MSCiv - 0600141-44.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

O mandado de segurança constitui medida cabível “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data ou, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade”, conforme a dicção do art. 1º da Lei n. 12.016/09.

Os pressupostos que autorizam a concessão de medida liminar em mandado de segurança são: a relevância dos fundamentos invocados e o risco de ineficácia da medida se concedida somente ao final, conforme prevê o art. 7º, inc. III, da mencionada Lei.

Estabelecidas essas premissas, no caso concreto, considerando serem os embargos de declaração recurso integrativo que visa à completude da decisão judicial para eliminação de vícios, cumpre examinar a decisão proferida pela autoridade judicial, os argumentos veiculados nos aclaratórios e, finalmente, a decisão impetrada.

Inicio por transcrever a decisão que indeferiu a suspensão do andamento da AIJE, postulada em exceção de suspensão formulada em petição de 50 páginas, que conta, inclusive, com organograma das relações pessoais que embasariam a tese de suspeição do membro do Ministério Público Eleitoral:

DECISÃO

Trata-se de petição de exceção de suspeição proposta pela requerida Cleusa Teresinha de Melo contra o Promotor Eleitoral Dr. José Garibaldi Evangelho Simões Machado, com pedido de suspensão do processo principal.

Conforme dispõe o seu art. 15, na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições do Código de Processo Civil terão aplicação supletiva e subsidiária.

Nesse sentido também é a Resolução TSE nº 23.478/2016.

Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral.

Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.

No presente caso, tratando-se de incidente de suspeição, na ausência de norma específica na legislação eleitoral, aplicam-se as regras do CPC. No tocante à suspensão do processo principal, ao contrário do sustentado pela requerida, somente tem aplicação no caso de incidente de impedimento ou suspeição do julgador, nos termos dos arts. 313, III, e art. 146, §2º, ambos do CPC.

Pela previsão do art. 148 do CPC, aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos membros do Ministério Público, mas neste caso, de acordo com o seu §2º, o incidente não suspende o processo.

Desse modo, portanto, nos termos do §2º do art. 148 do CPC, autue-se em separado a petição do evento 90885197 e os documentos que a acompanham.

Após, no incidente, intime-se o arguido para manifestação e produção de provas, no prazo de 15 dias.

O processo principal segue o seu trâmite normal.

Intimem-se.

Desta decisão, foram opostos embargos de declaração, litteris:

CLEUSA TERESINHA DE MELO, já qualificada, nos autos da REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CUMULADA COM REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA E AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, via procuradores firmatários, tempestivamente, vem à presença de Vossa Excelência, interpor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, dizendo e requerendo o que segue:

I – Excelência, a decisão que indeferiu o pleito de suspensão do feito, bem como determinou a autuação em separado da petição do evento 90885197 e documentos que lhe acompanham é omissa, impondo o acolhimento dos aclaratórios ora propostos.

II – O Ministério Público é o ente com poderes constitucionalmente assegurados lhe encarregando de movimentar a AIJE, no caso de procedência da exceção de suspeição proposta, inegáveis os efeitos que a decisão trará para a própria demanda principal. Permitir o prosseguimento da AIJE, estando no polo ativo agente ministerial contra o qual se arguiu a suspeição, que se sustenta estar agindo sob o calor de interesses e/ou sentimentos pessoais, é decisão temerária. O exercício das funções ministeriais exige de seu agente absoluta imparcialidade e isenção, características que estão sendo questionadas via exceção.

III – O normal prosseguimento da AIJE, como se a arguição de suspeição inexistisse, se mostra uma decisão omissa e temerária, que desconsidera a nítida existência de fumus boni iurisnos argumentos trazidos ao feito. Ressalte-se que inexiste prejuízo ao bom andamento da AIJE, pois o trâmite da exceção de suspeição até sua decisão é extremamente célere, o prejuízo restará devidamente configurado se a demanda permanecer tramitando normalmente, como se inexistisse arguição de suspeição do agente ministerial, e o incidente vier a ser julgado procedente.

IV – Excelência, tendo em vista tudo que restou arguido, é nítida a demonstração da fumus boni iuris, devendo ser dado provimento aos embargos de declaração manejados para sanar a omissão apontada, determinando a suspensão do feito até julgamento definitivo da exceção de suspeição.

ANTE O EXPOSTO, requer a Vossa Excelência se digne acolher os presentes EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, para o fim especial de sanara omissão apontada, reconhecendo a existência de fumus boni iuris apta para suspensão da AIJE, até julgamento definitivo da exceção de suspeição proposta.

Termos em que pede deferimento.

Finalmente, segue a decisão combatida no presente mandado de segurança:

DECISÃO

1 – inclua-se no sistema o procurador habilitado no ID 91003550.

2 – Recebo os embargos de declaração ID 90995557, eis que tempestivos.

Todavia, não vislumbro a presença de qualquer das hipóteses previstas no art. 1.022, do CPC, na decisão atacada.

A parte embargante/requerida pretende a modificação do julgado, o que não é admissível em sede de embargos declaratórios.

Isso posto, rejeito os embargos de declaração.

