AI - 0600037-36.2021.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

Observa-se que o recurso objetiva atacar decisão interlocutória proferida pelo juiz eleitoral nos autos da AIJE n. 0600716-70.2020.6.21.0070.

É consabido que as decisões interlocutórias não são passíveis de recurso. A circunstância decorre de expressa dicção regulamentar – art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16, in verbis:

Art. 19. As decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito.

O entendimento pela inadmissibilidade do recurso em face de decisão interlocutória proferida no curso da ação funda-se na ideia da celeridade processual, considerando que esse pronunciamento, em tese, poderia ser atacado em sede recursal, situação que, em regra, não acarretaria qualquer prejuízo para as partes.

Entretanto, a decisão judicial proferida pela magistrada, que tem natureza de sentença, extinguiu o feito com resolução de mérito, reconhecendo a decadência em relação à parte dos demandados, sendo definitiva em relação a estes, razão pela qual entendo cabível o agravo de instrumento interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTAS – PP de Getúlio Vargas, diante da excepcionalidade do presente caso. Ressalte-se, ainda, que a demora na instrução do feito poderia esvaziar o seu objeto (cassação do mandato), com o risco de perecimento do direto.

Desse modo, nos termos do Código processual vigente, quando o juiz decidir a respeito da prescrição ou da decadência – reconhecendo ou rejeitando sua ocorrência –, haverá decisão de mérito e, portanto, caberá agravo de instrumento, com fundamento no inc. II do art. 1.015 do CPC, a seguir transcrito:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

[...]

II – mérito do processo;

[...]

No mesmo sentido foi o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça nos seguintes julgados:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE DETERMINA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL E AFASTA PRESCRIÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015 DO CPC/2015. HIPÓTESES DE CABIMENTO.

1. Na espécie, o acórdão proferido pela Corte de origem assentou a inexistência de previsão legal para recorribilidade imediata da decisão que deferiu a realização de prova pericial e afastou a prejudicial de prescrição.

2. Contudo, ao decidir pelo não cabimento do agravo de instrumento, o Tribunal a quo dissentiu da jurisprudência deste Sodalício sobre o tema, segundo a qual "Cabe agravo de instrumento contra decisão que reconhece ou rejeita a ocorrência da decadência ou da prescrição, incidindo a hipótese do inciso II do art. 1.015 do CPC/2015" (REsp 1.772.839/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 14/5/2019, DJe 23/5/2019).

3. Note-se que o mesmo entendimento pelo cabimento do agravo de instrumento é aplicável no que se refere à pretensão relativa à redistribuição do ônus da prova. Precedente.

4. Agravo interno a que se nega provimento. (grifei)

(AgInt no REsp 1863039/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14.09.2020, DJe 18.09.2020.) (Grifei.)

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, I e II, DO CPC/2015 CONFIGURADA EM PARTE. OMISSÃO QUANTO A ASPECTO FÁTICO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA SOBRE MÉRITO DO PROCESSO (PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA) E EXCLUSÃO DE LITISCONSORTE (LEGITIMIDADE DE PARTE). CABIMENTO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. 1.

Deixando a Corte local de se manifestar sobre questão relevante apontada em embargos de declaração que, em tese, poderia infirmar a conclusão adotada pelo Juízo, tem-se por configurada a violação do art. 1.022, II, do CPC/2015.

2. Nos termos do art. 487, II, do CPC/2015 – com redação diversa do art. 269, IV, do CPC/1973 –, haverá resolução de mérito quando o juiz decidir acerca da decadência ou da prescrição, reconhecendo ou rejeitando sua ocorrência.

3. Cabe agravo de instrumento contra decisão que reconhece ou rejeita a ocorrência da decadência ou da prescrição, incidindo a hipótese do inciso II do art. 1.015 do CPC/2015.

4. O art. 1.015, VII, do CPC/2015 estabelece que cabe agravo de instrumento contra as decisões que versarem sobre exclusão de litisconsorte, não fazendo nenhuma restrição ou observação aos motivos jurídicos que possam ensejar tal exclusão.

5. É agravável, portanto, a decisão que enfrenta o tema da ilegitimidade passiva de litisconsorte, que pode acarretar a exclusão da parte.

6. Recurso especial parcialmente provido. (grifei)

(REsp 1772839/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 14.05.2019, DJe 23.05.2019.) (Grifei.)

Sendo assim, tendo em vista que o recurso é tempestivo e presentes os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

Passo ao exame do mérito.

