REl - 0600043-04.2020.6.21.0159 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

Destaco inicialmente que, conforme a Portaria Conjunta TRE-RS P-CRE N.3/19, o processo físico 200-72.2017.6.21.0113 foi digitalizado pelo Cartório Eleitoral e incluído no sistema Processo Judicial Eletrônico, sob o número 0600043-04.2020.6.21.0159. 

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

A sentença hostilizada desaprovou as contas anuais do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO de Porto Alegre, diante do recebimento de R$ 5.956,00 em doações realizadas por fonte vedada. Os contribuintes foram identificados em listagem enviada à Justiça Eleitoral, pela Administração Pública, com os nomes das pessoas que exerciam, à época das doações, cargo de chefia ou direção demissíveis ad nutum nos seus quadros.

A peça recursal não se insurge contra os fatos, mas sim contra a desaprovação, pois entende que o ínfimo percentual de 4,25% da irregularidade, diante do total da arrecadação, permite a aprovação com ressalvas. Defende, ainda, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95.

No que se refere à aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, esta Corte Eleitoral já se manifestou sobre a existência de vício na instituição da anistia, tendo reconhecido, à unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo legal em comento, consoante ementa que transcrevo no ponto que interessa:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. (...) (Grifo nosso)

(...)

(TRE/RS, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, RE 35-92.2016.6.21.0005, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, DEJERS de 23.08.2019.)

Assim, deve ser afastada a aplicação do dispositivo no caso concreto, por ser ele inconstitucional ao instituir hipótese de incidência destoante das normas extraídas da Constituição Federal. Peço vênia para colacionar trecho do debate realizado na ocasião:

Assim, no ponto, o dispositivo legal em questão possui vício de inconstitucionalidade na origem.

O constituinte de 1988 foi contundente ao demonstrar a intenção de dedicar papel central aos partidos políticos no Estado Democrático de Direito, elegendo como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político.

[...]

Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de não ser possível a aplicação retroativa das disposições da Lei n. 13.488/17:

[...]

Ressalto que esse entendimento é adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral: a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava durante o exercício contábil, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC n. 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, como reação à interpretação dada pelos Tribunais, o legislador, por meio de expediente nada republicano, moral e ético, aprova regramento anistiando todas doações advindas de servidores demissíveis ad nutum filiados, atribuindo eficácia imediata nos processos de prestação de contas e de criação dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados (art. 3º da Lei n. 13.831/19).

[...]

Entendo que merece acolhimento o incidente de inconstitucionalidade suscitado, afastando, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. O precedente alcançou consenso no Plenário desta Corte, e o alinhamento a tal paradigma atende aos ditames da segurança jurídica e da busca pela racionalização da atividade jurisdicional, orientados pela redação do art. 926 do Código de Processo Civil.

Destaco que o parágrafo único do art. 949 do CPC é expresso no sentido de que, uma vez decidida a questão constitucional pelo Plenário ou Órgão Especial de Tribunal ou do STF, não será novamente submetida a matéria a julgamento – os órgãos ficam obrigados perante a decisão tomada pelo órgão qualificado. Desse modo, considerando ser incabível a rediscussão da matéria, e não havendo indicação de outros elementos hábeis a justificar a revogação do precedente, reconheço a inconstitucionalidade formal e material do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, na esteira da jurisprudência deste Tribunal.

Melhor sorte assiste ao recorrente no que diz respeito à vindicada aprovação com ressalvas, pois o montante total de recursos recebidos no exercício sob exame foi de R$ 140.060,56, e a irregularidade soma R$ 5.956,00, representando apenas 4,25% da arrecadação. Entendo, em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte, que é indicada, na hipótese, a aprovação com ressalvas das contas, de modo que igualmente a multa de até 20% deixa de ser acrescida ao valor da falha, pois a sanção pecuniária há de decorrer unicamente de desaprovação de contas, conforme os termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO para declarar a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, afastar a multa de 20% sobre o valor da irregularidade, e manter a determinação de recolhimento do valor de R$ 5.956,00 ao erário.