REl - 0600394-43.2020.6.21.0040 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

 

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

JOSÉ MARCELO LAUFER e AIRTON BERTÉ, candidatos ao pleito majoritário do Município de Gramado Xavier nas eleições 2020, recorrem da sentença que aprovou com ressalvas as contas de campanha e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

A irregularidade que ensejou a desaprovação das contas diz respeito ao recebimento de doações de origem não identificada pela candidatura, realizadas mediante depósitos em espécie na "boca do caixa" e na conta da campanha. Em resumo, ocorreram cinco depósitos em 19.10.2020, nos valores de R$ 1.000,00 cada, e quatro depósitos em 14.11.2020, no valor de R$ 1.045, 00 (um mil e quarenta e cinco reais) cada, pelo mesmo depositante. A soma alcança a quantia de R$ 9.180,00.

Sustentam os recorrentes que se trata de depósitos de recursos próprios do candidato José Marcelo Laufer, aduzem que a transferência bancária seria exigível apenas nos casos de doações de terceiros e entendem  que “a legislação impôs um limite diário de recebimento de doações de um mesmo doador em um mesmo dia, porém não impôs limite total de doações no decorrer do pleito”.

Adianto que, no ponto, não assiste razão aos recorrentes. O art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19 regulamenta a matéria:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

(…)

Nesse norte, a tese oferecida não se sustenta porque o caput do art. 21 deixa claro que tanto os valores repassados por terceiros quanto aqueles oriundos de recursos próprios caracterizam-se como doações e, portanto, devem se submeter aos limites e procedimentos esmiuçados ao longo do dispositivo. O motivo é nítido, pois a mera circunstância de ter sido o próprio candidato a se fazer presente na "boca do caixa" para depositar numerário em espécie não garante, obviamente, a origem dos valores, e impede a devida aferição das contas de campanha eleitoral. Destaco que, na data de 19.10.2020, foram depositados R$ 5.000,00 e, em 14.11.2020, houve o aporte de R$ 4.180,00, sempre na "boca do caixa".

Desse modo, o valor de R$ 9.180,00 inegavelmente se caracteriza como recurso de origem não identificada - RONI, cujo recolhimento ao Tesouro Nacional é a consequência explicitada no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

Contudo, quanto à segunda irregularidade, a extrapolação de valores oriundos de recursos próprios, entendo que a sentença merece reforma, nos termos do parecer do d. Procurador Regional Eleitoral. 

Para entender que houve extrapolação do limite de gastos previstos para os cargos majoritários na cidade de Gramado Xavier, a sentença considerou os R$ 9.180,00 depositados em espécie, pois houve a declaração do próprio candidato como depositante na "boca do caixa". Contudo, uma vez caracterizado tal valor como de origem não identificada para fins de recolhimento, não há como enquadrá-lo, ao mesmo tempo, como oriundo de recursos próprios para fins de multa, sob pena de caracterizar indevida duplicidade sancionatória, de modo que afasto a multa de R$ 828,04.

Por fim, destaco que o montante das doações de origem não identificada representa 38,24% do total de recursos declarados como recebidos, R$ 24.002,52, o que poderia ensejar a desaprovação das contas. No entanto, diante da ausência de recurso no concernente ao ponto, a manutenção da aprovação com ressalvas é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO para dar provimento parcial ao recurso, unicamente para afastar a multa de R$ 828,04.