REl - 0600614-77.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/08/2021 às 14:00

VOTo

Inicialmente, rejeito a preliminar de ilegalidade da determinação de desentranhamento dos vídeos juntados após a conclusão dos autos para sentença, nos exatos termos das razões apresentadas pelo julgador monocrático, Dr. Gerson Lira, as quais adoto como fundamento:

Com relação aos novos vídeos juntados, deverão ser desentranhados dos autos.

Explico.

Ao ajuizar a presente representação, a parte autora deveria ter narrado toda a situação fática a que corresponde a causa de pedir, e no caso dos autos foram juntados quatro publicações (vídeos) a que a parte autora fundamenta que violam as normas das eleições porquanto, por meio de propagandas eleitorais disponibilizadas ao público, principalmente por meio de canais digitais, tal como a rede social Facebook, os representandos teriam realizado propaganda institucional, conduta esta que é vedada, nos termos do artigo 73, VI, a, da Lei 9.054/97.

Portanto, com o ajuizamento da representação, a parte autora já delimitou o objeto do processo, descortinou a causa de pedir, consistente nos fatos (propaganda) retratados nos quatro vídeos postados nas redes sociais, e em nome do princípio da congruência ao julgador cabe valorar, na interpretação fática e jurídica, se estes fatos, os que já foram relatados na inicial, configuram a conduta vedada por lei, como expresso na lei eleitoral.

Com isso, a juntada destes novos vídeos, em momento inadequado registra-se, não revela um reforço de argumentação nem se constitui em novas provas, como pretende fazer crer a parte autora, mas, sim, caracterizam-se como novos fatos, posto que são novos vídeos, sobre os quais não pode haver apreciação judicial nesta demanda, seja porque o objeto do processo já está delimitado com a causa de pedir já apresentada na inicial, seja porque com a notificação dos demandados se revela proibido modificar a demanda.

Em vista disso, será determinada o desentranhamento da petição e dos novos vídeos, devolvendo-os à parte autora.

 

De fato, o caput do art. 22 da LC n. 64/90 é expresso ao determinar que na petição inicial o autor apresente todos os fatos e provas que fundamentam o pedido condenatório, cuja cópia deve acompanhar o mandado de citação para que a parte contrária possa oferecer ampla defesa, juntar documentos e rol de testemunhas.

No caso concreto, após o parecer ministerial e a conclusão do feito para julgamento, a Coligação PDT-PSB juntou aos autos 11 vídeos contendo imagens da propaganda institucional produzida pela municipalidade, sem demonstrar que o material foi produzido após o ajuizamento da ação e o oferecimento da contestação, nem justificar qual o motivo que a impediu de apresentar a prova no momento da propositura da ação.

É incabível a juntada desses vídeos porque não se trata de documentos novos. Após a conclusão para a sentença só poderia ser reaberta a fase de dilação probatório, conforme pretende a recorrente, nas hipóteses descritas no art. 435 do CPC, que trata dos novos documentos, sendo esses os que estavam inacessíveis ou foram produzidos após o prazo legal de apresentação.

Portanto, a preliminar merece ser rejeitada.

 

No mérito, a sentença recorrida concluiu pela caracterização de prática de conduta vedada nos 2 vídeos publicados no perfil pessoal do Facebook da candidata Marina Bussolotto, Secretária Municipal de Ação Social e Habitação eleita como vereadora, em 1 vídeo publicado pelo candidato Gustavo Bonotto, reeleito como prefeito, e em 1 vídeo postado pelo candidato Gesiel Toledo de Chaves, Chefe do Departamento Municipal de Trânsito classificado como suplente de vereador, porque nas gravações foram utilizados trechos de vídeos institucionais custeados e divulgados pelo poder público municipal, ou seja, imagens extraídas de publicidade institucional da Prefeitura de Lagoa vermelha.

