REl - 0600002-28.2021.6.21.0086 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/08/2021 às 14:00

VOTO

Os recursos são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, a sentença recorrida julgou, em conjunto, as Ações de Impugnação de Mandato Eletivo ns. 0600001-43.2021.6.21.0086, 0600002-28.2021.6.21.0086 e 0600003-13.2021.6.21.0086 e as representações eleitorais por captação ou gastos ilícitos de recursos ns. 0600004-95.2021.6.21.0086, 0600005-80.2021.6.21.0086 e 0600006-65.2021.6.21.0086, com fundamento na conexão e continência entre as causas.

A AIME tem assento no art. 14, § 10, da Constituição Federal e comporta cabimento nas hipóteses de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Conforme a jurisprudência do TSE, o abuso do poder econômico “configura-se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou de fonte privada, vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e isentas” (AgR-RO 8044-83, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 5.4.2018 e REspe n° 114/MG, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 25.2.2019).

De seu turno, a representação por infração ao art. 30-A da Lei n. 9.504/97 busca coibir e sancionar a arrecadação e a utilização de recursos em contrariedade às normas que regulamentam o processo de prestação de contas eleitoral, como enuncia o seguinte dispositivo:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[…].

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

 

Consoante se observa do texto normativo, a caracterização do ilícito previsto no art. 30-A requer a subversão do próprio sistema legal de financiamento de campanha, por meio da burla às regras de arrecadação e gastos eleitorais, com rompimento grave da normalidade do pleito.

Sobre o tema, leciona Marcílio Nunes Medeiros (Legislação Eleitoral Comentada e Anotada. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 869):

Para a procedência da representação baseada no art. 30-A da Lei n° 9.504/97, o TSE exige não apenas a demonstração da ilicitude na arrecadação ou gastos, como também que o ilícito ostente gravidade ou relevância jurídica para justificar a aplicação da sanção, levando em consideração no julgamento o contexto da campanha e os valores envolvidos na irregularidade.

 

Conforme narra a agremiação ora recorrente, durante a campanha eleitoral de 2020, os candidatos demandados utilizaram-se largamente da realização de lives no sítio eletrônico da campanha majoritária no Facebook, devidamente registrado junto à Justiça Eleitoral, sob o endereço https://www.facebook.com/arleitomazoni3passos/.

As referidas gravações foram realizadas nas sedes das empresas Conecta Brasil – Fabricação de Artefatos de Madeira Ltda., Fitopharma Farmácias, Centro Educacional Young Ltda. e Society Rodrigues – Locação de Quadras Esportivas, que cederam seus espaços em prol da campanha eleitoral dos candidatos às eleições majoritárias e proporcionais, os quais, durante as transmissões, em certos momentos, teceram agradecimentos aos respectivos proprietários e funcionários, apresentando as instalações, produtos ou serviços, bem como fazendo comentários sobre as características operacionais e econômicas da atividade.

A materialidade das peças de campanha, incluindo prints e resumo das lives, está demonstrada por meio de Ata Notarial, lavrada em 22.12.2020, pelo 2º Tabelionado de Notas e Protestos de Chapecó/SC, acostada aos ID 40042533 e 40042633 (autos n. 0600001-43), não sendo objeto de controvérsia.

O aspecto fulcral consiste, portanto, em verificar se a utilização das instalações das quatro empresas mencionadas, para a divulgação de quatro lives, durante a campanha eleitoral de 2020, configurou o abuso de poder econômico e/ou o recebimento de doações de fontes vedadas, aptos a justificar a severas consequências insculpidas no art. 14, § 10, da CF e no art. 30-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

Na linha da bem-lançada sentença e do judicioso parecer ministerial, entendo que, a despeito das irregularidades evidenciadas, não prosperam os pedidos de cassação dos registros e dos diplomas da chapa majoritária eleita e dos candidatos ao cargo de vereador, eleitos e respectivos suplentes, lançados pelo PSDB e pelo MDB de Três Passos.

A uma, porque, considerado o conteúdo e o grau de impacto diante do eleitorado e  funcionários das empresas, não vislumbro a gravidade necessária e proporcional à decretação de sanção tão severa quanto à cassação do registro ou diploma dos candidatos em razão das quatro lives de campanha, forma de propaganda amplamente manejada nas eleições de 2020, em razão das restrições havidas pela pandemia do novo coronavírus.

A duas, porque os valores estimados das cessões de espaço para a realização dos eventos, na ordem de R$ 1.120,00, não guardam vulto suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral no município, ainda que considerado o seu pequeno porte.

Vejamos.

As transmissões em testilha ocorreram nas empresas Conecta Brasil – Fabricação de Artefatos de Madeira Ltda., Fitopharma, Centro Educacional Young Ltda. e Society Rodrigues, respectivamente, nos dias 13.10.2020, 27.10.2020, 03.11.2020 e 08.11.2020, com duração média de 1 hora de transmissão cada evento.

