu lançamento durante a campanha eleitoral no SPCE, para divulgação pela Justiça Eleitoral, não tem o condão de oferecer qualquer prejuízo à análise das contas, máxime por essa ínfima doação ter sido devidamente informada na prestação de contas final.

Assim, tem-se, aqui, mera falha formal, incapaz de afetar a confiabilidade dos registros contábeis.

II – Despesas com fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais

O órgão técnico de contas detectou a realização de duas despesas contratadas com fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais, o que poderia indicar ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

O primeiro gasto apontado foi efetuado com MARISA CORADIN – MEI, CNPJ 17.163.666/0001-63, no montante de R$ 8,00, indicando-se que a representante recebeu auxílio emergencial oriundo do Governo Federal em 2020. O segundo gasto foi realizado com NOVACHINSKI NOVACHINSKI LTDA – ME, CNPJ 23.866.611/0001-12, de R$ 382,50, cujos sócios perceberam o mesmo auxílio emergencial.

Neste ponto, importante consignar que o valor da despesa com NOVACHINSKI NOVACHINSKI LTDA – ME foi de R$ 191,25, como bem apontado pela ilustre Procuradoria Regional Eleitoral, e não R$ 382,50.

Em defesa, o recorrente sustenta que foram prestados todos os serviços pelas empresas, conforme comprovação por meio de notas fiscais, e que desconhecia o fato do recebimento de auxílio emergencial, bem como “a despesa impugnada se refere a ‘Uma foto usada na Urna, e adesivos’, e com nenhum valor excedente a R$ 200,00 (duzentos reais), revelando a simplicidade da prestação de serviço em análise, que pode ser perfeitamente executada pelas empresas ora mencionadas, como realmente foram”.

Assiste razão ao recorrente. 

Como bem observado pela ilustre Procuradoria Regional Eleitoral, “a Lei n. 14.020/20 (que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) não exige falência da pessoa jurídica para que seus sócios recebam benefício emergencial. Logo, uma empresa pode estar com dificuldades financeiras, em virtude da pandemia, mas operando”.

Ademais, observa-se que se trata de pagamentos realizados a microempreendedor individual (MEI), e microempresas (ME), e que o art. 2o, inc. VI, al. “a”, da Lei n. 13.982/20 expressamente prevê a concessão de auxílio emergencial ao trabalhador que exerça atividade na condição de microempreendedor individual, o que não afeta a capacidade operacional da empresa para a prestação do serviço ou fornecimento do bem.

Com efeito, as despesas encontram-se suficientemente demonstradas. O dispêndio de R$ 8,00 com MARISA CORADIN – MEI, consistente em “fotografia em arquivo digital para candidato a vereador”, foi evidenciado mediante nota fiscal, datada de 29.10.2020, sendo o pagamento efetuado por cheque nominativo e cruzado (ID 39414633). Igualmente, o gasto de R$ 191,25, no dia 13.10.2020, com NOVACHINSKI NOVACHINSKI LTDA – ME, consubstanciado na aquisição de adesivos, encontra-se comprovado por nota fiscal, corroborado por cheque nominativo e cruzado (ID 39414433).

Nesse passo, inexiste inconsistência, devendo ser afastada a irregularidade.

III – Recebimento de doação não informada na prestação de contas parcial

A unidade técnica, em seu parecer preliminar, constatou a existência de “doações recebidas em data anterior à data inicial de entrega da prestação de contas parcial, mas não informadas à época, frustrando a execução tempestiva das medidas de controle concomitante, transparência e fiscalização, contrariando o que dispõe o art. 47, § 6º, da Resolução TSE nº 23.607/2019” (ID 39415933).

Cingiu-se a irregularidade à doação estimável em dinheiro, proveniente do órgão partidário estadual, em 08.10.2020, no importe de R$ 120,00, traduzida na impressão de 5.000 colinhas ao candidato (IDs 39415183 e 39414083).

O recorrente aduz que o diretório estadual demorou para enviar aos candidatos as notas fiscais de doação de material impresso, bem como o recibo eleitoral assinado pelo responsável pelo partido, de sorte que as informações puderam ser lançadas no SPCE somente após a entrega das contas parciais, efetivada em 23.10.2020, mas que houve o devido registro na prestação de contas final.