A decisão condenou os referidos candidatos, o candidato a vice-prefeito Eder Piardi, e a Coligação O Trabalho Continua, à pena de multa por violação ao art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei das Eleições:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

(...)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

 

Segundo a sentença “no vídeo postado nas páginas do facebook, pouco importando que se trate de rede social com perfil oficial, o conteúdo das postagens é de propaganda institucional, tendo em vista que nele encontram-se enumeradas as realizações da Administração Pública Municipal do atual governo, cujos representados são candidatos à reeleição” e porque “o conteúdo nele veiculado, pela forma de divulgação permite caracterizar a postagem do vídeo como sendo de publicidade institucional, vedada nesse período pré-eleições, ainda que não haja dispêndio de recursos públicos na publicidade veiculada”, conforme excerto que cumpre transcrever:

No caso, a inicial imputa aos demandados a prática de conduta vedada consistente na propaganda institucional porque em diversos vídeos postados na rede social Facebook, os requeridos, em especial os candidatos a Prefeito e Vice, foram veiculas a propaganda institucional consistente na realização de obras, atos, programas e serviços. Para citar, a candidata Marina postou no facebook, com pedidos de votos para si e para os candidatos a Prefeito e Vice, Gustavo Bonotto e Éder Piardi, propaganda institucional consistente na construção de um novo lar dos idosos, fazendo propaganda eleitoral, inclusive, no interior de estabelecimento, juntamente com os idosos, o que a meu ver incrementa ainda mais a caracterização da conduta vedada. Por sua vez, o candidato Gesiel também postou vídeo na sua rede social no Facebook contendo longa propaganda institucional noticiando todas as melhorias de trânsito ocorridas no Município. A destacar, que Marina e Gesiel faziam parte da administração púbica municipal, na condição de Secretária Municipal de Ação Social e Habitação e de Chefe do Departamento Municipal de Trânsito, respectivamente, retirando-se dos cargos por conta da necessidade de desincompatibilização, o que torna ainda mais robusta a configuração da propaganda institucional vedada. Por fim, os candidatos a Prefeito e Vice, Gustavo e Éder, também fizeram publicar na rede social do Facebook larga propaganda institucional, citando obras e realizações no comando do executivo municipal, e apenas para citar algumas divulgações constantes nos vídeos, destaco: o atingimento do equilíbrio das contas do Hospital que atende o Município; na educação, há citação da ampliação e construção de novas creches (citando a nova creche no bairro Rodrigues); na infraestrutura vídeo mostra a realização de pavimentação de bairros (citando que foram em torno de 05Km de pavimentação realizada); cita que foram criadas a escola do fazer e centro de treinamento dos agricultores, mostrando, ainda, o vídeo, a casa do agricultor que fora construída. Em suma, os vídeos consubstanciam propaganda institucional que é proibida e que fere a igualdade de oportunidade entre os candidatos, atingindo a lisura da eleição, sendo capaz de causar a ruptura da isonomia na campanha eleitoral, uma vez que o representado Gustavo encontra-se em pleno exercício do mandato, no comando da prefeitura, quanto que Marina e Gesiel igualmente faziam parte da Administração Pública Municipal, em caros importantes e de destaque, favorecendo-lhes o acesso aos fatos publicados nos vídeos.

 

Não bastasse isso, há nos vídeos pedido explícito de votos para o promotor da propaganda institucional e para os demais representados.

 

Por fim, e a meu ver muito importante, é a constatação de que no vídeo postado nas páginas do facebook, pouco importando que se trate de rede social com perfil oficial, o conteúdo das postagens é de propaganda institucional, tendo em vista que nele encontram-se enumeradas as realizações da Administração Pública Municipal do atual governo, cujos representados são candidatos à reeleição. Mais que isso, a meu sentir as divulgações não consistem em mera expressão de opinião política ou manifestações pessoais de um cidadão, de forma que tal conduta se amolda no conceito de propaganda institucional, vedada nos termos do artigo 73, VI, b, da Lei no 9.504/97. O que ocorreu, de fato, foi a publicidade de atos de governo, por meio de dois candidatos a vereador e dos candidatos à reeleição para Prefeito, em período vedado, o que configura publicidade institucional.

 

É importante deixar bem registrado: a) de que a veiculação de postagens sobre atos, programas, obras e serviços em perfil privado de rede social não se confunde com publicidade institucional autorizada por agente público; b) de que faz parte do âmbito da liberdade de expressão a propaganda de feitos e realizações do governo municipal em postagens privadas nas redes sociais, quando não observado o emprego da máquina pública.

 

Todavia, no caso, a visualização dos vídeos objeto da representação deixa claro, a meu ver, que não se trata de mera postagem privada, seja porque todos os representados são candidatos nas eleições que se aproximam, seja porque o conteúdo nele veiculado, pela forma de divulgação permite caracterizar a postagem do vídeo como sendo de publicidade institucional, vedada nesse período pré-eleições, ainda que não haja dispêndio de recursos públicos na publicidade veiculada.