Em relação à live ocorrida na empresa Conecta Brasil, depreende-se que a gravação ocorreu em ambiente fabril restrito, não acessível ao público, com imagens da rotina operacional do empreendimento, mas não desbordando, portanto, daquela que poderia ser realizada em salões comunitários particulares, em espaços de hotéis ou, inclusive, em residências.

Por outro lado, no tocante às locações nas empresas Fitopharma, Centro Educacional Young Ltda. e Society Rodrigues é possível visualizar o uso de espaços, eventualmente, acessíveis ao público em geral, embora não se perceba, nas imagens, a passagem ou participação de qualquer usuário ou consumidor dos produtos e serviços oferecidos pelos empreendimentos.

Nada obstante, ainda que se cogite que as condutas consubstanciam o ilícito sancionado pelo art. 37, caput e §4º, da Lei n. 9.504/97, diante da vedação da realização de propaganda eleitoral em “bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público”, e nos bens de uso comum por equiparação, sendo “aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada”, a eventual irregularidade das propagandas não acarreta a necessária conclusão quanto ao abuso de poder.

Conforme depreende-se dos autos, as divulgações em questão, embora iniciadas mais de um mês antes das eleições, não foram objeto de qualquer representação própria por propaganda irregular no curso da campanha, o que depõe contra a relevância de sua repercussão e impacto na comunidade.

Ademais, para a cassação dos mandados outorgados pelos eleitores, não basta a ilicitude dos atos praticados, pois, consoante destaca Rodrigo López Zilio, “o critério de constituição do abuso de poder é dado pela gravidade das circunstâncias do ato” (Direito Eleitoral. 7. ed. Juspodivm, 2020, p. 652).

Destarte, é imprescindível a constatação cabal da gravidade das circunstâncias que caracterizam os fatos, a contaminar de modo irremediável a regularidade do processo eleitoral, de acordo com o que prevê o inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, in verbis:

Art. 22. (…).

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

A jurisprudência tem concretizado a expressão por intermédio da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na vertente da proibição do excesso, tendo em conta as consequências jurídicas cominadas à prática do abuso.

Nessa esteira, já decidiu o TSE que:

Com base na compreensão da reserva legal proporcional, a cassação de diploma de detentor de mandato eletivo exige a comprovação, mediante provas robustas admitidas em direito, de abuso de poder grave o suficiente a ensejar essa severa sanção, sob pena de a Justiça Eleitoral substituir-se à vontade do eleitor. Compreensão jurídica que, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento do abuso de poder, além de ensejar a grave sanção de cassação de diploma, afasta o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alínea d, da LC nº 64/1990), o que pode representar sua exclusão das disputas eleitorais.

(TSE - RO: 191942 AC, Relator: Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Data de Julgamento: 16.09.2014, DJE de 08.10.2014.)

 

Dessa forma, cabe verificar, na hipótese fática, se a gravidade dos fatos apurados acarretou uma tamanha quebra na normalidade e legitimidade das eleições que fundamentam, sob os critérios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, a aplicação das severas penalidades de cassação dos mandatos.

Por pertinente ao tema, cabe invocar, ainda, o art. 22, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com a redação conferida pela Lei n. 13.655/18, que estabeleceu critérios norteadores na aplicação de normas penalizadoras de natureza pública: “Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”.

Nesse trilhar, a jurisprudência da Corte Superior é firme no sentido de que “se há fundadas dúvidas acerca da gravidade da conduta, é recomendável dar prevalência à vontade popular exsurgente das urnas” (REspE n. 114, Relator Min. Admar Gonzaga, DJE de 25.02.2019).

Partindo de tais premissas, nas circunstâncias do caso concreto, entendo ausente flagrante e inexorável abuso na utilização dos prédios e de imagens do funcionamento de empresas privadas na transmissão de lives de campanha eleitoral, por óbvio, com natural enfoque nos projetos políticos relativos ao setor e no ramo empresarial em destaque.

Outrossim, não há elementos probatórios, sequer alegações, no sentido de que houve alguma forma de coação ou de obrigatoriedade de participação em relação aos trabalhadores respectivos.

Em realidade, depreende-se do caderno probatório que as instalações foram utilizadas apenas como cenário ou contexto das lives, abordando temas afetos às áreas de atuação de cada um dos empreendimentos, com imagens de suas dependências e de suas características comerciais e produtivas, sem implicação direta ou indireta de funcionários ou proprietários nas gravações e sem aparente participação do público externo.

Quanto às falas divulgadas, não se percebem excessos além do proselitismo eleitoral que poderia ser veiculado por qualquer candidato, com exaltação dos empreendidos existentes no município, incluindo imagens ilustrativas, com promessas de incentivos para os setores econômicos sob destaque, com alusão ao apoio político recebido de empresários locais, bem como com demonstrações de afinidade e preocupação com determinadas categorias econômicas e seus trabalhadores.