Intimem-se.

Adianto que não vislumbro a relevância dos fundamentos invocados, tampouco ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada a sustentar a impetração.

Na hipótese, tenho que a decisão impetrada, apesar de sucinta, é coerente e apreciou de forma satisfatória a postulação trazida nos embargos de declaração.

Embora a impetrante alegue omissão na decisão, o que se extrai dos argumentos da embargante é tão somente o inconformismo com o indeferimento de seu pedido e, veja-se, decisão essa que se ampara expressamente no texto legal.

Vejamos o dispositivo do Código de Processo Civil invocado na decisão supostamente omissa:

Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição:

I – ao membro do Ministério Público;

II – aos auxiliares da justiça;

III – aos demais sujeitos imparciais do processo.

§ 1º A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos.

§ 2º O juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão do processo, ouvindo o arguido no prazo de 15 (quinze) dias e facultando a produção de prova, quando necessária. (grifei)

A legislação processual é bastante clara ao dispor que o incidente de suspeição não suspende a tramitação do processo que lhe deu ensejo.

Ainda, sabe-se que a omissão apta a amparar os embargos declaratórios é aquela relativa ao exame de pedidos formulados e, da leitura dos fundamentos dos embargos de declaração manejados, não se vislumbra a descrição de qualquer omissão apta a ser examinada por via dos aclaratórios.

A partir do exame das peças dos autos – arguição de suspeição, decisão, embargos de declaração e decisão integrativa – é possível observar que o juízo eleitoral adotou fundamentação necessária e suficiente no exame dos argumentos trazidos nos declaratórios, tendo apreciado, de modo coerente e satisfatório, as questões pertinentes à espécie – ausência de vício e tentativa de rediscussão do mérito por via que não comporta tal desiderato.

Não vislumbro, assim, a violação do art. 489, § 1º, inc. III, do CPC/15, uma vez que, mesmo de forma sucinta, a decisão proferida nos autos examinou dentro dos limites o pedido formulado nos declaratórios.

Reconheço que a decisão que rejeitou os embargos de declaração beira a generalidade, mas tenho que as circunstâncias do caso recomendam sua manutenção. Vejamos: sabe-se da exigência de celeridade para as demandas que envolvem os mandatos na Justiça Eleitoral, parâmetro que foi observado pela magistrada. Ainda, observo que a impetrante propôs arguição de suspeição com intrincadas teses; que os embargos de declaração propostos não apontam omissão, mas carregam nítido propósito de rediscutir a decisão, sendo que esta apenas observou comando legal (CPC), além do que, ao fim e ao cabo, a impetrante pretende utilizar o mandado de segurança como forma de obter decisão que contraria comando legal – suspensão do trâmite de AIJE mediante formulação de arguição de suspeição de promotor eleitoral.

Apenas situação excepcional, a qual a magistrada certamente não verificou, autorizaria o afastamento do disposto no art. 148, § 2º, do CPC, mediante esforço hermenêutico e argumentativo do juiz para só comando legal que afasta a suspensão.

No sentido da plena aplicabilidade da norma da legislação processual comum na Justiça Eleitoral, trago precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro:

ELEIÇÕES 2018. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. QUESTÃO PRELIMINAR. NULIDADE DO PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL DEFLAGRADO PELO PROMOTOR ELEITORAL. REJEIÇÃO. [...]

Preliminar de nulidade do procedimento preparatório eleitoral deflagrado pelo Promotor Eleitoral. Não há vedação a que o membro do Ministério Público que oficie perante zonas eleitorais instaure procedimento preparatório eleitoral para realização de investigações preliminares de supostas infrações eleitorais ocorridas no âmbito das eleições gerais, com o fim de instruir eventual ação eleitoral a ser ajuizada pelo Procurador Regional Eleitoral. Do mesmo modo, não se acolhe a alegação de parcialidade do membro do Parquet, na medida em que as exceções de suspeição opostas contra ele pelo primeiro e segundo investigados ainda estão pendentes de julgamento, e, nesse caso, nos termos do art. 148, §2º, do CPC, a marcha processual não se suspende. [...]

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060884945, Acórdão, Relator(a) Des. Cláudio Brandão De Oliveira_1, Publicação: DJERJ – Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 181, Data: 28.8.2019.) (Grifei.)

O mandado de segurança não merece prosperar, diante do contexto narrado, uma vez que está sendo manejado como forma de combater comando expresso do Código de Processo Civil.

Tenho que a decisão vergastada se encontra devidamente fundamentada e dá solução adequada ao pleito liminar do ora impetrante.

Nessa senda, percebe-se não haver contornos ilegais, abusivos ou teratológicos no ato judicial impugnado, capaz de violar direito líquido e certo, situação que não justifica a impetração do writ.

DIANTE DO EXPOSTO, por ausência de violação a direito líquido e certo, voto por denegar a segurança postulada, ao efeito de confirmar a decisão proferida pelo Juízo da 45ª Zona Eleitoral – Santo Ângelo que indeferiu o pedido de suspensão da tramitação da AIJE n. 0600903-56.2020.6.21.0045.