REl - 0600166-65.2020.6.21.0041 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/08/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Mérito

As contas do recorrente foram desaprovadas em virtude de ter destinado recursos próprios ao financiamento da sua campanha, no montante de R$ 2.304,70 (dois mil, trezentos e quatro reais e setenta centavos), extrapolando em R$ 1.073,92 (um mil, setenta e três reais e noventa e dois centavos) o limite de autofinanciamento para o cargo em disputa, o qual no referido município era de R$ 1.230,78 (10% de R$ 12.307,75, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, com base nas eleições municipais de 2016).

Por consequência, ao prestador foi imposta a penalidade de multa de 30% da quantia em excesso, consoante prevê o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual reproduz a normativa contida no art. 23, § 2º-A e § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Irresignado, o recorrente alega que os valores despendidos com pagamento de honorários decorrentes da prestação de serviços contábeis (R$ 1.200,00) não poderiam ser apurados como gastos eleitorais, conforme dispõe o art. 25, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, tendo sido computados erroneamente na contabilidade de campanha. Sustenta que, saneado este equívoco, não restaria ultrapassado o limite de autofinanciamento de campanha previsto no art. 27 da referida resolução. Por essa razão, requer a aprovação das contas ou, subsidiariamente, a aprovação com ressalvas.

Sem razão.

Ao contrário do alegado pelo recorrente, o § 1º do art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/19 não diz que os honorários de serviços advocatícios e de contabilidade não integrarão a prestação de contas, mas sim que tais recursos não constituirão doação de bens e serviços estimáveis em dinheiro. Vejamos:

Art. 25. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

 

§ 1º O pagamento efetuado por pessoas físicas de honorários de serviços advocatícios e de contabilidade, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não constitui doação de bens e serviços estimáveis em dinheiro (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 10).

 

Ademais, a interpretação do recorrente contraria o disposto no art. 35, § 3º, da mesma Resolução, segundo o qual “as despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha”. Assim, por constituírem gastos eleitorais, tais despesas devem integrar a prestação de contas, somente devendo ser excluídas do teto de gastos.

E, no caso sob exame, o candidato extrapolou o limite de autofinanciamento, não o de gastos de campanha.

Tal matéria encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu 27, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

O art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o montante máximo de despesas para os cargos em disputa nas eleições de 2020, e o seu § 5º prevê que os gastos de contabilidade não se sujeitam a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa, conforme transcrevo:

Art. 4º O limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições para prefeito e vereador, na respectiva circunscrição, será equivalente ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir (Lei nº 9.504/1997, art. 18-C).

(...)

§ 5º Os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não estão sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa (Lei nº 9.504/1997, art. 18-A, parágrafo único).

 

Desse modo, a campanha do candidato fica adstrita ao limite de despesas imposto pela lei para o cargo ao qual concorre, mas pode esse teto ser extrapolado, desde que tal excesso seja utilizado exclusivamente para pagamento de serviços advocatícios ou contábeis relacionados à prestação de serviços em sua campanha eleitoral e em favor desta, ou a processo judicial pertinente.

De outra banda, o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 trata do autofinanciamento de campanha, estabelecendo que o candidato somente poderá empregar recursos próprios em sua campanha no valor máximo de 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer, não havendo exceção a tal preceito.

Vê-se, pois, que o limite para custeio da campanha com recursos próprios é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao limite legal de gastos relacionados ao cargo em disputa, de modo que as alegações expendidas pelo recorrente não encontram respaldo na legislação afeta ao tema.

Portanto, os valores advindos de recursos próprios e empregados em gastos com serviços advocatícios ou contábeis, embora não se sujeitem ao teto estipulado para despesas de campanha, devem ser considerados na aferição do limite legal de autofinanciamento.

Assim, tendo o candidato ultrapassado o limite permitido de R$ 1.230,78 para utilização de recursos próprios, não merece reparo a decisão de primeiro grau, no ponto em que considerou irregular o excesso de arrecadação na ordem de R$ 1.073,92, aplicando ao prestador multa de R$ 322,17, equivalente a 30% do valor excedido, medida adequada, razoável e proporcional às circunstâncias do caso em comento.

Desse modo, em relação a esta irregularidade, deve ser mantido o comando do Juízo a quo, determinando-se o recolhimento da quantia de R$ 322,17. Assinalo, apenas, ser necessária a correção, de ofício, de erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, uma vez que a sua aplicação tem respaldo no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, devendo o valor ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Por fim, tendo em vista que a irregularidade, no valor de 1.073,92, representa 25,54% das receitas declaradas (R$ 4.204,70), na esteira da orientação consolidada por este Regional, resta inviabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de afastar o apontamento da mácula à confiabilidade das contas, visto que o valor irregular ultrapassa 10% das receitas declaradas, devendo ser mantido o juízo de desaprovação, como colho das ementas a seguir colacionadas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO DE VALOR AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Depósito em espécie realizado diretamente na conta de campanha, pelo próprio candidato, acima do limite legal. Irregularidade que corresponde a mais de 51% do total arrecadado na campanha, o que inviabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Manutenção da desaprovação e da determinação de recolhimento de valor ao Tesouro Nacional. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 20686 MOSTARDAS - RS, Relator: DRA. DEBORAH COLETTO ASSUMPÇÃO DE MORAES, Data de Julgamento: 11/10/2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 185, Data: 16/10/2017, Página 9.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINARES. NULIDADE DA SENTENÇA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL. INVIÁVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO, DE OFÍCIO, AO TESOURO NACIONAL. AUSÊNCIA DE MANEJO RECURSAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. MANIFESTAÇÃO SOBRE O PARECER CONCLUSIVO, NOS TERMOS DO ART. 66 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE DIRETAMENTE NA CONTA DE CAMPANHA EM VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DIVERGÊNCIA ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E A VERIFICADA NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHAS QUE COMPROMETEM A TRANSPARÊNCIA DA CONTABILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Preliminares afastadas. 1.1. Ofensa aos arts. 18, inc. I, § 3º e 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15. Inviável, nesta instância, determinar de ofício o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional. A ausência de recurso ministerial conduz ao reconhecimento da preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente. Obediência ao princípio da vedação da reformatio in pejus. 1.2. A obrigatoriedade de abertura de prazo para manifestação sobre o parecer conclusivo, nos termos do art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, é necessária apenas quando o órgão técnico indicar a existência de falhas sobre as quais não tenha sido oportunizado o contraditório ao candidato. In casu, o parecer conclusivo apenas ratificou os apontamentos já realizados, confrontando-os com os argumentos apresentados pela prestadora. Inexistência de prejuízo. Não caracterizado cerceamento de defesa. 2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, nos termos do disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Realizados depósitos diretamente na conta de campanha e acima do limite regulamentar, em desobediência à norma de regência. Caracterizada a inexistência de identificação da origem dos recursos. Valor substancial, representando 77,80% da totalidade da movimentação financeira. Impossibilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. Divergência entre o registro da movimentação financeira na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários. Falha que compromete a transparência que deve revestir a contabilidade. 4. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 18892 PORTO ALEGRE - RS, Relator: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 10/04/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 78, Data: 03/05/2019, Página 8.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as contas do recorrente, relativas ao pleito de 2020, determinando-lhe o pagamento da penalidade de multa no valor de R$ 322,17, a qual, retificando-se erro material da sentença, deve ser destinada ao Fundo Partidário.

É como voto, senhor Presidente.