 

 

Ocorre que, não há ilegalidade nas postagens realizadas pelo candidato a prefeito em seu perfil de rede social, pois a mais recente jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, relativa a caso análogo ao presente, em interpretação estrita do art.73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, definiu que a divulgação de realizações do governo em perfil pessoal do agente público, voltada à exaltação de determinada candidatura, não é apta à configuração da conduta vedada em comento, consistindo em exercício legítimo da liberdade de pensamento e expressão (art. 5º, incs. IV e IX, da Constituição Federal), indissociáveis ao debate político e à formação da vontade do eleitor em um ambiente genuinamente democrático:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. VEICULAÇÃO EM PERFIL PARTICULAR DE REDE SOCIAL. UTILIZAÇÃO DA MÁQUINA PÚBLICA NÃO DEMONSTRADA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

 

1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso especial eleitoral interposto para impugnar acórdão que manteve sentença de improcedência da ação de investigação judicial eleitoral por uso indevido dos meios de comunicação social e conduta vedada.

 

2. O desequilíbrio gerado pelo emprego da máquina pública é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, que objetiva assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

 

3. A veiculação de postagens sobre atos, programas, obras, serviços e/ou campanhas de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais em perfil privado de rede social não se confunde com publicidade institucional autorizada por agente público e custeada com recursos públicos, a qual é vedada nos três meses que antecedem as eleições (art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997).

 

4. É lícito aos cidadãos, inclusive os servidores públicos, utilizarem–se das redes sociais tanto para criticar quanto para elogiar as realizações da Administração Pública, sem que tal conduta caracterize, necessariamente, publicidade institucional.

 

5.Da moldura fática do acórdão regional se extrai que: (i) houve divulgação de realizações do governo municipal, por meio de fanpage gerenciada pelo primeiro agravado, servidor público, fora do seu horário de trabalho; (ii) não há notícia do emprego de recursos ou equipamentos públicos para a produção e divulgação das postagens, integralmente feitas sob responsabilidade do agravado, inclusive no que diz respeito à digitalização de encarte distribuído pela Prefeitura antes do período vedado; e (iii) inexiste prova de que tenha havido o uso de algum artifício nas postagens impugnadas que permitisse caracterizá–las como redirecionamento dissimulado de publicidade institucional autorizada ou mantida por agente público em período vedado.

 

6. Acertada, portanto, a conclusão de que tal conduta está protegida pela liberdade de expressão (arts. 5º, IV e IX, e 220 da Constituição Federal) e não configura publicidade institucional.

 

7. Não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial nos casos em que inexiste similitude fática entre as hipóteses tratadas nos acórdãos confrontados (Súmula nº 28/TSE).

 

8. O adequado desempenho do dever de fundamentação pelos órgãos judiciais colegiados não exige que, no julgamento, todos os argumentos trazidos por voto divergente sejam refutados pelos demais juízes. Proclamado o resultado, considera–se fundamentado o acórdão pela tese jurídica prevalecente nos votos que compuseram a maioria vencedora, como ocorreu, no caso, em relação à atipicidade da conduta.

 

9. Agravo interno a que se nega provimento.

 

(Recurso Especial Eleitoral nº 37615, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 74, Data 17/04/2020) (Grifei.)

 

A Procuradoria Regional Eleitoral, de igual modo, aponta que as postagens consideradas ilícitas foram todas veiculadas nos perfis pessoais dos candidatos, não se caracterizando como propaganda institucional vedada aos agentes públicos pela legislação eleitoral:

Ocorre que, nos vídeos referentes aos candidatos Gustavo José Bonotto e Gesiel Toledo de Chaves, fica claro que se trata de propagandas eleitorais lícitas veiculadas por eles em seus perfis pessoais no Facebook, nas quais são divulgadas diversas informações a respeito das suas realizações na época em que ocupavam cargos no Poder Executivo Municipal de Lagoa Vermelha. Tais realizações consistem em obras viárias no que se refere ao candidato Gesiel, bem como a diversos programas e melhorias na saúde, educação, asfaltamento e outras áreas, no que se refere ao candidato Gustavo.

 

Da mesma forma que o candidato à reeleição está sujeito a críticas dos adversários em relação ao mandato em exercício, podendo ser alvo de propaganda contendo imagens que comprovem a má gestão, os candidatos da situação podem tentar mostrar aos eleitores que foram bons gestores da coisa pública, para isso valendo-se de imagens como as que constam nas propagandas dos representados.