Seguindo sob a ótica da arrecadação de recursos ilícitos de campanha, coibida nos termos do art. 30-A da Lei das Eleições, o recorrente sustenta que os candidatos, ora demandados, beneficiaram-se de doações estimáveis em dinheiro advindas de pessoas jurídicas, que estariam materializadas na cessão gratuita dos espaços das empresas, as quais não foram registradas nas contas de campanha.

Em defesa, os candidatos sustentam que, de acordo com o declarado nas contas do concorrente ao cargo majoritário, Arlei Tomazoni, houve a contratação de empresa profissional para a realização das produções audiovisuais, em valor compatível com os padrões de mercado, qual seja, a “Jairo André Renz ME”, ao custo de R$ 6.509,00.

Alegam, ainda, que, nos termos do contrato estabelecido entre a produtora e o candidato Arlei Tomazoni, as locações para lives seriam buscadas pela empresa, incluídas as despesas de locação no valor total da contratação, como consta no instrumento de ajuste acostado ao ID 40051583 (autos n. 0600001-43), pelo qual “todas as despesas para a produção dos vídeos correrão por conta da CONTRATADA, inclusive com o pagamento de serviços de terceiros, locação de espaços para gravação e materiais cenográficos”.

Buscando corroborar a alegação, os candidatos acostaram recibos de pagamento por locação de sala para transmissão de live, emitidos pelo Centro Educacional Young Ltda., no valor de 200,00 (ID 40043883, autos n. 0600001-43), e pela empresa Society Rodrigues, na monta de R$ 360,00 (ID 40043833, autos n. 0600001-43).

Quanto às empresas Conecta e Fitopharma, os candidatos alegaram, apenas, que os respectivos proprietários ofereceram o uso dos locais de forma gratuita, em razão das relações mantidas com Jairo André Renz, que confirmou a circunstância em seu depoimento, afirmando ser “conhecido” dos empresários.

Entretanto, quanto ao ponto, entendo que agiu com acerto a magistrada a quo ao concluir pela inidoneidade do ajuste contratual relativo às supostas locações, posto que o conjunto probatório carreado não confere segurança acerca da fonte de custeio dos espaços utilizados, cabendo transcrever a minudente análise tecida pela douta Dra. Leila Andrade Curto, Juíza da 86ª Zona Eleitoral, que colho como razões de decidir:

Em análise do documento acostado, entretanto, verifica-se que este contém vícios que tornam duvidosa sua celebração e efetivação em seus termos, indicando a celebração de negócio jurídico simulado.

Primeiramente, como pontuado pela parte autora, o documento não foi datado. Embora tal constatação não atraia, por si, o reconhecimento da invalidade ou inexistência do pacto, torna ao menos duvidoso o teor de tal conteúdo, sobretudo considerando que o mesmo não foi subscrito por pessoas leigas, destacando-se a subscrição, como testemunha, do assessor jurídico da campanha eleitoral, o requerido Nader Umar.

Soma-se a isso algumas inconsistências verificadas no depoimento da testemunha, que foi contratado por referido contrato, que não se recordava a data de celebração do acordo e, tampouco, quem seriam as testemunhas que em sua presença teriam assinado o contrato.

Quanto ao mais, os relatos da testemunha, quando indagada sobre a forma de composição de seu preço, não foram firmes e tampouco evidenciaram, de forma clara, como realizado o cálculo do preço do serviço cobrado, sobretudo em momento anterior à definição da quantidade de eventos realizados ou dos preços de locação que seriam cobrados.

Tais elementos probatórios indicam, pois, que o negócio jurídico firmado foi simulado, atraindo sua nulidade.

Os recibos acostados aos autos, que indicariam que houve pagamento para a realização de duas das quatro “lives” realizadas, não infirmam tal conclusão, considerando que as provas colacionadas aos autos não respaldam a tese de incumbiria ao contratado o pagamento da locação dos espaços e que este teria pago dois dos locais alugados.

Sobre o tema, destaca-se que, em audiência de instrução, a testemunha Jairo Renz foi questionada sobre o porquê do pagamento à empresa Yong e à empresa Society, pela cessão do espaço para a realização das “lives”, nos dias 03/11/2020 e 08/11/2020, e, a ausência de pagamento em relação à Fitopharma e à Conecta, cujos espaços foram utilizados em 13/10/2020 e 27/10/2020. Referiu que pagou às empresas que normalmente locam o seu espaço ao público, e que, por ser conhecido dos demais proprietários, os mesmos não lhe cobraram.

Ademais, quando questionado em audiência sobre como realizou a composição do preço dos serviços cobrados à chapa ARLEI e IPÊ, o Sr. Jairo não soube responder. Fez menção genérica que teria aumentado o próprio lucro com as empresas que não lhe cobraram.

