REl - 0600216-36.2020.6.21.0124 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

As contas de NEUZA MACHADO TEIXEIRA, relativas ao pleito de 2020, no qual concorreu ao cargo de vereador no Município de Alvorada, foram desaprovadas pelo juízo da origem, devido à utilização de cheques nominais não cruzados para o pagamento de duas despesas, no montante total de R$ 2.300,00, com recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), em desatendimento ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A primeira despesa eleitoral, no valor de R$ 300,00, refere-se à publicação do “santinho” da candidata em três edições de periódico local, a qual foi declarada em nome de Jairo Jorge Freitas de Carvalho – ME (CNPJ n. 19.226.415/0001-06), conforme lançado no demonstrativo de despesas (ID 24416183, fl. 5) e na NFS-e n. 147 (e 24416883, fl. 1).

O cheque n. 2 foi emitido pela candidata para o pagamento desse dispêndio eleitoral nominalmente ao referido prestador do serviço, sem, contudo, ter sido cruzado (ID 24416883, fl. 2).

Posteriormente, segundo operação registrada no extrato da conta-corrente destinada ao gerenciamento das receitas provenientes do FEFC, divulgado pelo Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais no site do Tribunal Superior Eleitoral na internet, o título de crédito foi compensado, no dia 30.10.2020, em benefício de Premiar Troféus e Medalhas Eireli ME (CNPJ n. 03.260.560/0001-73), pessoa jurídica não informada como prestadora de serviços ou fornecedora de bens à campanha da candidata na demonstração contábil.

Com o intuito de justificar a falha, a recorrente trouxe aos autos a declaração de Jairo Jorge Freitas de Carvalho, proprietário do aludido jornal, de que recebeu a cártula como forma de pagamento do serviço prestado à campanha e que o repassou à empresa Premiar Troféus e Medalhas - Eireli ME, por conta de relação comercial alheia aos interesses da candidata (ID 24419633).

A segunda despesa eleitoral, no montante de R$ 2.000,00, corresponde à locação de bem imóvel de propriedade de Nilo Carlesso, situado na Rua Salgado Filho, n. 87, Bairro Sumaré, no Município de Alvorada, para a instalação do comitê da campanha. Essa transação foi objeto do Contrato de Locação de Bem Imóvel (ID 24416733, fl. 1-2) e de registro no relatório de gastos eleitorais (ID 24416183, fl. 1).

O adimplemento do contrato, aprazado para o dia 06.11.2020, foi efetivado por meio do cheque n. 4, o qual foi emitido de forma nominal sem cruzamento a Nilo Carlesso (ID 24416733, fl. 3).

O valor, entretanto, foi creditado em benefício de Ferragem Pasqualini – Eireli (CNPJ n. 68.824.754/0001-08), no dia 09.11.2020, segundo consta no extrato bancário da conta-corrente por meio da qual foram movimentadas as receitas recebidas do FEFC.

A candidata, a seu turno, juntou a declaração de Nilo Carlesso (ID 24419533) de que recebeu a cártula em pagamento do aluguel que lhe era devido e a repassou a seu filho, Maicon Carlesso, sócio-administrador da Ferragem Pasqualini – Eireli, conforme o relatório de consulta ao quadro social da empresa e o comprovante de inscrição e de situação cadastral obtidos junto ao sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil na internet (ID 24419133 e 24419183).

A recorrente acostou, também, a declaração de Maicon Carlesso, na qual corroborou as informações prestadas pelo seu genitor, acrescentando que, corriqueiramente, efetuava operações bancárias de interesse da empresa familiar por ele administrada para que seu pai não fosse submetido a esperas em filas de banco, sobretudo por ser idoso (ID 24419583).

Portanto, como as cópias dos cheques ns. 2 e 4 evidenciam ter sido emitidos aos fornecedores da campanha de forma nominal, mas sem cruzamento, resta inequívoco o descumprimento da norma inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na prestação de contas, procedimento que ganha especial relevo em se tratando da fiscalização do uso de verbas públicas oriundas do FEFC e do Fundo Partidário.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. El. LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021.)