 

Da visualização dos vídeos juntados aos autos, aliás, fica evidente que se trata de propaganda elaborada pela própria campanha dos candidatos, havendo apenas a utilização pontual, para fins de montagem, de algumas imagens obtidas no Facebook da Prefeitura, com clara referência acerca da fonte de onde extraídos os materiais.

 

Assim, não se verifica, no caso, nenhuma publicidade institucional, como tal considerada aquela produzida ou autorizada pelos órgãos da administração direta ou indireta do Município de Lagoa Vermelha. Nota-se, nessa linha, que a inicial não trata da publicidade institucional veiculada pela própria Prefeitura em seu Facebook – sendo que tal veiculação, segundo afirmado na peça de defesa, ocorreu antes do período vedado –, mas sim dos vídeos produzidos nas páginas pessoais dos candidatos demandados.

 

De igual maneira, não se verifica qualquer influência do poder econômico ou político apta a afetar a igualdade de condições entre os competidores, pois o meio utilizado para a divulgação da publicidade, no caso o Facebook, revela-se acessível a qualquer candidato, e os materiais colhidos da página da Prefeitura na rede social também estão disponíveis ao público em geral, não havendo, pois, utilização, com desvio de finalidade, da máquina pública, para fins de promoção dos representados.

 

Corroborando o quanto até aqui exposto, segue julgado do TSE:

 

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. REDE SOCIAL. PERFIL PESSOAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EMPREGO DA MÁQUINA PÚBLICA. PROMOÇÃO PESSOAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso especial eleitoral.2. Não há privilégio ou irregularidade na publicação de atos praticados durante o exercício do mandato; especificamente, porque veiculados sem utilização de recursos públicos em meio acessível a todos os candidatos e apoiadores, como é o caso das mídias sociais.3. Além disso, a promoção pessoal realizada de acordo com os parâmetros legais não caracteriza conduta vedada, constituindo exercício da liberdade de expressão no âmbito da disputa eleitoral.4. O emprego da máquina pública, em qualquer de suas possibilidades, é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997,objetivando assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. No caso, a moldura fática do acórdão regional não apresenta indícios de que houve uso de recursos públicos ou da máquina pública para a produção e divulgação das postagens de responsabilidade do agravado.5. Agravo interno a que se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 151992, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 28/06/2019)

 

Por outro lado, os vídeos impugnados, ressalte-se mais uma vez, deixam claro que se trata de propaganda eleitoral pessoal dos candidatos, não havendo confusão com símbolos, frases ou imagens representativos da Administração Municipal, nem mesmo no tocante à publicidade oficial da qual colhidos apenas alguns fragmentos aleatórios. Nessa via, também não se verifica, sequer em tese, a conduta tipificada no art. 40 da Lei nº 9.504/97, a qual, ademais, configura ilícito penal, cuja análise não poderia ser empreendida na presente demanda de natureza cível eleitoral.

 

Assim, não se vislumbra a prática da conduta vedada noticiada na inicial, nem abuso do poder político ou econômico, razão pela qual a reforma da sentença é medida que se impõe, a fim de que seja julgada improcedente a representação no tocante aos representados Gustavo José Bonotto e Gesiel Toledo de Chaves. Uma vez reformada a sentença para julgar improcedente a demanda, resta prejudicado o exame do recurso dos representantes no tocante a esses dois representados

 

Desse modo, considerando que o material impugnado utilizou mera reprodução de vídeos originalmente institucionais para a elaboração de propaganda eleitoral publicada no perfil dos candidatos, não se verifica o enquadramento dos fatos como divulgação de publicidade institucional em período vedado.

A jurisprudência deste Tribunal está alinhada ao entendimento firmado pelo TSE sobre o tema, tendo esta Corte decidido, na sessão de 14.12.2020, nos autos do RE 0600370-31.2020.6.21.0067, da relatoria do ilustre Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, ser lícito aos candidatos à reeleição publicar em perfil de rede social anúncios de obras e creditar “ao seu trabalho” os feitos que enaltecem a candidatura:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PROPAGANDA IRREGULAR. PUBLICAÇÃO DE VÍDEO EM REDES SOCIAIS. RECEBIMENTO COMO AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGITIMIDADE PASSIVA E INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADAS. MÉRITO. VEREADORA CANDIDATA À REELEIÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DE REALIZAÇÕES DURANTE O MANDATO. MANIFESTAÇÃO PERMITIDA. IMPROCEDÊNCIA. AFASTADA A MULTA. PROVIMENTO.

