REl - 0600360-76.2020.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Juntada de Documentos na Fase Recursal

Inicialmente, registro que, um dia antes de aviar o recurso, a candidata juntou o termo de apresentação e o extrato da prestação de contas final (ID 39372533), com número de controle 135001385073RS5294975, os quais foram gerados e impressos pelo Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE) na data de 10.3.2021 (ID 39368233).

Como esses documentos constituem vias adicionais àqueles a partir dos quais o presente processo foi autuado perante o juízo da origem (ID 39368233 e 39368283), não se tratando, assim, de documentos novos não submetidos à análise do órgão jurisdicional de primeira instância, torna-se desnecessário provimento deste Colegiado no sentido de admitir a sua juntada em grau de recurso, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral.

Esclarecida esta questão prefacial, passo ao exame do mérito do recurso.

Mérito

A demonstração contábil de DAISIANE JAVAREZ DE ALMEIDA, candidata ao cargo de vereador no Município de Alegrete no pleito de 2020, foi desaprovada pelo Juízo da 5ª Zona Eleitoral, devido ao gerenciamento irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que determinou o recolhimento da quantia de R$ 600,00 ao Tesouro Nacional, com amparo no art. 74, inc. III, c/c o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença merece ser parcialmente reformada.

Na hipótese, a recorrente declarou a locação da motocicleta marca Yamaha Factor, placa ITV 2102 (ID 39369533, fls. 1-2), no valor de R$ 600,00, segundo contrato firmado com Jéssica Maria Mendonça Paz (CPF n. 030.686.270-01), a qual trabalhou como coordenadora da campanha da candidata (ID 39369733).

O instrumento contratual, assinado em 28.10.2020, encontra-se acostado no ID 39369783 (fl. 1), documento que, a teor do art. 60, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, pode ser admitido para fins de comprovação dos dispêndios eleitorais.

Contudo, o pagamento desta despesa eleitoral não foi efetivado em favor de Jéssica Maria Mendonça Paz, mas de Jéssica da Silva Santos (CPF n. 029.260780-64), por meio de transferência eletrônica da quantia de R$ 600,00 para conta-corrente de titularidade desta última, realizada no dia 12.11.2020, como se extrai do comprovante bancário (ID 39369783, fl. 2) e do extrato da conta-corrente destinada ao gerenciamento dos recursos recebidos do FEFC (ID 39371283, fl. 1).

Portanto, muito embora a quitação do dispêndio tenha se efetivado por meio de transferência interbancária identificada, modalidade de pagamento prevista no art. 38, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, a receita oriunda do FEFC foi direcionada a pessoa diversa da fornecedora declarada na prestação de contas.

Em sua defesa, a candidata apresentou a declaração de Jéssica Maria Mendonça Paz (ID 39372183), dizendo que, à época, estava enfrentando dificuldades para acessar a sua própria conta bancária, motivo pelo qual solicitou que o montante que lhe era devido fosse depositado na conta-corrente de titularidade de Jéssica da Silva Santos.

Entretanto, esta declaração constitui documento unilateral e não se encontra respaldada em outros elementos de prova acostados aos autos que pudessem conferir certeza à destinação dada à verba pública repassada à candidata.

Ademais, o desconhecimento da legislação eleitoral, invocado na fundamentação do recurso, não configura justificativa válida e legítima ao descumprimento de deveres e obrigações legais, consoante expressamente disposto no art. 3º da LINDB: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Ressalto que o intuito da normativa prevista nos arts. 38 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao definir os documentos hábeis à demonstração das despesas eleitorais e as formas de pagamento para o seu adimplemento, é, justamente, permitir que se ateste com segurança que as receitas auferidas pelos concorrentes ao pleito foram efetivamente destinadas aos fornecedores discriminados nos demonstrativos contábeis, conferindo-lhes transparência e confiabilidade, controle que adquire acentuada relevância em se tratando de verbas públicas provenientes do FEFC e do Fundo Partidário.

Por conseguinte, resta caracterizada hipótese de incidência do dever de recolhimento da quantia envolvida ao Tesouro Nacional, nos moldes do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que se verifica a manifesta ausência de correlação entre a fornecedora do bem informada na prestação de contas (firmatária do contrato de locação ID 39369783, fl. 1) e a beneficiária da transferência interbancária do valor de R$ 600,00, realizada para fins de pagamento da despesa eleitoral.

Além disso, inexistem documentos comprobatórios de que Jéssica da Silva Santos, beneficiária do crédito, tenha fornecido bens ou prestado serviços à candidata durante a campanha, mediante contratação que justificasse o recebimento do montante de R$ 600,00.

Nessa linha, o entendimento adotado por este Colegiado no julgamento do RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099, o qual, com a ressalva quanto à modalidade de pagamento empregada, é perfeitamente aplicável ao presente caso, como colho da ementa do acórdão a seguir reproduzida:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, redator do acórdão Des. El. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

Por outro lado, o valor da falha (R$ 600,00) possui diminuta expressividade econômica, sendo, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, dispensando o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Sob essa perspectiva, nada obstante a irregularidade atinja 16,23% das receitas arrecadadas para o custeio da campanha, as quais somaram R$ 3.697,49 (ID 39370233), a irrelevância do seu valor nominal atrai a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade invocados na fundamentação recursal para que a escrituração contábil seja aprovada com ressalvas, adotando-se, como referência, o patamar de R$ 1.064,10, na esteira dos seguintes precedentes do Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Por essas razões, entendo pela aprovação das contas com ressalvas, sem prejuízo do dever de recolhimento do montante de R$ 600,00 ao erário, nos moldes disciplinados no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por DAISIANE JAVAREZ DE ALMEIDA para aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento da quantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 74, inc. II, c/c o art. 79, § 1º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.