Os advogados do autor também questionaram os recibos de pagamento (Id 76646517 – Society, datado de 08/11/2020 e Id 76646518 Centro Educacional Yong Ltda., datado de 03/11/2020), se haviam sido lançados na contabilidade da empresa da testemunha, sendo que o Sr. Jairo referiu que por se tratarem de recibos de pagamento e não de notas fiscais, os mesmos não foram lançados em sua contabilidade. Afirmou que pagou as empresas pela cessão do espaço, conforme os recibos fornecidos.

 

Embora os recibos constem dos autos, não há a comprovação da realização das transferências eletrônicas dos valores pela empresa Jairo André Renz – ME aos contratados, tampouco há comprovante de depósito destes valores. No caso em tela, o simples recibo, não tem a força para comprovar o efetivo pagamento pela cessão dos locais utilizados nas “lives”, ou seja, os recibos não possuem respaldo, pois, o contrato que lhes deu origem, como referido anteriormente, não possui os elementos mínimos para a formação de um contrato jurídico, sequer constou a data. Inclusive, Jairo não recordava quem havia testemunhado a celebração do acordo.

Ainda, indagada a testemunha acerca da razão pela qual teria pago ao requerido Nader, subscritor do recibo relativo à “live” realizada no centro educacional, pela utilização de seu estabelecimento empresarial, alegou que entende que quando se utiliza do espaço é “justo” o pagamento pela locação, em contradição com a afirmação anterior de que não efetuou o pagamento da locação para duas das empresas que cederam seus espaços.

Nesta seara, cabe destacar, ainda, que a testemunha admitiu que apenas sugeria os locais para realização dos eventos de campanha eleitoral, cabendo aos candidatos a aprovação dos locais.

Diante de todo o exposto, não há outra conclusão possível senão que foi o contrato em questão simulado, assim como os recibos acostados aos autos, uma vez que, pelos elementos contantes dos autos, depreende-se que não foi estabelecida obrigação ao contratado de locar os estabelecimentos em que realizadas as “lives”, uma vez que a cedência foi gratuita, caracterizando evidente doação estimável em dinheiro pelas quatro pessoas jurídicas mencionadas na exordial.

 

De fato, tratando-se de gastos de campanha eleitoral, nos quais vigoram os princípios da publicidade, da transparência das contas e do interesse público, cumpriria a demonstração, por meios hábeis e escorreitos, da composição do contrato, inclusive de eventuais subcontratações, e dos pagamentos realizados pelo fornecedor direto de serviços, a exemplo de comprovantes bancários, dentre outros meios, sob pena de se chancelar o mascaramento dos verdadeiros doadores ou beneficiários dos gastos eleitorais, ocultados por meio de contratados interpostos entre o fornecedor/doador e o candidato.

No entanto, na hipótese, as inconsistências intrínsecas do termo contratual não se limitam à omissão da data de sua formalização, pois estão igualmente ausentes em seu objeto referências à quantidade e à duração dos vídeos, elementos claramente essenciais à caracterização do serviço e à apuração de seu valor.

Ademais, os recibos particulares apresentados e a inexistência de contratos de locação ou notas fiscais, inclusive referentes à empresa Society, cujo objeto é o aluguel de espaços esportivos, não se mostram congruentes com relações negociais entabuladas entre pessoas jurídicas.

Sobressaem, ainda, as fragilidades e contradições da narrativa extraída do depoimento de Jairo André Renz, única testemunha ouvida durante a instrução, quanto à seleção dos locais e aprovação prévia dos candidatos, bem como acerca do modo como formalizados os pagamentos ou acertada a cessão gratuita, conforme transcrições destacadas pelo minucioso Procurador Regional Eleitoral:

[advogado] O Senhor mencionou o Young né?

[depoente] Sim.

[advogado] O Young foi pago né?

[depoente] Foi pago.

[advogado] O senhor tem conhecimento de quem é o proprietário do espaço ali?

[depoente] É o Nader.

[advogado] O Nader candidato? Candidato a vereador? O Nader não foi o candidato a vereador que apoiou o Prefeito eleito?

[depoente] Sim.

[...]

[advogado] E o Nader sendo companheiro lá porque que ele, somente ele parece que (…) foi cobrado pelo espaço e os demais não cobraram? Poderia me dizer por quê?

[depoente] Porque ele locava o espaço ali, foi questão minha, opção minha remunerar quem fosse necessário, porque iríamos estar usando o espaço, mexendo no espaço, eu ia adequar o espaço necessário, até como algo simbólico ou a taxa que fosse para limpeza ou re manutenção… então, não tem porque não pagar a pessoa se ela está me cedendo o espaço dela, é justo, a não ser quem não fez questão, quem não tinha um espaço público.

[...]

[advogado] Esses valores que constam pelo que seria pago para o senhor pelo contrato, se o senhor chegou a ver que representou dez por cento do seu lucro?

[depoente] Dez por cento?

[...]

[advogado] Esse pagamento o senhor fez como? O senhor tem recibo? Como foi feito o pagamento do local?

[depoente] Foi em dinheiro, foi pessoal.

[advogado] E o senhor tem recibo disso?

[depoente] Peguei recibo sim.

