REl - 0600044-86.2020.6.21.0159 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, entendo que o recurso é intempestivo, dissentindo da Procuradoria Regional Eleitoral apenas em relação à forma de contagem de prazo recursal, porém alcançando a mesma conclusão pelo não conhecimento do apelo.

Com efeito, a sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral em 04.08.2020, uma terça-feira (ID 28731683, fl. 73).

Assim, em regra, o tríduo previsto no art. 51, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19 teria a sua contagem iniciada no primeiro dia útil subsequente, ou seja, 05.08.2020 (quarta-feira).

Ocorre que, à época de tais eventos, vigia a Portaria Conjunta P-CRE n. 8, de 15 de abril de 2020 (Publicação: DEJERS, n. 63, p. 3, 17.04.2020), que prorrogou por prazo indeterminado as medidas tomadas pelo Tribunal, estabelecidas nas Resoluções TRE-RS ns. 339/2020, 340/2020 e 341/2020, dentre as quais a suspensão dos prazos processuais nos processos administrativos e judiciais, com o objetivo de evitar a propagação do vírus da Covid-19.

Em se tratando de processos físicos, os aludidos prazos somente retornaram a transcorrer a partir de 08.09.2020, em consonância com a Portaria Conjunta P-CRE n. 11, de 31 de agosto de 2020 (Publicação: DEJERS, n. 63, p. 3, 17.04.2020), que positivou o seguinte:

Art. 3º A partir de 8 de setembro de 2020, serão retomados os prazos processuais dos processos físicos em todos os graus de jurisdição da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul.

Ressalto que, contemporaneamente a tais eventos, o processo estava materializado em autos físicos, os quais somente foram digitalizados e migrados para o sistema PJe imediatamente antes da remessa do feito a esta instância recursal (ID 28731683, fl. 88).

Dessa forma, tratando-se de publicação realizada durante o período de suspensão dos prazos processuais em razão da pandemia de Covid-19, cumpre observar a regra de contagem estabelecida pelos Tribunais Superiores para a hipótese, qual seja, de que o marco inicial para a propositura dos recursos será o primeiro dia útil após finda a referida suspensão.

Nessa linha, colaciono o seguinte julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. INOBSERVÂNCIA DO TRÍDUO LEGAL PREVISTO NO ART. 276, § 1º, DO CE. PRAZOS SUSPENSOS POR FORÇA DA RES.-TSE Nº 23.615/2020. PUBLICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS REALIZADA DURANTE O PERÍODO DE SUSPENSÃO. CONTAGEM DO PRAZO. MARCO INICIAL. PRIMEIRO DIA ÚTIL APÓS O FIM DA SUSPENSÃO. PRECEDENTES DO STJ. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 1. O STJ, ao determinar a contagem dos prazos processuais após a suspensão como medida de urgência para a prevenção do contágio pelo coronavírus (Covid-19), estabelecida nas Res.-STJ nºs 5 e 10/2020, assentou o entendimento de que o marco inicial para a propositura dos recursos seria o primeiro dia útil após finda a suspensão, uma vez que as publicações continuaram sendo feitas normalmente durante o referido período. Nesse sentido: AgRg no AREsp nº 1.676.791/PR, rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23.6.2020, DJe de 4.8.2020, e AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp nº 1.617.542/SP, rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 23.6.2020, DJe de 4.8.2020. 2. O acórdão recorrido foi publicado no DJe de 7.4.2020, durante o período de suspensão dos prazos processuais ocorrido entre 17.3.2020 e 3.5.2020, em observância à Res.-TSE nº 23.615/2020. A contagem do prazo recursal teve início em 4.5.2020, segunda-feira, razão pela qual o recurso especial, interposto somente em 7.5.2020, quinta-feira, encontra-se intempestivo. 3. Deve ser mantida a decisão agravada ante a inexistência de argumentos aptos a modificá-la. 4. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE - REspEl: 06018783320186230000 BOA VISTA - RR, Relator: Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 13.10.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, Data 27.10.2020.) Grifei.

