REl - 0600412-08.2020.6.21.0091 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

Inicialmente, passo ao enfrentamento da preliminar de ilicitude da gravação ambiental do ID 41555183, registrada em ata notarial (ID 41555133), realizada pelo candidato Daniel Ribeiro da Silva da conversa mantida por ele com o recorrido Juliano Cavalheiro da Cruz.

A nulidade foi afastada pelo magistrado a quo com arrimo na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que “não se mostra ilegal a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado” (ID 41559083):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PRELIMINARES. MULTA. EMBARGOS PROTELATÓRIOS. MANUTENÇÃO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DISPENSABILIDADE. MÉRITO. COMPRA DE APOIO POLÍTICO EM TROCA DE VANTAGEM PECUNIÁRIA. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. GRAVIDADE. SÚMULA 24/TSE. DESPROVIMENTO. (...) 5. A teor da jurisprudência firmada por esta Corte para feitos relativos às Eleições 2016, em regra afigura-se lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais, ainda que em ambiente privado, cabendo ao órgão julgador aquilatar as circunstâncias do caso concreto. 6. No caso dos autos, a partir da moldura fática do aresto a quo, constata-se a licitude da prova, na medida em que a gravação foi realizada pela própria candidata cooptada, inexistindo, ademais, notícias de induzimento ou coação. (…).”

(TSE, Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral n. 20098, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 12.12.2019.)

 

Esta Corte também tem entendimento assentado de que a gravação ambiental pode ser usada como prova, desde que seja espontânea e registrada por um dos interlocutores.

Não desconheço que o pacote “anticrime” (Lei n. 13.964/19) introduziu o art. 8º-A na Lei 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, definindo que a captação ambiental deve ser efetuada por autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.040.515, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, interposto em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME.

Assim, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova.

Todavia, considerando que ainda não houve julgamento da matéria, deve ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova.

Com essas considerações, afasto a preliminar.

No mérito, os recorrentes alegam prática de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio mediante tentativa de compra de apoio político e desistência de candidatura, registrada em conversa gravada durante a campanha de 2020, na qual o apoiador e noivo da candidata a vice, recorrida, dialoga com o candidato a vice-prefeito que fazia oposição aos ora eleitos.

Os recorridos defendem a ausência de conhecimento dos candidatos Paulo Antônio Schwade e Janice Tatiane Baubach sobre o teor da conversa, e a falta de ilegalidade na ação praticada por Juliano Cavalheiro da Cruz.

O juízo a quo concluiu não ter sido comprovada a ciência dos candidatos eleitos quanto à conversa realizada pelo seu apoiador, noivo da candidata eleita como vice-prefeita, e que o diálogo se resume a tratativas sobre a formação de coligações, sem oferta de vantagem para a desistência da candidatura.

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela manutenção da sentença, pois se trata de mera tentativa de obtenção de desistência da candidatura, e não de negociação em troca do voto, e porque o fato não teve reflexo na campanha ou nas eleições nem prejudicou a legitimidade do pleito, diferindo dos julgados em que a cooptação do candidato foi efetivamente alcançada com base em vantagens dadas ou ofertadas.

A ação se fundamenta na gravação ambiental (ID 41555183) realizada pelo candidato Daniel Ribeiro da Silva, na própria residência, da conversa por ele travada com o recorrido Juliano Cavalheiro da Cruz, a qual foi registrada em ata notarial (ID 41555133).

Os principais trechos do diálogo foram assim reproduzidos na peça recursal (ID 41559283), com grifos dos recorrentes:

(...)

Ali, em verdade, fica patente a oferta de cargo público e dinheiro, como se vê aos 00:37s do áudio, ocorre a primeira tentativa:

JULIANO: então não tem jeito Dani?

DANIEL: não Juliano, nós vamo manter nossa (inaudível), mais a, que nem eu falei, amizade é

JULIANO: não Dani, eu não vim aqui por causa de se tu tá brabo comigo ou eu to brabo contigo. Não não não

DANIEL: com certeza, se eu tivesse brabo eu nem iria te receber.

JULIANO: é que nóis conversemo, eu e a Janice e o Paulo daí o Paulo disse: não nós temo tinha que chamar o Dani pro nosso lado de novo.

Posteriormente, a 01:29min, ocorre a segunda tentativa:

JULIANO: não tem jeito então Dani?

DANIEL: não Juliano, vamo mante como tá

JULIANO: que que tu quer pra vim pro nosso lado?