(...)

[advogado] Na sua contabilidade o senhor já lançou esses pagamentos?

[depoente] Tem pagamentos até que faço pessoal que eu não peço nota fiscal.

(…)

[advogado] Se nós pedir hoje que a juíza solicitasse hoje a documentação o senhor teria ela para nos fornecer?

[depoente] Que tipo de documentação? Qual documentação?

[advogado] O recibo, por exemplo, que o Senhor está me dizendo.

[depoente] Olha, o recibo geralmente eu não faço, porque não conta como imposto de renda nada, só passo nota fiscal, com despesas fiscais.

[...]

[advogado] Só com relação ao recibo, o Nader assinou para o senhor o recibo do Centro Educacional Young?

[depoente] Sim.

[...]

[advogado] Eram previamente aprovados pelos candidatos então?

[depoente] Pelos candidatos não sei, eu tratava com a equipe de campanha, quem aprovava eu não sei quem.

[advogado] Inclusive os locais onde eram realizadas as lives eram aprovados por eles?

[depoente] Por eles quem Doutor?

[advogado] Por essa coordenação de campanha a quem o senhor se refere ou pelo próprio candidato.

[depoente] (…) se estava de acordo, se fechava com a proposta sim, o pessoal lá passei, tranquilo.

[advogado] A comissão de campanha ia lá e dava ok?

[depoente] Ahã.

[advogado] O senhor não tinha como impor para eles ó, vai ser em tal local.

[depoente] Não, até se eu quisesse colocar, não tentei, não saberia lhe dizer, se eu poderia impor porque eu não tentei fazer isso, não foi necessário, então, não se lhe dizer se seria necessário ou não tentar impor algo.

[advogado] (…) então ele sabia com antecedência o local onde seria feita a live?

[depoente] Sim, eu passava pra eles no dia anterior, ou, né, antes, eu passava para ser feito, foi feito no local, se falava era

aprovado ok, nós fazíamos lá.

 

(…).

 

[juíza] Eu só queria, tenho uma pergunta para o Senhor Jairo (…) O Senhor, no momento acho que estava respondendo às perguntas do autor, disse que entendeu que seria cabível o pagamento quando estava fazendo menção ao espaço … relacionado ao Senhor Nader, que seria justo o pagamento para a utilização do espaço, e como [inaudível] por que uma das empresas não teria recebido, assim, como seria o acordo que foi feito?

[depoente] Bom, as empresas que não são públicas né, que não têm conotação pública, por exemplo, a Farmácia não tem, não se mensura o que se pode pagar. Já um espaço que tem como objetivo locar eu achei por certo pagar eles pelo espaço pelo que oferecem. Já como a outra empresa Conecta não tem, não loca espaço para utilizar isso, até como eu colocaria um valor, ou eles, um valor. Então, por serem pessoas conhecidas, e eu conheço eles, tenho uma relação de trabalho, não foi acertado valor, nada, foi simplesmente por me oferecendo espaço de boa vontade né.

[juíza] Mas eles ofereceram para o senhor aí o espaço, aí pagaram para o senhor?

[depoente] Sim, sim, porque eu conheço eles já há algum tempo, esse pessoal, faço trabalho com eles então tenho alguma relação.

 

Nessa medida, sendo inequívoco o uso das instalações empresariais para produção dos meios de propaganda, entendo que deve ser reconhecido que o candidato Arlei Tomazoni e Rodrigo Glinke, em benefício, também, aos concorrentes a eles vinculados no pleito proporcional, efetivamente, receberam doação estimável em dinheiro, ainda que de forma indireta, das pessoas jurídicas em questão, por meio da cessão gratuita de espaço nas instalações empresariais, a fim de transmitir lives de campanha eleitoral, em infringência ao disposto no art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 e ao decidido pelo STF no julgamento da ADI n. 4.650/DF, em 17.9.2015.

Ocorre que, mesmo sob o prisma do recebimento de fontes vedadas de recursos e da omissão de receitas na prestação de contas, consoante bem ponderado pela Procuradoria Regional Eleitoral, “os fatos objeto do presente feito não possuem densidade suficiente para comprometer a normalidade e legitimidade do pleito”.

Com efeito, mais uma vez, é necessária a prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado, eis que estamos diante de sanção severa de cassação de mandato eletivo, de forma que a intervenção da Justiça Eleitoral deve se restringir apenas aos casos em que forem caracterizados graves ilícitos, comprovados por robusto e firme acervo probatório, e que, em juízo de ponderação, seja inequívoca a razoabilidade e proporcionalidade das aludidas sanções.

Assim, a jurisprudência do TSE enuncia que a incidência das consequências jurídicas dispostas no art. 30-A da Lei das Eleições está associada à gravidade do evento e às circunstâncias que o cercam, as quais devem possuir relevância jurídica ou configurarem uma ilegalidade qualificada, suficiente para comprometer a moralidade, transparência e higidez das regras de captação e gastos eleitorais.

