REl - 0600378-03.2020.6.21.0004 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O prazo para a interposição de recurso em processos de prestação de contas eleitorais é de 03 (três) dias, segundo dispõem o art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e o art. 85 da Resolução TSE n. 23.607/19, dispositivo específico para o pleito de 2020.

O art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20, em consonância com a normativa posta no art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/19, estabeleceu que, após o encerramento do período eleitoral com a diplomação dos eleitos, as intimações nos processos de prestação de contas relativos às eleições de 2020 deveriam ser realizadas diretamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensando-se a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e, até o dia 12.02.2021, a observância do prazo de ciência de 10 (dez) dias para que a parte interessada efetivasse a consulta eletrônica ao teor da intimação.

Na hipótese, os recorrentes foram intimados por meio de ato de comunicação eletrônica no PJe no dia 04.02.2021, quinta-feira (ID 28828033), deixando transcorrer in albis o prazo recursal de 03 (três) dias para a interposição do recurso, encerrado no dia 08.02.2021, segunda-feira.

Contudo, no dia 11.02.2020, quinta-feira, por determinação do magistrado eleitoral substituto, que ratificou a sentença exarada pelo órgão titular da zona eleitoral (ID 28828083), as partes foram novamente intimadas (ID 28828133), reabrindo-se a contagem do tríduo recursal, que, de fato, se encerrou, após o feriado de carnaval, no dia 17.02.2020, quarta-feira, quando a irresignação foi aviada perante a instância a quo (ID 28828283).

À vista disso, o recurso é tempestivo e adequado, comportando conhecimento.

 

Mérito

A prestação de contas de CLEONICE PASQUALOTTO DA PAIXÃO TOLEDO e DANIEL VICENTE MORGAN, relativa ao pleito de 2020, no qual foram eleitos aos cargos majoritários no Município de Campos Borges, foi desaprovada pelo Juízo da 4ª Zona Eleitoral de Espumoso, em virtude da omissão de despesa com a aquisição de combustível no montante de R$ 170,01, assim como do excesso na utilização de recursos próprios na campanha, os quais superaram em R$ 4.494,12 o limite estabelecido no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, condenando-os ao pagamento de multa equivalente a 100% da quantia excedente.

A sentença não merece reparos.

Com relação à primeira irregularidade, o órgão técnico de exame identificou a emissão da NF n. 97792 pelo “Auto Posto Garra Ltda.” (CNPJ n. 24.582.495/0001-72) no dia 14.11.2020, no valor de R$ 170,01, contra o CNPJ da campanha dos recorrentes, documento que se encontra disponibilizado no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais na página do Superior Tribunal Eleitoral na internet.

A despesa atinente à aquisição do combustível não foi lançada no demonstrativo contábil (ID 28824033), embora ostentasse natureza eleitoral, porquanto constatada a existência de documento fiscal no qual constou o número do CNPJ da campanha (art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Além disso, nos extratos das três contas bancárias abertas para o gerenciamento dos recursos públicos e privados auferidos, não foi detectado o lançamento de operação que correspondesse ao pagamento desse dispêndio, segundo consulta realizada ao referido sistema eleitoral na rede mundial de computadores.

Em sua defesa, os recorrentes aduziram que todas as despesas com combustível foram declaradas na sua prestação de contas e comprovadas mediante documentação fiscal idônea, alegando ter havido equívoco do fornecedor na emissão da NF n. 97792.

De fato, no caso específico dos autos, a argumentação recursal reveste-se de verossimilhança, na medida em que os candidatos efetuaram despesas com combustível junto ao referido fornecedor em montante expressivo durante o período eleitoral, tendo sido todas escrituradas e comprovadas mediante notas fiscais, inexistindo, portanto, motivo que justificasse a omissão de uma única transação no valor irrisório de R$ 170,01.

Por outro lado, incumbia aos recorrentes, tão logo tomaram ciência do apontamento em sua demonstração contábil, ter diligenciado junto ao fornecedor para que o documento fiscal emitido equivocadamente fosse cancelado, em conformidade com as normas tributárias, juntando aos autos a correspondente comprovação do cancelamento e esclarecimentos, como disposto nos arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Todavia, essa providência não foi adotada pelos candidatos, subsistindo a irregularidade relativa à omissão da despesa eleitoral, na esteira do entendimento adotado na sentença e, igualmente, por este Colegiado no julgamento do REl n. 0600498-40.2020.6.21.0103, na sessão de 22.6.2021, em acórdão de minha relatoria.