DANIEL: não mas não não tem

JULIANO: pode fala home

DANIEL: não, isso não

Nota-se a insistência de Juliano, nas duas degravações acima com o mesmo questionamento, se não tem jeito de mudar de lado.

Logo após, aos 07:03min, ocorre a terceira tentativa:

JULIANO: eu não vim aqui Dani a mando de Magnus, Magnus não.

DANIEL: não

JULIANO: pior que não é isso. É, eu vim aqui porque o Paulo e a Janice falaram ó: “vai lá tu que tem mais contato com o Dani, conhece mais o Dani, vá lá e fala pro Dani e o que ele disser nós vamo, nós vamo faze”

DANIEL: mas não

JULIANO: se tu quer vim pro nosso lado

DANIEL: não, acho que na verdade agora é tarde Juliano, agora não tem como, já já tá tudo não, dai eu taria traindo o Dieison no caso né.

Ainda, aos 11:23min, ocorre mais uma tentativa de comprar a desistência da candidatura do Daniel, e o seu consequente apoio político:

JULIANO: eu vim aqui porque o Paulo e a Janice disseram vai lá e ve o que o Dani e eles querem pra vim pro nosso lado. Ou se tu preferir que eles venham aqui, eles vão vim aqui.

DANIEL: mas não adianta Juliano (inaudível), não se quiser vim passear tudo bem néJULIANO: não eu sei né, mas

DANIEL: (inaudível) não é por se

JULIANO: tivesse interesse em vim com nós

(...)

 

Conforme se depreende do conteúdo da conversa, o tema tratado não foi a formação de coligações para as eleições de 2020, pois o diálogo aconteceu em 4.10.2020, após o prazo para candidatos, partidos e coligações apresentarem o pedido de registro de candidatura para concorrer no pleito.

Na ocasião, o candidato a vice-prefeito Daniel Ribeiro da Silva já havia inclusive apresentado o seu requerimento de registro, o qual estava pendente de julgamento (processo Rcand n. 0600213-83.2020.6.21.0091, que tramitou perante a 91ª ZE).

Assim, é inviável a conclusão da sentença no sentido de que o diálogo tratou de formação de coligações ou alianças políticas.

Quanto à prática de captação ilícita de sufrágio, tem-se que o art. 41-A e § 1º da Lei n. 9.504/97 preveem como ilícita a oferta ou promessa de vantagem pessoal de qualquer natureza com o fim de obter o voto, sendo desnecessário o pedido explícito, bastando a evidência do especial fim de agir:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.(Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2ºAs sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3ºA representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

 

Ocorre que a conversa retratada é bem clara e não houve tentativa alguma de compra do voto, sequer tendo sido mencionada, ainda que de passagem, a intenção de obter-se o voto de Daniel. Do conteúdo do diálogo, sobressai nítido que sequer havia interesse eleitoral em comprar o voto de Daniel a favor dos candidatos.

Ao escutar-se a íntegra da gravação, bem se vê que Daniel afirma ter relação de amizade com Juliano, e este declara que os candidatos Janice e Paulo haviam dito que tinham de “chamar o Dani pro nosso lado de novo”, ao que Daniel responde que manterá tudo como está. Juliano informa que foi ter a conversa a mando de Paulo e Janice, por ter “mais contato” e conhecer mais “o Dani”, e pergunta o que ele quer para ir para o lado deles. Daniel responde que não há nada e que, naquele momento, “não tem como”, pois já era tarde, dado que participava da chapa majoritária formada com o candidato a prefeito Dieison Engroff.

Quanto ao vínculo de Juliano com os candidatos recorridos, de fato foi comprovado nos autos ser noivo da candidata a vice-prefeita, pois houve juntada da propaganda eleitoral realizada pela própria recorrida Janice Tatiane Baubach, a qual divulgou áudio de campanha afirmando ser noiva do recorrido Juliano (ID 41555233).

Todavia, a fala não se amolda ao ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Segundo leciona Francisco de Assis Vieira Sanseverino, o dispositivo protege, de maneira específica, o direito de votar do eleitor, nos aspectos da sua liberdade de consciência e de opção, e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274).

O ilustre autor aponta que, para o enquadramento da conduta no art. 41-A deve haver a compra ou negociação do voto do eleitor, com promessas de vantagens tensionadas a corromper o voto, estabelecendo-se uma relação de mercancia, uma negociação em troca do voto.

Assim, não há, na prova apresentada, a demonstração de que a conversa em questão foi realizada com o fim de obter o voto de Daniel. Pelo contrário, da análise do diálogo verifica-se o total desinteresse na compra do voto do candidato.