 

1. Recurso interposto em face de sentença que julgou parcialmente procedente representação, determinando a exclusão em definitivo de vídeo postado no Facebook. Aplicação de multa por violação do art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97. Recebimento como Ação de Investigação Judicial Eleitoral e conclusão pela ocorrência de propaganda institucional. Ausência de prejuízo no processamento, respeitadas as devidas oportunidades às partes.

 

2. Matéria preliminar afastada. 2.1. Inépcia da inicial. Inexistência de discordância entre as partes sobre a especificação da postagem, sendo que a peça processual oferece elementos suficientes a delimitar a publicação refutada e imagens do carro adesivado, tomado como propaganda irregular. Ausência de defeito. 2.2. Ilegitimidade passiva. Inequívoca a participação da candidata na gravação como personagem central, figurando nas imagens portando a câmera em mãos. Ademais, a postagem do vídeo foi reproduzida em sua própria rede social. 2.3. Cerceamento de defesa. Pedido de produção de prova oral. Providência que não acrescentaria elementos úteis ao julgamento.

 

3. Não há falar em propaganda institucional, que se refere à publicidade, subsidiada por verbas públicas, de atos, programas, obras, serviços e campanha dos órgãos públicos. O caso em tela, a despeito de ser a candidata vereadora concorrendo à reeleição, não se conforma à previsão legal.

 

4. O fato de estar ausente a URL da postagem já fragiliza a representação. Demonstrada, a partir do pouco conteúdo acessado, manifestação absolutamente adequada e pertinente à propaganda regular de candidato a mandato sucessivo na Câmara de Vereadores. Legítimo “anunciar obra” e creditar “ao seu trabalho” os feitos anteriores que enaltecem a candidatura. Não vislumbrado resquício de irregularidade na publicação, muito menos publicidade institucional.

 

5. Provimento. Improcedência da ação. Afastada a multa.

(RE - 0600370-31.2020.6.21.0067 - Encantado – RS – Rel. DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, j. 14/12/2020.)

 

Nessas circunstâncias, merece ser provido o recurso interposto pelos candidatos recorrentes e desprovido o recurso apresentado pela coligação representante, uma vez ser improcedente o pedido de majoração da condenação ou de cassação dos representados, pois a conduta impugnada não é ilícita.

Na forma do parágrafo único do art. 1.005 do CPC, embora não tenha interposto recurso contra a sentença, a presente conclusão aproveitará ao representado Eder Piardi, candidato eleito como vice-prefeito.

Consigno que as circunstâncias levantadas pela Coligação PDT-PSB, no sentido de que a conduta vedada se revelaria pela utilização de trechos das próprias propagandas institucionais produzidas com recursos públicos na propaganda eleitoral, pois conforme aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, a reprodução de material de conteúdo institucional na propaganda de campanha não caracteriza a infração.

Além disso, por se tratar de ação cível, o presente processo não se presta ao exame da tipificação do delito descrito no artigo 40 da Lei n. 9.504/97.

Por fim, entendo que eventual condenação da candidata eleita como vereadora Marina Bussolotto pela prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, por utilização de bens públicos “tanto das dependências do asilo público como do automóvel da Secretaria Municipal” “para o fim de promover a imagem pessoal” em razão do trecho do vídeo de sua propaganda eleitoral retratá-la no recém-construído Lar do Idoso trazendo uma idosa ao local com o uso de um carro público caracterizaria julgamento extra petita, violação aos postulados da ampla defesa, do contraditório e do duplo grau de jurisdição, e do princípio tantum devolutum quantum appellatum.

O requerimento apresentado pela Procuradoria Regional Eleitoral está fundamentado nos seguintes termos:

Situação diversa, contudo, é a que diz respeito à candidata a Vereadora Marina Bussolotto. No vídeo trazidona inicial (ID 12459733),não impugnado pelos representados, há, do minuto 00:27 ao minuto 00:39, imagens, as quais se constata terem sido copiadas do Facebook da Prefeitura de Lagoa Vermelha, em que a candidata, à época Secretária da Ação Social e Habitação, aparece no recém-construído Lar do Idoso, seja trazendo uma idosa ao local com o uso de um carro público, seja acompanhando idosos nas dependências do prédio.