Mérito

Cuida-se de apreciar o recurso de agravo de instrumento (ID 24407133) interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTAS – PP de Getúlio Vargas contra a decisão do Juízo da 70ª Zona Eleitoral de Getúlio Vargas que, nos autos da AIJE n. 0600716-70.2020.6.21.0070, reconheceu a decadência da ação em relação aos candidatos inscritos pelo MDB de Getúlio Vargas para concorrer nas eleições municipais de 2020, em razão da ausência da qualificação exigida no inc. II do art. 319 do CPC.

Em suas razões, o agravante requer que seja determinada a citação de todos os sujeitos do polo passivo cadastrados no Sistema PJe quando da distribuição da ação. Transcrevo, por oportuno, trechos das razões do recorrente:

[...]

Desta forma, a decisão dos embargos de declaração ora recorrida que reconheceu decadência em função do agravante não ter nominado a qualificação dos candidatos na inicial merece ser reformada, pois, considerando hipoteticamente a fundamentação judicial, houve então mera irregularidade na qualificação do polo passivo, mas não novação processual, pois a inicial é clara em face de informar contra quem demanda, sendo que o protocolo da inicial se deu em face de cada um dos sujeitos passivos a quem a agravante direcionou a ação.

Haveria decadência, no caso, se o ora agravante pretendesse incluir sujeitos no polo passivo não arrolados na inicial nem no próprio sistema Pje, da Justiça Eleitoral. Todavia, não foi o que ocorreu, pois o agravante além de incluir cada sujeito do polo passivo no cadastro da Pje, identificou-os na inicial.

[...]

Assiste razão ao agravante.

De fato, analisando-se a peça inicial (ID 24407233), constata-se que os candidatos do MDB arrolados no polo passivo não estão com a qualificação completa, tendo sido informados somente os CNPJs de campanha.

Contudo, apesar da inobservância do disposto no art. 319, inc. II, do CPC, restou demonstrado contra quem se pretendia demandar.

Além disso, verifica-se que o agravante, no momento da oposição dos embargos declaratórios (ID 24407333), supriu qualquer dúvida que pudesse existir quanto aos integrantes do polo passivo, tendo que vista que arrolou os nomes e a qualificação de cada candidato inscrito pelo MDB.

No tocante à declaração de decadência do direito a emendar a inicial, utilizada para rejeição dos embargos pelo juízo a quo, essa não possui amparo legal. Isso porque a decadência deve ser verificada no momento da propositura da ação, consoante o § 4º, c/c o § 1º, do art. 240 do CPC.

Assim, tendo em vista que a emenda proposta não alterou o direito exposto na inicial, e sendo a AIJE n. 0600716-70.2020.6.21.0070 ajuizada no dia 18.12.2020, mesmo dia da diplomação dos candidatos em Getúlio Vargas, excluída a decadência do direito à interposição da ação.

No ponto, cumpre acrescentar, ainda, quanto à infringência ao art. 319, inc. II, do CPC, que, nas ações eleitorais ajuizadas no ano da eleição, especialmente após o pedido de registro de candidatura, onde os dados de qualificação do candidato são registrados para as possíveis ações eleitorais, essa exigência de perfeita qualificação do candidato demandado é bastante mitigada, sendo muitas vezes feita referência apenas “aos dados registrados perante a Justiça Eleitoral”.

O próprio § 2º do art. 319 do CPC estabelece que: “A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu”.

Nesse sentido, transcrevo parte da brilhante explanação feita pelo Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, agregando-a às minhas razões de decidir:

[...]

Vê-se, portanto, que a Magistrada entendeu que a referência aos CNPJ's dos candidatos do MDB feita na petição inicial não preenche os requisitos previstos no inciso II do art. 319 do CPC, razão pela qual considerou que as pessoas contra as quais os investigantes requereram tutela de urgência não são partes do processo, sendo que a inclusão dos demais dados dos investigados posteriormente à diplomação não seria possível diante do advento da decadência, conforme se extrai do §1º do art. 22 da Resolução TSE n. 23.462/153.

Nesse ponto, entendemos que, por excesso de formalismo, a decisão agravada vai de encontro ao princípio constitucional do acesso à justiça insculpido no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal.

Isso porque, em que pese não tenha sido observado rigorosamente o disposto no inciso II do art. 319 do CPC, o agravante incluiu o CNPJ de todos os candidatos do MDB que concorreram ao pleito municipal, restando inegável que estava intentando a ação de investigação judicial eleitoral, igualmente, contra os mesmos.

Sendo essa, diga-se, a única interpretação que se coaduna com o pedido feito ao final da AIJE de:

“(…) julgar procedência (sic) a ação para o fim de cassação dos registros de candidatura e ou diplomas dos eleitos, de todos os candidatos que concorreram ao pleito eleitoral municipal de Getúlio Vargas, no ano de 2020, pela sigla do partido MDB (…)”.