A mesma conclusão foi alcançada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 42790583):

Ocorre que, no caso, também fica claro que o objetivo da negociação não era obter o voto do eleitor Daniel Ribeiro da Silva, e sim garantir o apoio político do candidato. Tal conclusão, aliás, emerge tanto da conversa registrada em ata, quanto das próprias declarações contidas na inicial, uma vez que Daniel, já tendo sido filiado ao MDB e representando oposição ao grupo político que comandava o executivo municipal, além de contar com suposta baixa rejeição, teria potencial de atrair capital político para a chapa dos candidatos representados, também de oposição, caso manifestasse o seu apoio.

 

Relativamente à prática de abuso de poder econômico, de fato a jurisprudência eleitoral tem se orientado no sentido de que a compra de apoio político, seja para a realização de campanha, seja para a desistência de candidatura, pode apresentar gravidade suficiente para o severo juízo de cassação do diploma, na forma do art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Conforme entende o TSE, “a cooptação de apoio político, a despeito de não configurar captação ilícita de sufrágio, ostenta gravidade suficiente para ser qualificada juridicamente como abuso de poder econômico, sempre que, à luz das singularidades do caso concreto, se verificar que o acordo avençado lastreou-se em contrapartida financeira a vilipendiar os cânones fundamentais da igualdade de chances e da legitimidade e normalidade do prélio eleitoral” (REspe n. 458-67/PI, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15.2.2018).

E o caso dos autos tem uma peculiaridade, a qual difere de quase toda a totalidade dos precedentes sobre o tema, pois a conversa retrata ter havido somente a tentativa de obter a desistência da candidatura de Daniel, o qual rejeitou a pedido no ato e permaneceu concorrendo no pleito na chapa opositora à dos recorridos até o final da eleição.

Ao analisar esse contexto, a Procuradoria Regional Eleitoral concluiu pela ausência de demonstração da gravidade do fato para influir na legitimidade e normalidade da eleição, referindo que nos julgados envolvendo compra de desistência de candidatura a cooptação foi efetivamente alcançada.

Em verdade, o tema foi julgado por este Tribunal no ano de 2013, nos autos do acórdão no RE 198-47.2012.6.21.0091, da relatoria do Dr. Jorge Alberto Zugno e procedente da mesma zona eleitoral deste feito.

No julgamento, confirmado pelo TSE por acórdão relatado pela Ministra Luciana Lóssio, restou reconhecido o abuso de poder, e foram cassados os diplomas de prefeito e vice-prefeito eleitos em Crissiumal – mesma zona eleitoral deste feito – com declaração de inelegibilidade e determinação de renovação da eleição, em face da tentativa de obter a desistência de dois candidatos a vereador, para que apoiassem a candidatura adversária. Colaciono as respectivas ementas:

Recursos. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Abuso de poder econômico. Eleições 2012.Improcedência da ação no juízo originário. Afastada a matéria preliminar. Não há perda de objeto em face de diplomação já realizada, pois a procedência da ação de investigação judicial eleitoral, ainda que após a proclamação dos eleitos, poderá levar à inelegibilidade do candidato, bem como a cassação do seu registro ou de seu diploma. Rejeição da prefacial de ilicitude de prova. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. A conduta perpetrada pelos recorrentes, consistente em oferecer dinheiro e prometer cargos públicos a dois candidatos à vereança da coligação adversária para que estes desistissem da disputa eleitoral em apoio à candidatura dos recorridos, configura, modo inequívoco, abuso de poder econômico. Negociações político-partidárias são comuns e ínsitas ao regime democrático quando precedem às convenções. Fatos que ocorreram em pleno período eleitoral, no ápice da campanha política. A tentativa de desistência de uma candidatura por compra ou promessa de benesses possui maior poder lesivo do que a compra de alguns votos. A ilicitude está estampada nas verbas oferecidas a cada candidato, que sequer poderiam ser registradas na prestação de contas, sob pena de desaprovação. Reconhecida a gravidade das circunstâncias a que alude a nova redação do inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, apta a engendrar o comprometimento da normalidade e da legitimidade do pleito, seja pela conduta praticada próxima ao pleito, seja pelo amplo contingente de votos potencialmente corrompidos, haja vista a oferta ter sido direcionada a candidatos à vereança, maiores cabos eleitorais dos postulantes a cargo majoritário. A procedência de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral não implica, necessariamente, duplo sancionamento do representado. A sanção de inelegibilidade exige prova da responsabilidade subjetiva do sujeito passivo, através de uma conduta comissiva ou omissiva, ao passo que para a aplicação da pena de cassação do registro ou de diploma basta a mera condição de beneficiário do ato de abuso, sem necessidade da prova do elemento subjetivo. Inequívoca a responsabilidade e o agir do candidato a prefeito, o que faz incidir a sanção de inelegibilidade por 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2012. Afastada a sanção de inelegibilidade ao vice-prefeito, porquanto não demonstrada a sua participação na perpetuação do ilícito. Diploma cassado do prefeito e seu vice. Realização de novas eleições majoritárias no município, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral, visto tratar-se de nulidade que atinge mais de metade dos votos do município. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 19847 RS, Relator: DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Data de Julgamento: 16.04.2013, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 68, Data: 18.04.2013, Página 4.)