 

Com o mesmo entendimento, destaco ementa do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. RECURSO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE RELATOR. PRAZO: 5 (CINCO) DIAS CORRIDOS. ART. 39 DA LEI N.º 8.038 /1990. INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.

1. A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil não alterou o prazo para a interposição de agravo contra decisão monocrática de relator em matéria penal. Portanto, nessa hipótese, está vigente o comando normativo contido no art. 39 da Lei n.º 8.038/1990, ou seja, o prazo para a apresentação do citado apelo é de 5 (cinco) dias corridos.

2. No caso, a decisão agravada foi disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônico/STJ em 25/03/2020, quarta feira, sendo considerada publicada no primeiro dia útil seguinte, ou seja, 26/03/2020, quinta-feira. O prazo recursal de 5 (cinco) dias teve o início da sua contagem suspenso entre 27/03/2020 e 03/05/2020, por força das Resoluções nºs 5 e 10/2020 STJ/GP. Assim, iniciou-se em 04/05/2020 e se encerrou em 08/05/2020. O presente agravo regimental, no entanto, só veio a ser apresentado nesta Corte em 11/05/2020, quando já havia escoado o prazo para a sua interposição.

3. O § 1.º, do art. 5.º, da Resolução n.º 5/2020 STJ/GP, previu, de maneira expressa, que as publicações ocorreriam normalmente durante o período em que os prazos estivessem suspensos. Sendo assim, em relação às decisões publicadas durante a suspensão decorrente da referida Resolução, o lapso para a interposição de recursos tem como marco inicial o dia em que os prazos voltaram a correr, após o término da suspensão, ou seja, 04/05/2020.

4. Agravo regimental não conhecido.

(AgRg no AREsp n. 1.676.791/PR, rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23.6.2020, DJe de 4.8.2020.)

 

Destarte, efetuada a intimação durante o período de suspensão dos prazos, os quais foram retomados a partir do dia 08.09.2020 (terça-feira), o início do cômputo ocorreu na mesma data, encerrando-se em 10.09.2020 (quinta-feira).

O presente recurso, no entanto, somente veio a ser apresentado em 11.09.2020 (ID 28731683, fls. 75-76), quando já escoado o termo final para a sua interposição.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo não conhecimento do recurso em razão da sua intempestividade.

 

DESTACO.

 

Caso superada a preliminar, passo à análise do mérito.

 

DO MÉRITO

No mérito, as contas da agremiação, referentes ao exercício financeiro de 2016, foram desaprovadas pelo juízo de origem, em razão do reconhecimento de doações realizadas por detentores de cargos de chefia ou direção na Administração Pública Direta ou Indireta, nos termos descritos no art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15, sendo determinado, ainda, o recolhimento dos valores correspondentes ao Tesouro Nacional, no montante de R$ 14.242,00, acrescido de multa de 20 %, bem como a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de três meses.

Inicialmente, cumpre referir que, por se tratar de contas relativas ao exercício de 2016, quanto ao mérito, as irregularidades verificadas devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução TSE n. 23.464/15, vigente ao tempo dos fatos.

Ademais, quanto à aplicação da Lei n. 9.096/95, especificamente em relação ao seu art. 31, que trata das hipóteses de fonte vedada, deve-se utilizar a redação vigente à época das doações, sem considerar as alterações trazidas pela Lei n. 13.488/17, cuja vigência principiou em 06.10.2017.

Assim, a previsão legal incidente à espécie é a contida na redação original do art. 31 da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

Com efeito, este Tribunal tem jurisprudência consolidada pela irretroatividade da redação do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.488/17, ainda que, eventualmente, mais benéfica ao prestador de contas, tendo preponderado os princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesses termos, colaciono o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade.)

 

Fixado o regime jurídico incidente à espécie, a controvérsia recursal reside em verificar se os doadores relacionados na tabela constante no parecer conclusivo (ID 28731683, fls. 10-18) enquadram-se no conceito de “autoridade pública” previsto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, conforme regulamentação insculpida no art. 12, inc. IV e § 1°, da Resolução TSE n. 23.464/15, que vedava de forma irrestrita os auxílios pecuniários ofertados aos diretórios por pessoas físicas, filiadas ou não a partidos políticos, no exercício de cargos comissionados de chefia ou direção na Administração Pública Direta ou Indireta.

