REl - 0600424-44.2020.6.21.0019 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

 VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

1. Preliminar. 

Os recorrentes alegam cerceamento de defesa, sob o argumento de não ter sido deferido o pedido de dilação de prazo em razão de substituição de advogado, mas não requerem a anulação da sentença e, inclusive, sinalizam como suficientes o recebimento e o processamento do recurso interposto.

De fato.

Não vislumbro prejuízo aos recorrentes, no atual momento processual, a partir do indeferimento do pedido de dilação de prazo, pois houve aproveitamento do prazo recursal para apresentar os fundamentos de irresignação perante a presente instância, de maneira que passo à análise das irregularidades apontadas na sentença hostilizada, bem como dos argumentos trazidos no recurso interposto.

2. Mérito.

O recurso, como já consignado, ataca a sentença que desaprovou as contas de campanha e determinou o recolhimento de R$ 1.900,00 ao Tesouro Nacional.

A par de ter identificado falhas de menor relevância, a sentença firmou o juízo de desaprovação em razão de três irregularidades graves, quais sejam, (1) o recebimento de recursos de origem não identificada por meio de depósitos consecutivos em dinheiro pelo mesmo depositante, no mesmo dia, em total superior a R$ 1.064,10, (2) a realização de despesas com combustíveis no total de R$ 2.928,03, sem formalização de cessão ou locação, e (3) a inobservância do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem se efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária.

Passo à análise pormenorizada.

2.1. No que se refere aos recursos de origem não identificada, houve o recebimento de doações mediante dois depósitos em espécie na "boca do caixa", ambos em 23.10.2020, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 900,00.

Os recorrentes argumentam que se trata de depósitos efetuados pelo candidato Nataniel Satiro de Val Candia utilizando recursos próprios. Aduzem que houve confusão e defendem o entendimento de que a transferência bancária seria meio obrigatório apenas nos casos de doação realizada por terceiros, sendo que o aporte de valores pelos próprios candidatos não substanciaria ilicitude.

Adianto que não assiste razão aos recorrentes. O art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19 regulamenta a matéria e deixa claro que os recebimentos de recursos pelos candidatos em prol da própria campanha são espécie que pertence ao gênero "doação":

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

Nesse norte, os recursos próprios devem se submeter aos limites e procedimentos esmiuçados ao longo do dispositivo. O motivo é nítido, pois a mera circunstância de ter sido o próprio candidato a se fazer presente na "boca do caixa" para depositar valores em espécie não garante, obviamente, a origem da receita, e impede a devida aferição das contas de campanha eleitoral.

Desse modo, a quantia de R$ 1.900,00 inegavelmente se caracteriza como recurso de origem não identificada – RONI, cujo recolhimento ao Tesouro Nacional é a consequência explicitada no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

2.2. Quanto à segunda irregularidade, é incontroverso que os candidatos declararam gastos com combustíveis. Nos autos, foram juntadas cinco notas fiscais com valores de R$ 1.858,03, R$ 174,00, R$ 200,00, R$ 225,00 e R$ 471,00, sendo a primeira emitida em nome do candidato Nataniel e as quatro seguintes em nome do candidato João Paulo, alcançando a quantia de R$ 2.928,03.

Os recorrentes argumentam que a declaração das despesas ocorreu mediante indicação do número de CNPJ da campanha eleitoral ao posto de combustíveis fornecedor e que o veículo foi efetivamente usado a serviço da candidatura, ainda que não tenha sido formalizada cessão ou locação. Assinalam que o veículo VW Gol 1998, placas CPA-4328, consta na declaração de bens de Nataniel, apresentada por ocasião do requerimento de registro de candidatura, e defendem que a circunstância seria suficiente para regularizar o uso do bem em favor da campanha.

Os argumentos são de inviável aceitação, pois o art. 35, § 11, inc. II, als. "a" e "b", da Resolução TSE n. 23.607/19 é bastante claro ao regulamentar a hipótese:

Art. 35 (...)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Ou seja, ao ter sido utilizado o campo “outros recursos” para o pagamento de gastos com combustível, houve o desatendimento aos requisitos da legislação de regência, o que redunda em irregularidade grave, pois, nos termos do § 6º, as despesas com combustível e com a manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha são consideradas como de natureza pessoal, não podendo ser confundidas com recursos atinentes à prestação de contas. 

A hipótese se agrava na medida em que, não havendo termo de cessão ou contrato de locação que individualize o automóvel utilizado na campanha, torna-se impossível vincular os gastos com combustíveis a veículo específico, acarretando situação de pouca transparência e inviabilidade de controle. A situação dos autos é emblemática, pois as notas fiscais indicam gastos por ambos os candidatos e sem individualização do veículo abastecido.

Por fim, indico que persiste também a irregularidade, identificada na sentença, relativa ao pagamento de fornecedores com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, pois os cheques no valor de R$ 1.000,00 a NEUSA VASCONCELOS DO VAL e de R$ 4.000,00 a RUBENS MATUSZEVSKI, apresentados em conjunto com as razões recursais, não foram cruzados, de modo que não há a devida comprovação da destinação das despesas, a demonstração do beneficiário real do pagamento.  

Contudo, o juízo de origem não determinou a ordem de recolhimento correspondente à prática ilícita e, não tendo havido recurso relativamente ao ponto, manifestação desta Corte redundaria em piora na situação jurídica da parte recorrente, de todo inviável.  

 

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.