A tal respeito, dispõe o art. 47, caput e §§ 1º e 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 47. Os partidos políticos e os candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a enviar por meio do SPCE à Justiça Eleitoral, para divulgação em página criada na internet para esse fim (Lei nº 9.504/1997, art. 28, § 4º):

(...)

II - relatório parcial discriminando as transferências do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os recursos financeiros e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados.

§ 1º A prestação de contas parcial de que trata o inciso II do caput deve ser feita em meio eletrônico, por intermédio do SPCE, com a discriminação dos recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro para financiamento da campanha eleitoral, contendo, cumulativamente:

I - a indicação dos nomes, do CPF das pessoas físicas doadoras ou do CNPJ dos partidos políticos ou dos candidatos doadores;

II - a especificação dos respectivos valores doados;

III - a identificação dos gastos realizados, com detalhamento dos fornecedores;

IV - a indicação do advogado

(...)

§ 6º A não apresentação tempestiva da prestação de contas parcial ou a sua entrega de forma que não corresponda à efetiva movimentação de recursos caracteriza infração grave, salvo justificativa acolhida pela justiça eleitoral, a ser apurada na oportunidade do julgamento da prestação de contas final.

Como apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral assentou que “o atraso na apresentação dos relatórios financeiros e a entrega das contas parciais com inconsistências, relativas a omissões de despesas ou receitas, podem ocasionar prejuízos à correta fiscalização e confiabilidade da prestação de contas e constituir óbice ao acompanhamento da movimentação financeira pelos eleitores. Por essas razões, este Tribunal sinalizou recentemente a adoção de postura mais rigorosa ao tema para as Eleições de 2020. Precedentes” (PCE n. 44468, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 26.5.2021).

No caso, houve o oferecimento de justificativa consistente em retardamento do órgão partidário ao encaminhar os documentos necessários aos candidatos, contudo tal afirmação carece de comprovação.

Dessa maneira, restou configurada a falha, na ordem de R$ 120,00, não obstante entenda que seja desprovida de rotunda gravidade, em virtude de não ter havido prejuízo à correta fiscalização e confiabilidade da prestação de contas, porquanto a referida doação de recursos estimáveis em dinheiro foi posteriormente declarada nas contas finais do candidato.

 

IV – Realização de gasto não informado na prestação de contas parcial

A unidade técnica, em seu laudo pericial, apontou que “foram detectados gastos eleitorais realizados em data anterior à data inicial de entrega da prestação de contas parcial, mas não informados à época (art. 47, § 6°, da Resolução TSE n. 23.607/2019)”.

Trata-se do gasto precedentemente examinado, contratado com NOVACHINSKI NOVACHINSKI LTDA – ME, no importe de R$ 191,25, no dia 13.10.2020.

O recorrente alega que o documento fiscal teria sido entregue pelo fornecedor somente após a entrega da prestação de contas parcial, que ocorreu em 23.10.2020.

Ora, a nota fiscal eletrônica foi emitida em 13.10.2020, e o cheque utilizado para pagamento da despesa, em 16.10.2020, sendo que sua compensação na conta bancária se deu em 19.10.2020, de sorte que não se mostra crível a alegação.

Demais disso, não há prova sustentando a afirmação do apelante quanto à mora do fornecedor.

Caracterizou-se, portanto, a inconsistência apontada, a qual, similarmente ao declinado no exame do item anterior, é de pequena gravidade, não acarretando prejuízo à fiscalização e à confiabilidade das contas, sendo a despesa, implementada em valor modesto, R$ 191,25, foi posteriormente declarada nas contas finais.

Assim, as impropriedades identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 319,60 (R$ 8,35 + R$ 120,00 + R$ 191,25), cifra que, conquanto represente 10,10% das receitas de campanha (R$ 3.164,60), se mostra em termos absolutos reduzida e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 20.05.2021).

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de RENATO CARLOS PINTO, relativas à disputa ao cargo de vereador no Município de Saldanha Marinho nas eleições de 2020.