REl - 0600264-92.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada na origem, em face da identificação de irregularidade concernente à forma de pagamento de despesas eleitorais, no valor global de R$ 1.072,00, efetuadas por meio de cheques nominais, porém não cruzados, em infringência ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução n. 23.607/19, deixando o magistrado a quo de determinar o recolhimento da quantia apontada como irregular “em razão de não se tratar de recursos oriundos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e, também, por ausência de disposição específica na Resolução TSE 23.607/2019 quanto ao recolhimento desses valores”.

A sentença arrimou-se no parecer conclusivo apresentado pela unidade técnica, que apontou os seguintes gastos que estariam em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 28456183):

 

A forma de pagamento dos gastos eleitorais em discussão encontra-se disciplinada na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 38, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TER-RS - REl - 0600274-39.2020.6.21.0027; Relator: Des. Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle; julgado em 07.07.2021.)

 

A transgressão ao preceito normativo não foi refutada pelo prestador que, inclusive, admitiu o erro ao deixar de cruzar os cheques utilizados como meio de pagamento dos gastos eleitorais, caracterizando, de modo incontroverso, a irregularidade na forma de pagamentos de suas despesas.

A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

Outrossim, em pesquisa ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral, relativamente ao candidato em questão (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87254/210000910542/extratos), observo, à vista do extrato bancário eletrônico, que o cheque n. 850001, emitido no montante de R$ 250,00, foi efetivamente depositado por Claiton Regis Portella Mello e Cia Ltda. em sua conta-corrente, consoante imagem a seguir:

 

Como se percebe, ainda que não cruzada a cártula, a quantia foi efetivamente descontada à conta bancária do fornecedor informado, fato que cumpre os efeitos pretendidos pela norma, demonstrando, de forma confiável, o destino da verba de campanha. Com isso, remanesce, quanto ao ponto, a mera falha formal na observância da norma, a qual não compromete a lisura do gasto eleitoral em questão.

Destarte, afastando-se a inconsistência relacionada a tal dispêndio, as irregularidades constatadas consolidam-se no total de R$ 822,00, cifra que, conquanto represente 56,49% das receitas de campanha (R$ 1.455,00), mostra-se reduzida em termos absolutos e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR,) que a disciplina normativa das contas considera módica, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann julgado em 20.05.2021).

Ressalto, por fim, que os valores manejados são de natureza privada, advindos exclusivamente de recursos próprios do candidato, razão pela qual a sentença não impôs o recolhimento das quantias ao Tesouro Nacional.

Logo, não havendo prejuízo à fiscalização e ao controle das contas, nem indicativos de uso indevido de recursos públicos, bem como ostentado as irregularidades somatório diminuto, cumpre dar integral provimento do apelo, nos exatos limites do pedido recursal, que se delimitou a pugnar, justamente, por aprovar com ressalvas as contas apresentadas.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de JOSE ANTONIO SOARES DA SILVA, relativas à disputa ao cargo de vereador no Município de Júlio de Castilhos nas eleições de 2020.