Os cargos ocupados pelos doadores em questão consistem em secretário adjunto, gestor em excelência de serviço, gestor em democracia participativa, coordenador, chefe de serviço, dentre outros, todos exercentes de cargo de direção ou chefia, segundo os próprios órgãos em que lotados.

O recorrente argumenta que os doadores em questão, embora detentores de cargos em comissão, não se enquadrariam efetivamente no conceito de autoridade pública, sendo necessário diligenciar aos respectivos órgãos para esclarecimentos mais amplos sobre suas situações funcionais.

Entretanto, o exame técnico das contas, quanto ao tema, utiliza um banco de informações alimentado periodicamente a partir de respostas a ofícios encaminhados pelo Tribunal aos entes e órgãos públicos, em que são requeridas as listas de pessoas físicas que exerceram cargos demissíveis ad nutum de chefia e direção na Administração Pública, em dado exercício, para cruzamento com os doadores declarados pela agremiação no mesmo período.

Verifica-se que o objeto dos ofícios encaminhados à Administração Pública é justamente a relação de pessoas que exercem cargos em comissão com função de chefia ou direção, ou seja, aqueles doadores que configuram fontes vedadas de doação aos partidos, conforme o § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/2015.

Assim, sem prova idônea em sentido contrário, não há como afastar a presunção de veracidade e legitimidade das comunicações oficiais, nas quais a própria Administração Pública realiza os enquadramentos das situações funcionais de cada um dos servidores relacionados na informação.

Os demais aspectos suscitados pelo recorrente, tais como o escalonamento hierárquico, o grau de instrução dos servidores ou o nível salarial do cargo, ou mesmo eventual desvirtuamento ou desvio das atribuições que justificam a criação dos cargos comissionados são impertinentes ao deslinde da demanda.

Isso porque a vedação imposta não tem outra função que não obstar o uso da Administração Pública como meio de financiamento político-partidário.

Portanto, o regramento tem por finalidade evitar que servidores cuja situação jurídica funcional seja de livre nomeação e exoneração venham fazer doações aos partidos aos quais se encontrem vinculados, em retribuição ou como condição à nomeação alcançada, pouco importando as características do cargo ou se o exercício fático ocorre ou não nos moldes visados pelo art. 37, inc. V, da CF.

Com essas considerações, não merece reparos a sentença que desaprovou as contas da agremiação e determinou o recolhimento do valor de R$ 14.242,00, correspondente ao montante advindo de fontes vedadas de recursos, ao Tesouro Nacional.

De outra banda, observo que a quantia recebida de fontes vedadas representa 25,97 % da arrecadação obtida pelo partido no exercício de 2016 (R$ 54.834,05), o que inviabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade ou proporcionalidade para mitigar o alcance da falha sobre o conjunto das contas.

Contudo, com respeito à multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, estabelecida na sentença em 20% sobre o valor da irregularidade, máximo legalmente previsto, entendo adequada a sua redução a patamar proporcional à representação da falha, ou seja, para o percentual de 5%, resultando na penalidade de R$ 712,10.

Por sua vez, com base no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, e na linha do entendimento desta Casa, mantenho a condenação à suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de três meses, pois congruente com o percentual da irregularidade frente ao total movimentado.

Em desfecho, registro que se afigura impossível a fixação de honorários advocatícios em razão de sucumbência em feitos tipicamente eleitorais, porquanto, conforme dispõe o art. 4º da Resolução TSE n. 23.478/16, “os feitos eleitorais são gratuitos, não incidindo custas, preparo ou honorários”. 

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, tão somente para reduzir a multa aplicada ao patamar de 5% do valor das irregularidades, ou seja, R$ 712,10, mantendo a desaprovação das contas do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO REPUBLICANOS DE PORTO ALEGRE, referentes à movimentação financeira do exercício de 2016, bem como a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ R$ 14.242,00 e a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de três meses.