Por outro lado, os demais dados incluídos como nome, estado civil, profissão, CPF, etc., trazidos, posteriormente, complementam a qualificação exigida no referido dispositivo legal, mas, em nenhum momento, importam em inclusão de parte que já não tenha constado na petição inicial, ainda que de forma incompleta.

É dizer, indicados na petição inicial da investigação judicial os CNPJ's dos candidatos que integrariam o polo passivo da demanda, sendo ao final requerida a cassação do registro e diploma de todos os candidatos do MDB, restou inequívoco que a AIJE estava sendo proposta também contra os candidatos do MDB, cujos CNPJ’s de campanha foram elencados. Assim, a complementação posterior da qualificação desses mesmos sujeitos, não implicou inclusão de novo legitimado passivo, que pudesse fazer incidir a decadência.

Desse modo, entendemos que não há que se falar em decadência da ação em relação aos candidatos da eleição majoritária e proporcional inscritos pelo MDB de Getúlio Vargas, vez que essa é a interpretação que se coaduna com a instrumentalidade do processo, assegurando a máxima efetividade ao direito de acesso ao judiciário.

[...]

Cumpre ressaltar que a preferência pela efetividade do direito em detrimento do formalismo excessivo deve pautar as decisões judiciais, prestigiando-se os princípios da instrumentalidade, da celeridade, da economia processual e da razoabilidade, evitando-se decisões terminativas desnecessárias.

No ponto, cito precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. CARGO. DEPUTADO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE CERTIDÃO DE OBJETO E PÉ. AUSÊNCIA DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DOCUMENTAÇÃO JUNTADA EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, ENQUANTO NÃO EXAURIDA A INSTÂNCIA ORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. NOVA ORIENTAÇÃO FIRMADA POR ESTE TRIBUNAL SUPERIOR. PRECEDENTE (REspe nº 384-55/AM). RETORNO DO PROCESSO AO REGIONAL. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

1. A moderna dogmática do direito processual repudia uma visão do processo que eleva filigranas estéreis a um patamar de importância maior que o próprio direito material, consubstanciando formalismo excessivo que faz com que o poder organizador, ordenador e disciplinador aniquile o próprio direito ou determine um retardamento irrazoável na solução do litígio (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: Revista de Processo. São Paulo: RT, n.º 137, p. 7-31, 2006). 2. Conquanto seja escorreito afirmar que a celeridade seja valor bastante caro ao processo eleitoral, mister a data da eleição ser um limite temporal insuperável, bradar pela ocorrência da preclusão, quando a parte, instada a suprir as irregularidades, acosta a documentação em sede de embargos de declaração, não concretiza em sua máxima efetividade exercício do direito fundamental ao ius honorum, na esteira do que advoga a abalizada doutrina constitucional (HESSE, Konrad.Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 68). 3. A juntada ulterior de novos documentos, quando o pré-candidato é devidamente intimado a sanar as irregularidades constatadas, e não o faz, não mais é atingida pela preclusão, revelando-se possível, à luz da novel orientação do Tribunal Superior Eleitoral, proceder-se à juntada dos documentos quando não exaurida a instância ordinária.4. In casu, a despeito de não ter apresentado, por ocasião da intimação, as certidões de objeto e pé indicadas na certidão da Justiça Estadual de segundo grau, limitando-se a juntar cópia do mandado de intimação expedido nos autos do processo de filiação partidária, o Agravante aduz ter acostado a documentação em sede de embargos de declaração, razão por que, uma vez não se verificado o exaurimento das instâncias ordinárias, deve a Corte a quo analisar a documentação acostada aos autos. 5. Agravo regimental provido. (grifei) (Recurso Especial Eleitoral nº 128166, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30/09/2014)

Por fim, verifica-se nos autos ausência de intimação do agravado para emendar a inicial, consoante o art. 321 do CPC. Assim, acaso fosse plausível a declaração de decadência, tal decisão seria nula, pois existente prejuízo ao agravante.

Em vista dessas considerações, julgo que a decisão proferida pelo juízo eleitoral de origem deve ser desconstituída, para afastar a decadência da ação em relação a todos os candidatos do MDB arrolados na petição inicial e dar prosseguimento ao feito, com a citação dos sujeitos do polo passivo.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo conhecimento e provimento do agravo de instrumento interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTAS – PPde Getúlio Vargas, para afastar a decadência da ação em relação a todos os candidatos do MDB arrolados na petição inicial e determinar ao Juízo da 070ª Zona Eleitoral o regular prosseguimento do feito, nos termos da fundamentação.