Nesse sentido estão os seguintes julgados:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97.CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS. DOAÇÃO POR PESSOA FÍSICA SEM CAPACIDADE ECONÔMICA. ARRECADAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE SUFICIENTE PARA MACULAR A LISURA DO PLEITO ELEITORAL. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA REPRESENTAÇÃO, AFASTANDO-SE A CASSAÇÃO DO MANDATO DO RECORRENTE. 1. O art. 30-A da Lei das Eleições visa coibir práticas ilícitas relativas ao uso de recursos financeiros em campanhas eleitorais que possam acarretar o comprometimento da lisura do pleito e o desequilíbrio entre os candidatos na disputa. 2. A relevância jurídica dos fatos impugnados, ou a gravidade deles, é balizadora da incidência da severa penalidade de cassação do diploma de candidato eleito, razão pela qual o ilícito descrito no indigitado art. 30-A não se confunde com irregularidades contábeis apuradas em processo próprio de prestação de contas, as quais, se detectadas, ensejam, naquela seara, as consequências apropriadas. 3. É assente neste Tribunal Superior que a doação eleitoral, realizada por pessoa física sem capacidade econômica, configura captação de recursos de origem não identificada, apta a caracterizar o ilícito inscrito no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, desde que o fato consubstancie ilegalidade qualificada ou possua relevância jurídica suficientemente densa para macular a lisura do pleito. Precedentes. Na hipótese dos autos, a arrecadação de recursos de origem não. 4. Na hipótese dos autos, a arrecadação de recursos de origem não identificada no valor de R$6.000,00 (seis mil reais), afigura-se inapta para atrair a reprimenda contida no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, visto que não se verifica a gravidade da doação ilegal no contexto da campanha eleitoral. Com efeito, embora reprovável, a irregularidade não repercute substancialmente no contexto da campanha para vereador na cidade de São Paulo, a ponto de violar o bem jurídico tutelado pela norma proscrita no art. 30-A e, via de consequência, acarretar a cassação do diploma/mandato do candidato. 5. Recurso especial provido, para julgar improcedente o pedido formulado na representação e afastar a sanção de cassação do diploma, imposta a Camilo Cristófaro Martins Júnior.

(TSE - RESPE: 00017955020166260001 SÃO PAULO - SP, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 18/06/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 25/08/2020, Página 180.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS. PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA DE PROVA DO DESEQUILÍBRIO DO PLEITO ELEITORAL. CONFUSÃO PATRIMONIAL. DESPROPORCIONALIDADE DA CASSAÇÃO DO DIPLOMA. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. Na conformação da conduta ao art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, deve-se levar em consideração a relevância jurídica do ilícito no contexto da campanha, orientando-se pelo princípio da proporcionalidade. 2. A cassação do diploma com fundamento no dispositivo exige ilegalidade qualificada, marcada pela livre vontade do candidato em evitar o efetivo controle pela Justiça Eleitoral, extrapolando o universo contábil a ponto de comprometer a normalidade das eleições. 3. As circunstâncias dos autos, antes de revelarem má-fé do candidato, apontam para mera desorganização contábil da campanha e/ou da empresa, caracterizada a confusão patrimonial entre pessoas físicas, sócias-proprietárias de rádio, e a empresa.4. No caso concreto, a desaprovação das contas de campanha constitui sanção suficiente e adequada ao ilícito verificado, afigurando-se desproporcional a cassação do diploma. 5. Recurso ordinário desprovido.

(TSE - Recurso Ordinário nº 1239, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Relator(a) designado(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 03/08/2018.) (Grifei.)

 

In casu, a cedência aludida abarcou espaços restritos para a realização de lives com duração média de 1 hora de transmissão, sem aparente comprometimento ao funcionamento normal das empresas ou à rotina de seus funcionários.

O conjunto das doações estimáveis em dinheiro restou determinado pela juíza sentenciante em R$ 1.120,00 com base nas informações fornecidas pela parte ré e, à míngua de maiores parâmetros sobre os preços praticados no mercado local para a espécie, trata-se de valor compatível com o tempo e com a forma de uso do espaço, no diminuto Município de Três Passos.

Nesse ponto, diversamente do que sustenta o recorrente, não agiu a magistrada a quo de forma contraditória por “balizar suas conclusões com fatos e atos jurídicos que acabou de declarar nulos”.

Em realidade, as informações trazidas pelas empresas Centro Educacional Young Ltda. e Society Rodrigues, esta última cujo objeto de atividade é, justamente, a locação de quadras esportivas, foram utilizados como referência para simples estimativa de custo dos serviços prestados gratuitamente pelas demais pessoas jurídicas à campanha.

Em consulta ao Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do TSE (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/), é possível verificar as arrecadações totais de campanha declaradas pelos candidatos ao pleito majoritário de 2020, no Município de Três Passos, sendo que o candidato Arlei Tomazoni obteve o total de R$ 52.336,86; o candidato Jorge Dickel, do PT, registrou um montante de R$ 90.180,00; o candidato Enir Reginatto, do PP, obteve R$ 72.117,16 e o candidato Roberto Prediger, pelo PSB, informou a receita de R$ 23.334,00.

