REl - 0600523-36.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas de REGINA DA SILVA MARETOLI, candidata ao cargo de vereador no Município de Unistalda, foram desaprovadas na origem, em virtude do resultado do exame técnico, que apontou a existência de divergências entre a declaração apresentada pela candidata à Justiça Eleitoral e os extratos eletrônicos, consistentes em:

(1) despesa, no valor de R$ 60,00, em que o beneficiário do pagamento não foi o respectivo fornecedor, mas sim terceiro, alheio à relação jurídica; e

(2) débitos em favor de Maicon Ribeiro dos Santos ME, no montante de R$ 120,00, e de Edison Martins dos Santos, no importe de R$ 300,00, “que não constam de forma identificada em nenhum relatório ou demonstrativo da prestação de contas”.

No que tange ao gasto de R$ 60,00, a recorrente sustenta que “pagou ao estúdio fotográfico, a empresa Neide Aparecida Bertasso Gonçalves, CNPJ 04.399.832/0001-83, com o cheque nº 000003”, mas que “não o preencheu de forma nominal à empresa e nem a recomendou para que não repassasse o cheque a terceiros”, tendo sido o mesmo efetivamente transmitido a “Thomas Mietch Schlosser, dono de uma empresa, a SCHLOSSER MINILAB (CNPJ 09.158.020/0001-60), que presta serviços de revelação de fotos (laboratório fotográfico) a empresa da senhora Neide”, o qual findou por apresentar a ordem de pagamento ao banco.

A esse respeito, registro que a forma de pagamento dos dispêndios eleitorais se encontra disciplinada na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 38, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou 

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

Vê-se, pois, que a norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral, ainda que com recursos privados, como na hipótese, seja cruzado e nominal ao fornecedor.

Uma vez descumprido o preceito, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

In casu, a recorrente reconhece que a cártula foi emitida ao portador e sem cruzamento, de modo que resta incontroversa a irregularidade no procedimento de pagamento da despesa, por infração ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, ainda que o gasto esteja comprovado mediante nota fiscal (ID 28928283).

No que concerne aos demais dispêndios considerados irregulares pelo juízo a quo, contratados com Maicon Ribeiro dos Santos ME e Edison Martins dos Santos, a recorrente argumenta o seguinte:

Quanto aos débitos em favor de Maicon Ribeiro dos Santos ME, no valor de R$ 120,00 encontra-se no Extrato de Prestação de Contas Final, já anexado aos autos (ID 77874419) na página 2 de 4, na seção 2 – DESPESAS, item 2.15 descrito como: Publicidade por materiais impressos → Despesa Contratada = 120,00, Despesa efetivamente paga → outros recursos = 120,00, que se comprova com a nota fiscal, em anexo nos autos (ID 77874403) emitida por Maicon Ribeiro dos Santos ME, nome fantasia Center Cópias, com a descrição do serviço: Impressão de material para uso publicitário – santinhos e a cópia do cheque nº 000004 utilizado para o pagamento (ID 77874403).

Em relação a Edison Martins dos Santos, o serviço por ele prestado à Recorrente está descrito no Extrato de Prestação de Contas Final, já anexado aos autos (ID 77874419) na página 2 de 4, na seção 2 – DESPESAS, item 2.23 descrito como Produção de programas de rádio, televisão ou vídeos → Despesa Contratada = 300,00, Despesa efetivamente paga → outros recursos = 300,00, que se comprova com o recibo de pagamento a Autônomo - RPA e cópia do cheque nº 000007 utilizado para o pagamento (ID 77874401), emitido por Edison Martins dos Santos, CPF 913.077.240-00, com a descrição do serviço: produção e gravação de áudio e cópia do cheque nº 000007 utilizado para o pagamento (ID 77874401).

Diante disso, na linha manifestada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que os esclarecimentos prestados são suficientes ao afastamento das irregularidades, pois inexistente mácula nas despesas em testilha.