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. APOIO POLÍTICO. NEGOCIAÇÃO. CANDIDATOS. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. REGISTRO. CASSAÇÃO. INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. A oferta de valores a candidato, com intuito de comprar-lhe a candidatura, configura a prática de abuso do poder econômico. 2. A aferição da gravidade, para fins da caracterização do abuso de poder, deve levar em conta as circunstâncias do fato em si, não se prendendo a eventuais implicações no pleito, muito embora tais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato. 3. A negociação de candidaturas envolvendo pecúnia, sobretudo quando já deflagradas as campanhas, consubstancia conduta grave, pois exorbita do comportamento esperado daquele que disputa um mandato eletivo, e que deveria fazê-lo de forma equilibrada em relação aos demais concorrentes. 4. Recurso desprovido.

(TSE - REspe: 19847 RS, Relator: Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data de Julgamento: 03.02.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 42, Data: 04.03.2015, Página 219/220.)

 

Ocorre que o precedente, apesar de se tratar da tentativa de obtenção de apoio, diverge da hipótese dos autos, pois, no RE 19847, o candidato a prefeito, pessoalmente, ofereceu R$ 5.000,00 a cada um dos dois concorrentes a vereador, a fim de que desistissem da candidatura e passassem a apoiá-lo. O seguinte trecho do acórdão narra a questão fática:

Inicialmente reforço que a prova dos autos é exaustiva quanto ao ocorrido naquele município, sendo que o próprio Walter, então candidato a prefeito de Crissiumal confessa tal circunstância em seu depoimento relativamente à oferta feita a Valério Ruppertal, sendo que a feita a Celso foi demonstrada pela gravação da conversa telefônica mantida entre este último e o recorrido Walter.

Também a prova testemunhal restou uníssona quanto às benesses oferecidas por Walter, aliada às conclusões da perícia, levada a efeito nos arquivos do CD-R, que continha o teor da conversa entre Walter e Celso, verificando a inexistência de vestígios de edições fraudulentas nos trechos examinados (fls. 173/179).

Pois bem, compartilhando do entendimento da douta Procuradoria, não é possível considerar normal ou simplesmente admissível, em pleno período eleitoral (agosto e setembro), quando já definidas candidaturas e deflagrada a campanha eleitoral, possa um candidato oferecer dinheiro e cargos a cores adversárias em troca de apoio político, sem que haja violação direta na normalidade e legitimidade do pleito.

 

No julgamento do recurso especial eleitoral, o TSE assentou que “a compra de apoio político de um candidato da oposição, ainda que não tenha se concretizado, é conduta altamente reprovável, podendo revelar gravidade suficiente para caracterizar o abuso do poder econômico”.

Como se vê, naquele feito, esta Corte e o TSE concluíram pela gravidade do fato a prejudicar a legitimidade da eleição.

No caso concreto, contudo, entendo o fato exposto nos autos não carrega em si gravidade suficiente a amparar o juízo condenatório.

Conforme afirmam ambos os interlocutores durante a gravação, Juliano e Daniel são amigos próximos e, por conta dessa relação de intimidade, Juliano procurou Daniel. A proposta de apoio, de vir para o lado dos recorridos, limita-se a questionar o que Daniel deseja, o que ele quer, sem oferecimento de bem ou vantagem, e foi imediatamente recusada. O diálogo foi realizado com base num questionamento, e não se verifica, do exame da prova, a oferta de qualquer bem ou de valores.

Nada foi objetiva e concretamente oferecido, e a conversa não foi protagonizada pelos candidatos eleitos, mas sim pelo noivo da vice-prefeita, Juliano, num diálogo privado, isolado, ocorrido na tarde do dia 4.10.2020.