Porém, ao sentenciar o feito, o magistrado de primeira instância não reconheceu o ingresso de recursos sem identificação de origem no caixa da campanha para a quitação dessa despesa.

Por conseguinte, resta inviabilizada a imposição do dever legal do recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, com amparo no art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, por força do princípio da vedação da reformatio in pejus, haja vista a interposição de recurso exclusivamente pela sua defesa, sem manifestação do órgão ministerial de piso apta a obstaculizar a preclusão da matéria (TRE-RS, RE n. 18892, Relator Des El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 03.5.2019, p. 8).

Relativamente à segunda falha, nas eleições de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral fixou o limite de gastos de campanha na disputa ao cargo de prefeito no Município de Campos Borges em R$ 123.077,42, com o que o emprego de recursos próprios dos candidatos ficou restrito a 10% desse valor, ou seja, R$ 12.307,74.

Os recorrentes, a seu turno, empregaram recursos próprios no montante de R$ 16.801,86, extrapolando em R$ 4.494,12 o limite de autofinanciamento definido na legislação eleitoral, sujeitando-se, por conseguinte, ao pagamento da penalidade de multa de até 100% da quantia em excesso, consoante prevê o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual reproduz a normativa contida no art. 23, § 2º-A e § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Nas razões do recurso, os recorrentes sustentaram que, de acordo com a literalidade do texto do § 1º do art. 27, acima transcrito, deve ser admitida a aplicação do limite de gastos separadamente para cada cargo (prefeito e vice-prefeito), autorizando que cada integrante da chapa majoritária efetue, individualmente, a autodoação de até R$ 12.307,74, tal como ocorreu na hipótese, visto que CLEONICE e DANIEL doaram, respectivamente, as quantias de R$ 9.401,86 R$ 5.000,00.

A questão posta nos autos demanda a interpretação da referida norma mediante uma análise sistemática das regras de financiamento das campanhas nas eleições majoritárias municipais, a fim de determinar se o teto de autofinanciamento se aplica de forma isolada para cada candidato componente da chapa majoritária, ou conjuntamente.

Nesse trilhar, registro que a limitação à arrecadação de recursos próprios no patamar de 10% do valor máximo estabelecido para gastos de campanha no cargo restou aplicada pela primeira vez nas últimas eleições de 2020, mediante inovação trazida pela Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 23. (...).

(...)

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

A alteração legislativa deve ser compreendida em harmonia sistemática com o princípio da unicidade da chapa, pelo qual a candidatura majoritária representa uma candidatura plurissubjetiva ou dúplice, como previsto no art. 91 do Código Eleitoral:

Art. 91. O registro de candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-governador, ou prefeito e vice-prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança de partidos.

Dessa maneira, não é possível conferir tratamento individual e isolado ao prefeito ou ao vice-prefeito de uma mesma chapa no tocante ao registro de suas candidaturas e à realização de campanhas, inclusive no que se refere aos limites legais de arrecadações e gastos.

Sobre esse tema, a Procuradoria Regional Eleitoral muito bem elencou diversos preceitos atinentes às contas eleitorais que consideram a unidade e interdependência entre as candidaturas do titular e seu vice, consoante transcrevo do seu parecer (ID 40516933):

Diversos dispositivos da Resolução TSE 23.607/2019 indicam que, para verificação da observância do limite de gastos para o autofinanciamento na candidatura majoritária, devem ser computados conjuntamente os recursos próprios doados pelo candidato titular e pelo seu vice.

A prestação de contas do titular da chapa, abrange a do seu vice, o qual somente pode prestar contas sozinho, na inércia do titular (arts. 45, § 3º e 77, caput e parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019). Nesse sentido, veja-se que no extrato da prestação de contas, os recursos próprios do candidato e do vice estão somados na mesma rubrica.

O candidato a vice não é obrigado a abrir conta bancária, mas se o fizer, os extratos deverão compor a prestação de contas do titular (art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

No tocante aos recibos eleitorais, a arrecadação realizada pelo candidato a vice utiliza os recibos eleitorais do titular (art. 7º, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

O candidato a vice não pode constituir fundo de caixa (art. 39, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Para aferição dos limites de gastos para contratação de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua são consideradas as contratações realizadas pelo titular e pelo vice (art. 41, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Veja-se que, para aferição do limite global de gastos da candidatura majoritária não se discute que são somadas as receitas do titular e do vice, tanto que esse utiliza os recibos do titular. E assim é, pois, como é cediço, a chapa majoritária é una e indivisível (art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.609/2019).

