REl - 0600234-57.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

IRENE MELLO DIAS, candidata ao cargo de vereador no Município de Júlio de Castilhos, interpôs recurso em face da sentença prolatada pelo Juízo da 27ª Zona Eleitoral que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, devido à utilização de cheque nominal não cruzado para o pagamento de despesa eleitoral no valor de R$ 200,00, em ofensa ao regramento contido no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No demonstrativo de despesas eleitorais efetuadas (ID 28527283, fl. 4), a candidata declarou o gasto de R$ 200,00 com a contratação do serviço de confecção de propaganda eleitoral, prestado por Ana Cláudia Silveira Ayres, a qual foi objeto da NFS-e n. 202000000000031, emitida em 12.11.2020 (ID 28527683, fl. 2), em conformidade com o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Contudo, o pagamento do dispêndio eleitoral em comento foi realizado por meio do cheque n. 000046, o qual foi emitido apenas nominalmente à prestadora do serviço, sem ter sido cruzado, como demonstra a imagem da cártula acostada no ID 28527683, fl. 3, restando, assim, inequívoco o descumprimento da norma inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021).

Seguindo essa ordem de ideias, registro que este Tribunal já reconheceu inexistir ressalva na legislação eleitoral quanto ao endosso do cheque emitido na forma nominal e cruzada, nos moldes do art. 17 da Lei n. 7.357/85, invocado como fundamento à regularidade do dispêndio nas razões recursais.

Entretanto, o reconhecimento da possibilidade de endosso do cheque não implicou a dispensa da comprovação de que foi cruzado e emitido nominalmente ao fornecedor da campanha informado na contabilidade, como previsto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante extraio da ementa do seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

Consigno, ainda, que a alegação recursal de que o atendimento da exigência do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 impediria a contratação de “pessoas humildes e de ínfimas posses” para as atividades de militância política não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações realizadas durante a campanha. Além disso, o argumento não guarda relação de pertinência com a falha ora analisada, a qual se relaciona à contratação de serviços de confecção de material de propaganda eleitoral.

Acrescento que, no extrato eletrônico da conta-corrente específica da campanha, disponibilizado pelo Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais na página do Tribunal Superior Eleitoral na internet, a operação bancária atinente ao cheque n. 000046, efetivada no dia 13.11.2020, não foi identificada com os dados da contraparte beneficiária do crédito.

Assim, em princípio, seria possível cogitar o emprego de verbas sem identificação de origem para a quitação do dispêndio eleitoral em comento, passíveis de recolhimento ao erário, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, na medida em que não é possível assegurar que tenha sido efetivada com recursos financeiros que transitaram pela conta-corrente específica da campanha.

Todavia, a magistrada de primeiro grau afastou expressamente o dever de recolhimento da quantia de R$ 200,00 ao erário, sob o entendimento de não ter sido proveniente do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e de inexistir disposição nesse sentido na citada resolução quanto aos recursos de natureza privada, advindos exclusivamente de recursos próprios da recorrente.

Portanto, providência nesse sentido não pode ser imposta à candidata nesta instância por força do princípio da vedação da refomatio in pejus, haja vista a interposição de recurso exclusivamente pela sua defesa, sem manifestação do órgão ministerial de piso apta a obstaculizar a preclusão da matéria (TRE-RS, RE n. 18892, Relator Des. El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 03.5.2019, p. 8).

Por outro lado, observo que, não obstante represente 18,99% das receitas arrecadadas para custeio da campanha, as quais somaram R$ 1.053,40 (ID 28528683), o valor nominal da falha é irrisório (R$ 200,00).

Sob esse aspecto, apesar do percentual significativo diante do somatório arrecadado, o valor absoluto da falha é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29/09/2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Dessa maneira, como a irregularidade perfaz quantia de diminuta expressividade econômica, entendo pela aprovação das contas com ressalvas em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com respaldo no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, motivo por que a pretensão recursal deduzida nesse sentido merece ser integralmente acolhida.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do recurso interposto por IRENE MELLO DIAS, para aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.