REl - 0600472-94.2020.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo, devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados no art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, não restando comprovada a despesa eleitoral no valor de R$ 150,00.

A sentença (ID 27392933), ao encontro do que constou do parecer conclusivo (ID 27392733), referiu o seguinte:

Realizada a análise técnica, verificou-se que houve a emissão de duas notas fiscais na mesma data e horário relativas à aquisição de combustível para abastecimento do único veículo cuja utilização foi declarada na prestação de contas. Somadas as compras, o volume adquirido não seria compatível com a capacidade do veículo utilizado (64 litros de combustível) em um veículo de passeio - Chevrolet Cobalt.

Ressalta-se que o candidato utilizou recursos públicos do FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) para fazer frente a um dos abastecimentos acima referidos, totalizando R$ 150,00 em recursos públicos para tanto.

O candidato, ainda que intempestivamente, declarou que os abastecimentos não teriam ocorrido na data de emissão da nota fiscal e que somente após instado a apresentar tais documentos foi providenciá-los. Argumentou não ter conhecimento da necessidade de emissão de nota fiscal.

É preciso esclarecer, antes de mais nada, que a movimentação financeira de campanha não pode se confundir com as finanças pessoais do candidato ou de terceiros. Todo o microssistema legislativo eleitoral, na parte que trata das finanças de campanha, é erigido justamente para separar o que são recursos pessoais do que sejam receitas para financiar a campanha. Não é outro o motivo pelo qual a cada candidato é atribuído um cadastro de CNPJ pela Receita Federal, senão para possibilitar a realização de operações financeiras, civis e contábeis. Tudo é realizado em nome do princípio da transparência de modo a permitir que não só os órgão de controle, mas também o eleitor tenha acesso às informações de financiamento da campanha. Nunca é demais lembrar que os atos de financiamento de campanha são imediatamente publicados no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga e podem ser consultados pelos eleitores inclusive enquanto fazem suas ponderações de voto, durante a campanha eleitoral.

Também é em nome da transparência que são abertas contas bancárias distintas para transações que envolvam recursos públicos (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha) e recursos privados (conta Outros Recursos), consoante determina o art. 9º da Res. TSE n. 23607/2019.

A realização de pagamento de despesa de campanha com recursos públicos sem emissão de nota fiscal é irregularidade que enseja a condenação ao recolhimento ao Tesouro Nacional do valor utilizado. Ao que tudo indica, conforme a petição ID 76803431 e os documentos IDs 57534315, 57534306 e 57534307, o candidato: 1º) utilizou recursos próprios para abastecimento de veículo próprio em algum momento antes de 10/11/2020; 2º) solicitou em 10/11/2020 a emissão de nota fiscal de forma extemporânea (por um abastecimento supostamente inexistente) a empresa Scheeren Comércio de Combustíveis Ltda; 3º) emitiu cheque para fazer o pagamento com recursos públicos de parte desta despesa (R$ 150,00 descontados em 11/11/2020).

Não há dúvidas de que do total de gastos com combustíveis declarado (R$ 800,00), pelo menos R$ 150,00 foram irregularmente utilizados, ante a deficiente comprovação apresentada.

O recorrente sustenta que as despesas com combustível ocorreram durante todo o período eleitoral, mas o cedente do veículo, por desconhecimento, não solicitou emissão de nota fiscal. Para regularizar a situação, realizou o pagamento do combustível em um único dia, emitindo dois cheques, um dos quais referente a recursos do FEFC, conforme o saldo disponível nas contas de campanha.

Sem razão o recorrente.

O prestador das contas não logrou comprovar a despesa no valor de R$ 150,00. Cabia ao prestador das contas realizar a comprovação do gasto eleitoral mediante a juntada de Nota Fiscal, o que deixou de fazer segundo a análise técnica.

Esse fato caracteriza omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, gerando a obrigação de ressarcir o Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 79, § 1º, do mesmo diploma legal.

Conforme consta, a irregularidade representa 10,3% das receitas declaradas (R$ 1.455,28), o que, em princípio, já autorizaria a aprovação das contas com ressalvas, no exercício da razoabilidade e proporcionalidade.

Contudo, tenho que, além de o percentual não ser significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de ADRIANO SCHEEREN, mantendo a condenação ao recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 150,00.