REl - 0600694-87.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados nos arts. 38 e 53 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 24494433) referiu que:

No tocante ao primeiro apontamento, a examinadora relatou que no sistema SPCE foram registrados dois pagamentos à Gráfica Missioneira Hall Ltda., R$ 210,00 e R$ 215,50, mediante os cheques 007 e 005, respectivamente. Em contrapartida, nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, consta como beneficiários dos cheques Tedi Martins. Já o valor de R$ 100,00, cheque 001, não foi possível aferir o beneficiário, pois este não constou no extrato bancário.

A prestadora de contas afirma que efetivou as contratações nos valores de R$ 210,00 e R$ 215,50 junto à Gráfica Missioneira Hal Ltda., e, ainda que, o valor de R$ 100,00 foi pago para Larissa Freitas Carloto, preenchidos nominalmente (ID 75567260), contudo não fez prova do alegado, pagando tais despesas com os referidos cheques.

A norma prevê que o pagamento das despesas deve ocorrer por meio de cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária (art. 38 da Resolução TSE 23.607/2019).

Não obstante tenha se caracterizado, in casu, o desrespeito ao art. 38 da aludida resolução, uma vez que o candidato não comprovou o pagamento com cheque nominal, restaram comprovadas as despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, mediante a apresentação das notas fiscais emitidas (ID 67978785, ID 67978787 e ID 67978788), afastando-se assim a obrigação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, nos termos da jurisprudência.

Contudo, embora tenha apresentado os documentos comprobatórios das despesas realizadas, a prestadora não comprovou o respectivo pagamento com cheque nominal, permanecendo a irregularidade apontada, cabendo a desaprovação das contas.


 

A recorrente alega que deveria ter havido a aprovação das contas com ressalvas, nos termos da jurisprudência eleitoral, em função do valor envolvido (R$ 525,50).

Em consulta aos extratos eletrônicos (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85480/210000795639/extratos), verificou-se que a quantia de R$ 100,00 foi sacada por terceiro sem a identificação do CPF e que os valores de R$ 215,50 e R$ 210,0 apresentam como favorecido TEDI MARTINS, CPF 014.270.070-39.

A prestadora afirma que efetivou as contratações nos valores de R$ 210,00 e R$ 215,50 junto à Gráfica Missioneira Hal Ltda. e, ainda, que a importância de R$ 100,00 foi paga a Larissa Freitas Carloto. Assevera que os cheques foram preenchidos nominalmente, contudo, não fez prova do alegado.

Em tese, esses gastos com recursos do FEFC não foram suficientemente demonstrados e seria o caso de determinação do recolhimento deste montante ao erário (R$ 525,50).

Entretanto, a sentença reconheceu como comprovadas as despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e afastou a obrigação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional (ID 24494433).

Não houve irresignação ministerial, de modo que a matéria está preclusa à discussão nesta instância.

Assim, o mérito recursal diz com a possibilidade de aprovação com ressalvas das contas da recorrente diante do valor módico da irregularidade (R$ 525,50).

E, no ponto, com razão a recorrente.

Apesar de a importância da irregularidade (R$ 525,50) ser significativa frente ao somatório arrecadado (R$ 956,60), o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. E, ainda que se trate de recursos do FEFC, esta Corte tem adotado o critério objetivo quanto ao valor à aferição da incidência do juízo de proporcionalidade. Na espécie, inclusive a arrecadação total da recorrente (R$ 956,60) atingiu cifra inferior a R$ 1.064,10.

Por fim, registro que a recorrente postula apenas a aprovação das contas com ressalvas, daí o provimento integral do recurso.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de MARIA CLARICE ADAMS.