Contrariamente à tese esposada nas razões recursais, o desatendimento dessa normativa não pode ser suprido mediante a apresentação de declarações dos fornecedores da campanha, porquanto tais documentos foram produzidos unilateralmente e não se encontram respaldados em outros elementos de prova que confiram segurança e certeza à destinação dada às verbas recebidas do FEFC.

Ressalto que esse entendimento se aplica, inclusive, à despesa eleitoral com o pagamento do aluguel do imóvel a Nilo Carlesso no montante de R$ 2.000,00. Embora tenha sido alegado que a Ferragem Pasqualini – Eireli, empresa beneficiária do valor, constitui um negócio familiar, Nilo Carlesso sequer integra o seu quadro societário, pois foi instituída sob a forma individual de responsabilidade limitada em nome de Maicon Carlesso, não sendo possível atestar, extreme de dúvidas, a contratação declarada na escrituração contábil.

Assim, restaria, em princípio, caracterizada hipótese de incidência do dever de recolhimento das quantias envolvidas ao Tesouro Nacional, nos moldes do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

E isso porque a forma de pagamento prevista no art. 38, inc. I, acima transcrito, não foi observada e se verifica a manifesta ausência de correlação entre os fornecedores informados nos registros contábeis (aos quais se referem a nota fiscal e o contrato de locação de imóvel apresentados pela recorrente) e os beneficiários dos créditos incorporados aos cheques ns. 2 e 4, emitidos para fins de pagamento das despesas eleitorais. Ademais, inexistem documentos idôneos que comprovem o eventual fornecimento de bens ou prestação de serviços por parte dos beneficiários dos valores à campanha.

Nessa linha, o entendimento adotado por este Colegiado ao julgar o RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099, na sessão de 06.7.2021 (Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, redator do acórdão Des. Eleitoral OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES), como colho da ementa do acórdão a seguir reproduzida:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Grifei.)

 

Todavia, ao sentenciar o feito, o magistrado de primeiro grau, não identificando sinais de má-fé por parte da candidata, considerou comprovada a destinação dos recursos eleitorais advindos do FEFC, afastando a ordem de transferência da quantia de R$ 2.300,00 ao Tesouro Nacional, providência que, por conseguinte, não lhe pode ser imposta nesta instância por força do princípio da vedação da refomatio in pejus, haja vista a interposição de recurso exclusivamente pela sua defesa, sem manifestação do órgão ministerial de piso apta a obstaculizar a preclusão da matéria (TRE-RS, RE n. 18892, Relator Des El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 03.5.2019, p. 8).

O juízo de desaprovação da contabilidade também merece ser mantido.

As irregularidades ostentam valor absoluto expressivo (R$ 2.300,00), o qual é, inclusive, superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Além disso, o valor das falhas representa 11,62% das receitas auferidas para o custeio da campanha, as quais somaram R$ 19.786,44 (ID 24418733).

Nesse contexto, a jurisprudência deste Tribunal, em consonância com as diretrizes firmadas pela Corte Eleitoral Superior, não admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação da contabilidade, como ilustra a ementa do seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÃO 2016. DESAPROVAÇÃO. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SEM TRÂNSITO PELA CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. NÃO COMPROVADA A QUITAÇÃO DE DESPESA. RECURSO CONSIDERADO COMO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. VALOR REPRESENTATIVO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. Movimentação de recurso sem prévio trânsito pela conta bancária específica. Não comprovada a quitação de despesa vinculada a cheque devolvido por insuficiência de fundos. Irregularidade que supera 10% do movimentado pela campanha, não se revelando razoável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantidas a desaprovação das contas e a determinação do recolhimento do valor oriundo de origem não identificada ao Tesouro Nacional. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 26887 SANTA MARIA - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 09.03.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 40, Data 12.03.2018, Página 7.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por NEUZA MACHADO TEIXEIRA, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.