 

Nesse caso, nota-se a clara utilização dos bens públicos, tanto das dependências do asilo público como do automóvel da Secretaria Municipal, e da publicidade da Prefeitura no seu Facebook, para o fim de promover a imagem pessoal da futura candidata, em afronta à interdição contida no art. 37, § 1º, da Constituição da República. A representada valeu-se do acesso facilitado aos ditos bens pela condição por ela ostentada na hierarquia do Poder Executivo Municipal, usando a máquina pública para finalidades outras que não o interesse público, notadamente com o intuito de colher vantagem eleitoral no pleito que se avizinhava, tudo isso em detrimento da isonomia em relação aos demais candidatos.

 

Portanto, o caso em tela amolda-se à conduta vedada prevista no art.73, I, da Lei nº 9.504/97:

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

 

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

 

Contudo, o pedido condenatório não se trata de mero reenquadramento legal, pois o fato que o ampara, relativa ao uso de bem público para fins eleitorais, não foi alegado na petição inicial e nem invocado durante toda a instrução processual, caracterizando-se como inovação do debate em sede recursal, surpresa ou vulneração à ampla defesa.

Embora a sentença já transcrita tenha considerado que a realização de publicidade institucional restaria incrementada ainda mais porque “a candidata Marina postou no facebook, com pedidos de votos para si e para os candidatos a Prefeito e Vice, Gustavo Bonotto e Éder Piardi, propaganda institucional consistente na construção de um novo lar dos idosos, fazendo propaganda eleitoral, inclusive, no interior de estabelecimento, juntamente com os idosos”, em nenhum momento da ação a candidata foi acusada, ou teve oportunidade de defesa, da alegação de que fez uso de carro oficial e das dependências do asilo público em benefício da campanha.

Essa inclusão de fato não descrito na inicial implica em ampliação da discussão em sede recursal, não se tratando de simples capitulação jurídica diversa, não se adequando ao enunciado da Súmula n. 62 do TSE: “Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Referido enunciado demonstra que o Direito Eleitoral brasileiro acolhe o princípio de que o réu se defende de fatos e não da definição jurídica, bem como a teoria da substanciação e o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual as normas processuais não são óbices para a aplicação do direito material.

Segundo os consagrados brocardos da mihi factum, dabo tibi jus (dá-me o fato, que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz conhece o direito), os limites da causa são demarcados pela ratio petendi substancial, ou seja, segundo os fatos imputados à parte passiva, e do exame do feito observa-se que em nenhum momento foi apontado o uso de bens públicos com finalidade eleitoral pela candidata à vereança.

De acordo a Corte Superior Eleitoral, o reenquadramento jurídico dos fatos somente pode ocorrer na via recursal “quando a parte demandada defendeu-se, amplamente, de todos as circunstâncias da situação concreta posta nos autos”, o que não ocorreu na espécie:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. RECONHECIMENTO, NA ORIGEM, DA PRÁTICA DA CONDUTA VEDADA NO INCISO III DO ART. 73 DA LEI Nº 9.504197. PRAZO DECADENCIAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, NÃO PROVIDO.

(...)

2. Nada impede, em nosso ordenamento jurídico, a aplicação, no processo judicial eleitoral, da teoria da substanciação, por via da qual o juiz não está vinculado à justificação legal escolhida pela parte em sua petição inicial. Em razão dessa teoria, é permitido ao juiz impor a penalidade do art. 73, § 5o , da Lei no 9.504/97, em razão de os fatos apurados encerrarem violação ao inciso III do art. 73 da referida lei, quando a parte demandada defendeu-se, amplamente, de todos as circunstâncias da situação concreta posta nos autos. 3. Inexistência de cerceamento de defesa quando a parte que a alega se utiliza, plenamente, no curso da instrução, de todos os meios processuais colocados ao seu alcance para contrariar a acusação contra si instaurada.

(...)

6. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. Manutenção do acórdão recorrido.

(TSE, REspe 25.890/GO, DJ de 31.8.2006, reI. Min. José Augusto Delgado) (Grifei.)

 

Ademais, o pedido ministerial sequer pode ser extraído da interpretação lógico-sistemática de toda a argumentação desenvolvida na petição inicial e no curso da instrução, merecendo ser indeferido.

 

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pela COLIGAÇÃO PDT-PSB e pelo provimento do recurso interposto por GUSTAVO JOSÉ BONOTTO, COLIGAÇÃO O TRABALHO CONTINUA, MARINA BUSSOLOTTO e GESIEL TOLEDO DE CHAVES, para o fim de reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos condenatórios, afastando a sanção imposta e estendendo a decisão ao recorrido EDER PIARDI, nos termos da fundamentação.