Como se percebe, os valores das doações estimáveis em dinheiro sob análise são flagrantemente diminutos e irrisórios. Qualquer que seja o concorrente ao pleito majoritário considerado, a monta arbitrada poderia ser duplicada para, ainda assim, resultar em cifra muito aquém do parâmetro de 10% da receita global de campanha, o qual a jurisprudência considera, em um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, desmedida, inclusive, para eventual desaprovação das contas.

Outrossim, não houve a produção de elementos de prova que demonstrassem alguma contribuição de maior valor por parte das pessoas jurídicas, mas, tão somente, suposições e alegações genéricas pela agremiação demandante em razão do apoio manifestado por determinados empresários e seus familiares e dos cargos políticos posteriormente ocupados na nova administração.

No aspecto, o recorrente enfatiza que o prefeito eleito escolheu secretários diretamente ligados às pessoas jurídicas em questão, noticiando que “o Secretário de Indústria, Comércio e Serviços de Três Passos, Sr. Carton Cardoso, é marido da proprietária da empresa Fitopharma” e que “o Secretário de Planejamento e Obras, Sr. Nader Ali Umar (que afastou-se da vereança para assumir o cargo político) é proprietário da empresa Centro Educacional Young”.

Em verdade, arranjos políticos na formação do secretariado, com acomodação de aliados dos mais diversos segmentos de base eleitoral, é algo ordinário em nosso sistema político e, por si, não induz à conclusão de que eventual militância ou contribuição financeira à campanha tenha ocorrido como contrapartida à futura nomeação, em um contexto de negociação dos cargos.

Assim, o reconhecimento de suposta cooptação ilícita de recursos financeiros pela mercantilização de cargos públicos demandaria prova cabal e inconteste nesse sentido, o que não se vislumbra nos autos.

Diante disso, não podem ser presumidos os fins ilícitos do suporte político e financeiro proporcionado pelos aludidos eleitores, nem é possível deslegitimar as nomeações realizadas, as quais, cumpre enfatizar, pelo que consta dos autos, ocorreram como de modo geral acontecem, ou seja, recaíram sobre nomes atuantes no cenário político que se comprometeram com o projeto de governo desde os esforços de campanha.

Colho, a propósito, a elucidativa análise do douto Procurador Regional Eleitoral:

Ainda, convém explicitar que aos empresários, enquanto pessoas físicas, tal como a qualquer cidadão, é permitido manifestar ideias políticas, apoiar um dado candidato, filiar-se a determinado partido, bem como candidatar se a mandatos eletivos e, eventualmente, vir a exercer funções públicas, devendo daí colher os efeitos positivos e negativos da sua atitude ou orientação ideológica perante a população em geral. (…).

Por outro lado, o fato de tais empresários ou seus familiares eventualmente receberem cargos na Administração Municipal como retribuição ao apoio dado não é ilícito em si. Se eventualmente, para tanto, houve abuso de poder econômico, este deveria ter sido comprovado, demonstrando-se que foi grave o suficiente para afetar a normalidade e legitimidade do pleito, o que não ocorreu no presente caso.

 

Por sequência, a falta de demonstração em concreto da relevância ou gravidade dos atos praticados se agiganta em relação aos candidatos lançados ao cargo de vereador do município, que tiveram uma participação apenas coadjuvante, eventual e limitada nas diversas lives.

Embora os candidatos da chapa majoritária tenham protagonizado todos os eventos, os candidatos Noemi, Carmem, Liane, Rosani, Juliano e Evandro participaram apenas da live de 27/10 (Fitopharma). De outra banda, Neusa, Oswaldir, Charles e Daiana estiveram somente na gravação de 03/11 (Centro Educacional Young), bem como Dirlei, Ademar, Claudemir, Ingomar, Nader e Cildor estão presentes unicamente na transmissão de 08/11 (Society Rodrigues).

Portanto, cada um dos mencionados concorrentes à Câmara Municipal atuaram em uma única live e de forma restrita, realizando participações pontuais, variando de cerca de um minuto, em sua maioria, a aproximadamente cinco minutos de exposição em outras.

Dessa forma, os fatos, também referente ao pleito proporcional, não ostentam mínima aptidão para configurar abuso de poder ou arrecadação de gastos ilícitos capazes de gerar grave desequilíbrio às eleições.

No tocante ao recurso interposto pelos candidatos demandados, o apelo visa à reforma da determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.120,00 ao Tesouro Nacional, argumentando que deve ser afastada a falsidade documental reconhecida na sentença, tendo em vista a presunção de veracidade e autenticidade do documento, e que a imposição pecuniária não encontra amparo legal no bojo das presentes demandas.