Com efeito, constata-se que as despesas de R$ 120,00 em favor de Maicon Ribeiro dos Santos ME e de R$ 300,00 para Edison Martins dos Santos restaram devidamente lançadas na escrituração contábil (ID 28928733), bem como foram regularmente comprovadas, por meio de nota fiscal quanto ao primeiro e recibo de pagamento a autônomo (RPA) no que atina ao segundo, sendo os respectivos pagamentos, em ambos os casos, realizados mediante cheque cruzado e nominativo ao fornecedor declarado (ID 28928383 e 28928333).

Dessa forma, subsiste apenas a falha alusiva à forma de pagamento da módica despesa de R$ 60,00, em favor de Neide Aparecida Bertasso Gonçalves, que representa 2% do total de recursos arrecadados (R$ 3.000,00).

Assim, seja considerando o critério do valor nominal diminuto, seja tomando-se a sua representatividade percentual sobre o conjunto das contas, mostra-se adequado, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, afastar o severo juízo de desaprovação das contas, a fim de aprová-las com ressalvas, na esteira da jurisprudência do egrégio TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DIRETÓRIO ESTADUAL. PERCENTUAL ÍNFIMO. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

SÍNTESE DO CASO

(...).

3. Extrai-se do acórdão recorrido que o valor total das receitas recebidas pela agremiação partidária no exercício financeiro de 2015 foi equivalente a R$ 180.000,00, e o montante das irregularidades verificadas em suas contas foi de R$ 16.441,15, o que corresponde a 9,13% dos recursos obtidos do Fundo Partidário.

4. Na decisão agravada, o recurso especial foi provido, para aprovar as contas com ressalvas.

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

5. O Ministério Público Eleitoral sustenta que a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na decisão agravada decorreu de aferição subjetiva, o que implica vulneração ao princípio da isonomia em relação aos demais casos.

6. A decisão agravada pautou-se na jurisprudência desta Corte acerca da incidência dos aludidos princípios no âmbito das prestações de contas.

7. "A jurisprudência deste Tribunal Superior tem admitido a aprovação das contas, com ressalvas, com fundamento nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, quando verificadas falhas que correspondem a valor ínfimo" (Pet 793-47, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 29.10.2015). Precedentes.

8. Esta Corte já decidiu que "o exame da prestação de contas não pode ficar adstrito apenas e tão somente ao percentual do montante arrecadado e ao total de despesas realizadas em campanhas (i.e., critério proporcional), mas também se impõe a análise tomando como critério o valor nominal que ensejou a irregularidade (i.e., critério quantitativo), de maneira que, verificadas irregularidades em vultosas quantias em valores absolutos, a desaprovação das contas, ainda que em percentual ínfimo se globalmente considerada, é medida que se impõe. Todavia, as irregularidades, quando exteriorizarem valores nominais de pequena monta, não impedem a aprovação com ressalvas das contas do partido político" (PC 247-55, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 1º.3.2018), entendimento reafirmado no julgamento do AgR-REspe 478-20, rel. Min. Luís Roberto Barroso, PSESS 26.9.2019.

9. O aresto recorrido mereceu, assim, reforma para que as contas do partido agravado sejam aprovadas com ressalvas, mantendo-se, todavia, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 16.441,19, por se tratar de aplicação irregular de recursos obtidos do Fundo Partidário.

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-REspe n. 32-82.2016.6.20.0000/RN, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 24, Data: 04.02.2020, pp. 177-178.) (Grifei.)

 

No mesmo sentido, destaco a seguinte ementa de acórdão deste Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – REl n. 41060 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25.6.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data: 27.6.2018, p. 6)

Com tais considerações, em consonância com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, resta impositivo dar-se parcial provimento ao recurso, a fim de se aprovar as contas com ressalvas, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de REGINA DA SILVA MARETOLI, candidata ao cargo de vereador no Município de Unistalda nas eleições de 2020.