Neste sentido, não é estabelecido limite para candidatura de vice, mas apenas de, ao que interessa ao caso, Prefeito. Daí que todos os valores arrecadados são somados para verificação da observância do limite global.

 

Ademais, consta da justificativa apresentada ao inteiro teor do Projeto de Lei n. 4.121/19, que introduziu o limite de autofinanciamento nas campanhas de prefeito e vereador, que as limitações consideram a existência dos sistemas eleitorais majoritário e proporcional previstos na Constituição Federal e “observam os critérios estabelecidos para as eleições gerais de 2018, a saber: limites maiores para os candidatos a cargos do Poder Executivo e limites escalonados para os cargos em disputa (Prefeito e Vereador), de acordo com faixas de número de eleitores por município” (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2212362).

Dessarte, não há indicações sequer de intenção legislativa de criar um limite de autofinanciamento próprio para o cargo de vice-prefeito.

Por consequência, o limite de arrecadação com recursos próprios definido para o cargo de prefeito, por certo, abrange o cargo de vice-prefeito com ele lançado, devendo as respectivas doações ser somadas para verificação do teto legal, visando garantir a equivalência financeira entre os concorrentes, evitando-se que patrimônios pessoais possam desequilibrar a disputa por cargos eletivos.

Dessa forma, a interpretação defendida pelos prestadores de contas, acerca do critério individual para aferição do limite de autofinanciamento, não se harmoniza com o sistema eleitoral majoritário e com todas as demais normas de financiamento de campanha que decorrem da unicidade da chapa, impondo-se o afastamento do argumento recursal.

Este Tribunal, recentemente, adotou idêntica linha decisória ao julgar o REl n. 0600483-79.2020.6.21.0165, como colho da ementa do acórdão a seguir reproduzida:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS EM MONTANTE SUPERIOR A 10% DO LIMITE LEGAL. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA PENALIDADE IMPOSTA. ART. 38, INC. I, DA LEI N. 9.096/95. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou a prestação de contas relativas ao pleito de 2020, em virtude do excesso de aplicação de recursos próprios na campanha, em afronta ao disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Aplicada multa de 100% sobre a quantia em excesso.

2. A limitação à arrecadação de recursos próprios no patamar de 10% do valor estabelecido como limite para gastos de campanha no cargo, restou aplicado inicialmente nas últimas eleições de 2020, mediante inovação trazida pela Lei n. 13.878/19, que acrescentou o parágrafo 2º-A ao artigo 23 da Lei n. 9.504/97. A alteração legislativa deve ser compreendida em harmonia sistemática com o princípio da unicidade da chapa, pelo qual a candidatura majoritária representa uma candidatura plurissubjetiva ou dúplice, conforme previsto no art. 91 do Código Eleitoral.

3. Inviável conferir tratamento individual e isolado ao prefeito ou ao vice-prefeito de uma mesma chapa, no tocante ao registro de suas candidaturas e realização de campanhas, inclusive ao que se refere aos limites legais de arrecadações e gastos. Ademais, a interpretação defendida pelos prestadores de contas, acerca do critério individual para aferição do limite de autofinanciamento, não se harmoniza com o sistema eleitoral majoritário e com todas as demais normas de financiamento de campanha que decorrem da unicidade da chapa.

4. A irregularidade representa 9,11% do total de recursos arrecadados, contexto em que a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Mantida, contudo, a condenação à multa de 100% sobre a quantia excedente, pois afigura-se razoável e proporcional à falha verificada, devendo a penalidade ser destinada ao Fundo Partidário, nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(Relator Des. El. MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, julgado na sessão de 27.7.2021.) (Grifei.)

 

Os recorrentes defenderam, ainda, que os recursos estimáveis de R$ 2.400,00, correspondentes à cessão de veículos pertencentes a DANIEL, devem ser excluídos do cômputo do limite de despesas com recursos próprios, reduzindo-se o valor do excesso para R$ 14.401,86.

A argumentação, entretanto, não prospera.

O art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe expressamente sobre a contabilização das doações estimáveis em dinheiro para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

[…].

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

(Grifei.)