Quanto ao reconhecimento da autenticidade ou não do contrato e dos recibos apresentados em contestação, concluída a instrução, a questão restou afeita à qualidade e ao valor probante emprestado pela magistrada aos documentos, confrontados com os demais elementos dispostos no caderno probatório, segundo a apreciação motivada do juiz sobre o conjunto de provas produzidas, consoante anteriormente analisado.

Desse modo, diversamente do que sustentam os candidatos recorrentes, entendo que não há de falar em inobservância do procedimento para o incidente de arguição de falsidade documental, decisão extrapetita ou inversão do ônus da prova quanto ao ponto, mas valoração racional e fundamentada das provas produzidas sob o devido processo legal.

Por outro lado, no que concerne à ausência de base legal para a imposição de recolhimento do valor de R$ 1.120,00 ao Tesouro Nacional, entendo que a alegação recursal merece acolhimento.

É sabido que o objeto da AIME é, exclusivamente, a desconstituição do diploma de candidato eleito e eventuais suplentes. Portanto, a imposição de sanção pecuniária ou recolhimento de valores não encontra escopo da aludida ação, por ausência de previsão legal.

Esta é a compreensão pacífica externada pelo TSE:

ELEIÇÕES 2008. IMPROCEDÊNCIA. AIME. FRAUDE. PERDA DO OBJETO. ENCERRAMENTO DO MANDATO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

1. A decisão recorrida refere-se à ação de impugnação a mandato eletivo por fraude julgada improcedente, motivo pelo qual perde supervenientemente o objeto o recurso que busca a cassação de diploma relativo a mandato exaurido (2009-2012). Precedentes.

2. A ação de impugnação de mandato eletivo enseja tão somente a cassação do mandato, não se podendo declarar inelegibilidade, à falta de previsão normativa (AgR-REspe nº 51586-571PI, rel. Min. Arnaldo Versiani, julgado em 10.3.2011).

3. Agravo regimental desprovido

(Ac. de 5.2.2015 no AgR-REspe nº 118232, rel. Min. Gilmar Mendes) (Grifei.)

 

Ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso do poder econômico.

1. Para afastar a conclusão do Tribunal Regional Eleitoral no sentido de que a grande quantidade de obras e serviços realizados em município às vésperas das eleições - que, na sua maioria, não eram essenciais ou atos de mera gestão - tiveram conotação eleitoral e configuraram abuso do poder econômico com potencialidade suficiente para desequilibrar a disputa, seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal.

2. A procedência da AIME enseja a cassação do mandato eletivo, não se podendo impor multa ou inelegibilidade, à falta de previsão normativa.

Agravos regimentais não providos.

(Ac de 1º.3.2011 no AgR-REspe nº 5158657, rel. Min. Arnaldo Versiani.) (Grifei.)

 

Tampouco se mostra viável o recolhimento de valores em sede de representação por infração ao art. 30-A da Lei n. 9.504/97, visto que a previsão trazida no § 2º do referido artigo não estabelece tal hipótese sancionatória, limitando-se à negativa de diploma ou cassação do mandato, bem como à multa prevista no art. 18-B da Lei das Eleições, que diz respeito, exclusivamente, à hipótese de gastos acima do teto global estabelecido para cada eleição.

Assim, a determinação de transferência dos recursos recebidos de fontes vedadas ao Tesouro Nacional, com base no art. 31, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, cuja previsão e aplicabilidade é restrita ao processo de prestação de contas, deve ser afastada, uma vez que sua incidência em sede de AIME ou representação por captação ou gasto ilícito de recursos não encontra amparo legal.

Em desfecho, registro que, embora entendendo pela improcedência das ações, mantenho a determinação de extração de cópia integral dos autos, inclusive a mídia digital produzida em audiência, para encaminhamento ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público Eleitoral, a fim de apuração de eventual prática dos crimes de falso testemunho, fraude processual e do crime eleitoral previsto no art. 350 do Código Eleitoral, como bem constou na sentença.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT DE TRÊS PASSOS e pelo provimento do recurso aviado por ARLEI LUIS TOMAZONI, RODRIGO ALENCAR BOHN GLINKE, DIRLEI ANTUNES DE MOURA, ADEMAR JOSÉ LOPES DA SILVA, CLAUDEMIR ELISIO SENKER, INGOMAR SANDTNER, NEUSA CLERIA PETRY, NADER ALIUMAR, NOEMI IVETE BELING, OSVALDIR JOSE URNAU, CARMEN ROSELI SCHLEMER, LIANE MARIA SCHUSSLER KONRAD, CILDOR RUTSATZ, CHARLES MOISES MULLER, DAIANA VANESSA BALD, ROSANI CLADIR ANTUNES DO NASCIMENTO, JULIANO GILBERTO JUCHUM e EVANDRO LUIZ MOR para julgar integralmente improcedentes as demandas e afastar a condenação ao recolhimento de valores em favor do Tesouro Nacional, mantida, porém, nos termos da sentença, a determinação de encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público Eleitoral.