Embora, na audiência de instrução, Daniel tenha afirmado que Juliano lhe oferecera, em nome dos recorridos, uma secretaria municipal, não há indício algum de que a proposta tenha sido realizada, devendo ser recebido com reservas o depoimento de Daniel, por ser o principal interessado no sucesso da demanda, uma vez que, na condição de derrotado, poderia novamente concorrer em eventual renovação da eleição.

De igual modo, também não se pode tomar como certo, a ponto de amparar o juízo de cassação dos mandatos, o testemunho da esposa de Daniel, Adriane Teresinha Teves, no sentido de que Juliano teria oferecido a Daniel uma secretaria e perguntado “quanto ele queria pra desistir da candidatura pro Dieison”. Por certo, o diálogo em si não apresenta negociação de valores.

Ainda que os recorrentes afirmem que a mesma tentativa de compra de desistência de candidatura teria sido bem sucedida quanto a um candidato a vereador, a qual estaria sendo objeto de ação diversa, nada há nos autos a corroborar a tese de que o caso ora retratado é grave o bastante para atrair as sanções de cassação do diploma e declaração da inelegibilidade.

E as demais testemunhas ouvidas durante a instrução em nada contribuíram para a elucidação dos fatos ou para trazer acréscimos ao juízo de valor sobre a conduta apurada, sequer tendo sido invocados seus depoimentos nas razões de reforma da sentença.

O fato é que essa conversa não foi objeto de divulgação ou publicidade na campanha dos recorrentes, permaneceu em sigilo até o ajuizamento da ação, realizado somente em 14.12.2020, demonstrando que o pleito de Humaitá transcorreu tranquilamente.

É dizer: entre a data da conversa (4.10.2020) e o ajuizamento da ação (14.12.2020), o candidato a vice continuou fazendo sua campanha de oposição, foi efetuada a propaganda eleitoral, a publicidade em rádio, em televisão, e ocorreu o pleito em 15.11.2020.

Desse cenário, bem se vê que a reunião particular, realizada entre os amigos Juliano e Daniel, não teve interferência alguma no processo eleitoral em Humaitá, sendo desarrazoado o pedido de cassação dos candidatos eleitos por esse fundamento.

Os recorrentes sequer justificam em que medida, e por qual razão, o conteúdo da reunião entre Juliano e Daniel teria gravidade ou influência na legitimidade da eleição a ponto de motivar a cassação dos eleitos.

Ou seja, após a recusa em “mudar de lado”, o candidato Daniel Ribeiro da Silva seguiu, até o final da eleição, fazendo a sua campanha para vice-prefeito de Humaitá/RS na chapa com o candidato Dieison Jocemar Engroff.

Havia 3 chapas para prefeito, e a chapa de Daniel alcançou o terceiro lugar, obtendo 4,39% dos votos (161 votos). Os candidatos recorridos foram eleitos com 49,84% dos votos (1.829 votos), e o segundo lugar alcançou 45,78% da votação (1.680 votos).

Veja-se, não se está tentando aqui abonar a conduta dos recorridos, muito pelo contrário.

Depois da concretização das candidaturas e de estar estabelecido o cenário da eleição, a cooptação de adversários para que desistam de suas campanhas e passem a apoiar outras ultrapassa o comportamento legítimo e regular de uma disputa política.

Logicamente, é legítima a formação de alianças por ideais e projetos públicos, mas após a candidatura estar pleiteada, a tentativa de desconstituição por meio do poder econômico extrapola o que comumente se tem chamado de boa política.

Mas, no caso concreto, é preciso ter presente que a tentativa de captação do apoio político do adversário foi efetuada por um amigo deste (Juliano), em uma reunião privada e isolada, realizada em 4.10.2020, muito antes do pleito ocorrido em 15.11.2020, e sem a mínima demonstração, nestes autos, de que o fato teve gravidade suficiente para alterar a legitimidade da eleição de Humaitá.

Para levar à procedência da ação a configuração do abuso de poder não depende da gravidade isolada do ato, pois como leciona Zilio, é “indispensável, na avaliação da extensão do dano causado, a visualização dos critérios cronológico (temporal), quantitativo e em relação ao impacto junto ao eleitorado” (Zilio. Rodrigo López. Os elementos necessários à configuração do abuso de poder após a edição da Lei Complementar 135/2010. Revista do TRE-RS. Porto Alegre, v. 16, n. 33. jul./dez.2011, p. 28).

Com isso, tenho que, apesar de reprovável a conduta retratada no diálogo encartado nos autos, não há no fato e nas circunstâncias que o caracterizam gravidade suficiente para a procedência da ação, devendo ser mantida a sentença de improcedência.

 

DIANTE DO EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.