 

Outrossim, não obstante seja o uso de recursos próprios do candidato disciplinado no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, alocando-se no mesmo dispositivo que trata das doações de pessoas físicas, o que abre margem à tese apresentada no recurso, resta claro que a ressalva contida no § 3º se direciona apenas à hipótese prevista no caput, qual seja, às doações de terceiros, pessoas físicas, e não àquelas advindas do próprio candidato, reguladas pelo respectivo § 1º.

Ao não excepcionar os recursos próprios estimáveis em dinheiro do parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, a norma visa assegurar a igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, constituindo uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir substancialmente nos resultados da campanha.

Nesse aspecto, convém trazer à colação as judiciosas considerações da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 40516933):

E a razão de ser da inclusão, no limite do autofinanciamento com recursos próprios, das doações estimáveis em dinheiro é assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos. Caso assim não fosse, por exemplo, um candidato que não possuísse um imóvel próprio para utilizar como sede da campanha, teria que incluir, para o cômputo dos seus limites de gastos, as despesas realizadas com recursos próprios (digamos que não tenha recebido recursos de terceiros) com aluguel do imóvel, enquanto o candidato que possuísse imóvel próprio não teria qualquer gasto incluído para aferição do mesmo limite legal, para a realização de idêntico gasto de campanha.

 

O posicionamento relativo à contabilização das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro na verificação do atendimento do limite de gastos restou acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral em pleitos anteriores, com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, conforme ilustra ao seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.

1.  Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.

2.  No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.

3.  É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.

4.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator(a) Min. HERMAN BENJAMIN, Publicação: DJE de 15.6.2018.) (Grifei.)

 

Logo, correta a decisão de primeiro grau ao reconhecer a ilicitude relativa ao autofinanciamento da campanha, devendo ser mantida a fixação da penalidade de multa no valor de R$ 4.494,12, equivalente a 100% do excesso, porquanto se mostra proporcional e razoável à falha verificada, não tendo sido deduzidos motivos que embasassem a sua redução a patamar menos elevado.

Sob esse aspecto, assinalo, apenas, ser necessária a correção, de ofício, do erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, uma vez que a sua aplicação tem respaldo no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

O juízo de desaprovação da contabilidade também deve ser mantido.

As irregularidades consolidam valor absoluto expressivo, ou seja, R$ 4.664,13 (R$ R$ 4.494,12 + R$ 170,01), sendo superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Ademais, o valor das falhas representa 19,14% das receitas auferidas para o custeio da campanha, as quais somaram R$ 24.361,86 (ID 28827083), impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de a escrituração contábil ser aprovada, ainda que com ressalvas, por comprometer substancialmente a sua confiabilidade e transparência, segundo orientação consolidada na jurisprudência da Corte Eleitoral Superior, ilustrada, a contrario sensu, na ementa abaixo colacionada:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AGRAVO INTERNO TEMPESTIVO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM APENAS 0,4% DO TOTAL ARRECADADO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O prazo recursal do Ministério Público inicia–se com a intimação pessoal e não com a publicação da decisão combatida. Precedentes. 2. Na espécie, o TRE/SP, em sede de aclaratórios, reconheceu a prestação de contas retificadora, apresentada de forma intempestiva pelo candidato, apenas para afastar algumas irregularidades e diminuir o valor de outras, mantendo a desaprovação das contas.3. A inexistência de recurso especial eleitoral contra a aceitação de documentos que acompanharam os embargos de declaração e que modificaram a sanção decorrente do julgamento impede que, em sede de agravo interno, essa moldura fática deixe de ser observada. 4. O valor total das irregularidades presentes na prestação de contas do candidato corresponde ao valor total que deve ser recolhido ao erário e à agremiação partidária. 5. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que contenham percentual abaixo de 10% do total da arrecadação, ainda que o valor absoluto seja elevado. Precedentes. 6. Adota–se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo–se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 7. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,40%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas. 8. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060698914, Acórdão, Relator(a) Min. EDSON FACHIN, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 161, Data 13.8.2020.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as contas de CLEONICE PASQUALOTTO DA PAIXÃO TOLEDO e DANIEL VICENTE MORGAN, relativas ao pleito de 2020, determinando-lhes o recolhimento da penalidade de multa no valor de R$ 4.494,12 (quatro mil, quatrocentos e noventa e quatro reais e doze centavos), o qual, corrigindo, de ofício, erro material da sentença, deve ser recolhido ao Fundo Partidário, com fundamento no art. 74, inc. III, c/c o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

É como voto, Senhor Presidente.