REl - 0600697-64.2020.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

 VOTO

Da tempestividade

A intimação da sentença foi disponibilizada via sistema PJe em 12.02.2021 (ID 30356783), uma sexta-feira, e o recurso foi interposto em 17.02.2021 (ID 30356833), uma quarta-feira, sendo feriado de carnaval na terça-feira anterior (16.02.2021).

Portanto, observado o prazo de três dias para a interposição, previsto no art. 258 do Código Eleitoral, e atendidos os demais pressupostos, conheço do recurso.

 

Da preliminar de cerceamento à produção de provas

Preliminarmente, a recorrente aduz que solicitou, na petição inicial, a requisição de documentos em poder da Administração Pública Municipal, o que restou injustificadamente indeferido pelo juízo a quo. Assim, entende que houve cerceamento do direito à regular formação da prova, razão pela qual pugna pela cassação da sentença e pelo retorno dos autos à origem, visando à reabertura da fase probatória, requisitando-se à Prefeitura de Floriano Peixoto a prova documental considerada necessária ao deslinde da representação.

O requerimento em questão restou analisado pela juíza eleitoral conjuntamente com o pedido de tutela de urgência para a suspensão dos atos questionados na representação, em decisão proferida em 10.11.2020, assim deduzida (ID 30353683):

Consabido que para deferimento do pedido de tutela de urgência necessária a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, expressões redacionais do que é amplamente consagrado nas expressões latinas fumus boni iuris e periculum in mora, respectivamente.

No caso dos autos, da análise do pedido inicial e dos documentos até agora acostados, não vislumbro, ao menos neste momento, a presença do fumus boni iuris, como visto requisito para a concessão da tutela provisória, a demonstrar que as supostas práticas das condutas alegadamente vedadas pela Lei Federal nº 9.504/97.

Assim, por ora, entendo não ser possível o deferimento do pedido de tutela de urgência no tocante à sustação das condutas vedadas, conforme § 4º, do art. 73 da Lei nº 9.504/97, uma vez que não há nos autos, ao menos neste momento, provas que justifiquem o deferimento da medida pleiteada.

Portanto, INDEFIRO o pedido de tutela de urgência no tocante à sustação das condutas vedadas, conforme § 4º, do art. 73 da Lei nº 9.504/97.

Quando ao pedido de requisição de provas junto a municipalidade, indefiro, por enquanto, visto que parte não demonstrou a negativa de pedido administrativo neste sentido.

Com base no art. 22, I, "a" da Lei Complementar 64/90, cite-se a ré para, querendo, no prazo de 05 (cinco) dia, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível.

 

Como se percebe, não houve, no pronunciamento, indeferimento injustificado ou definitivo à produção probatória requerida. Em realidade, a proba Dra. Daniela Conceição Zorzi, magistrada a quo, tão somente condicionou a intervenção jurisdicional na obtenção dos documentos à prévia demonstração de “negativa de pedido administrativo neste sentido”.

Posteriormente, a parte representante limitou-se, em réplica (ID 30356233), a repisar o pedido, nos mesmos termos expostos na petição inicial, sem comprovar a busca das provas por meios próprios ou a recusa por parte do município em fornecer a documentação, ignorando os termos da decisão acima transcrita.

Diante disso, o juízo de primeira instância indeferiu de forma definitiva a postulação, em decisão de 18.12.2020, por ocasião do encerramento da fase instrutória do processo, consoante reproduzo (ID 30356283):

Vistos:

1. Quanto aos pedidos renovados na réplica, considerando que conforme já despachado não existe prova de qualquer solicitação administrativa dos dados para fins de instrução do processo, bem como, nem mesmo agora tendo se passado mais de 30 (trinta dias) da decisão denegatória, não veio aos autos prova de protocolo de solicitação dos dados solicitados, ante o exposto indefiro o pedido.

2.  Considerando que nenhuma das partes arrolou testemunhas, dou por encerrada a instrução, e com base no art. 22, XIII, da LC 64/90, intimem-se as partes para apresentarem alegações finais no prazo comum de 02 (dois) dias.

3. Após, dê-se vista ao Ministério Público Eleitoral para parecer pelo prazo de 02 (dois) dias.

4. Após, retornem conclusos para sentença.

 

Em sede de alegações finais (ID 30356433), a representante, mais uma vez, apenas afirmou genericamente que “toda a forma de empecilho foi colocada para a parte autora, na esfera administrativa, para o acesso à documentação pleiteada”, sem discriminar, justificar ou demonstrar o fato, bem como sem comprovar a recusa do ente público em fornecer os documentos.

Portanto, não há que se falar em cerceamento do direito à produção probatória, uma vez que foi oportunizada a apresentação da documentação pretendida, tendo sido a intervenção judicial apenas condicionada à comprovação de impossibilidade de obtenção dos documentos, de natureza pública, pela via administrativa.

Todavia, a agremiação permaneceu inerte e deixou de demonstrar as diligências realizadas ou a recusa de fornecimento do ente público, razão pela qual a postulação foi definitivamente indeferida.

Assim, tendo em vista que a negativa judicial à requisição das provas decorreu de omissão da própria parte representante, que não comprovou a necessidade de intervenção do Poder Judiciário pela recusa da Administração Pública no fornecimento dos documentos ou por outro motivo razoável, rejeito a preliminar invocada.

 

Do mérito

No mérito, inicialmente registro que a matéria sujeita à apreciação por esta Corte é aquela especificamente impugnada no apelo, nos termos do art. 1.013, caput, do CPC, sob pena de violação ao princípio tantum devolutum quantum appellatum.

In casu, embora a petição inicial relate uma série de fatos, somente estão devolvidas as questões atinentes ao uso de maquinário da prefeitura em favor de particulares com fins eleitorais (art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97), ao processo licitatório para concessão de incentivos econômicos a empresas com fins eleitorais (art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97) e à distribuição de benesses, em ano eleitoral, por meio de programas sociais sem execução orçamentária no ano anterior (art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97).

Portanto, não foram devolvidas à atividade cognitiva do Tribunal, nos limites impostos pelo objeto recursal, a matéria atinente à publicação de revista de publicidade institucional, distribuída em período proibido, em conjunto com material de campanha; a contratação emergencial de servidores e outorga de cargos de confiança, para a prestação de serviços à campanha, com uso da estrutura administrativa pública, bem como a distribuição de materiais educacionais na residência dos estudantes às vésperas das eleições.

Passo à análise individualizada dos fatos impugnados nas razões recursais.

 

1. Da utilização de máquinas e caminhões das Secretarias de Obras e de Agricultura em benefício de particulares

O representante narra que, embora o Município de Floriano Peixoto tenha estabelecido turno único de trabalho, com exceção das atividades essenciais, as Secretarias de Obras e de Agricultura executaram serviços para particulares “fora do horário de expediente e sem a cobrança para alguns beneficiários selecionados”, efetuados em dois turnos de trabalho com escala inversa para os operadores e motoristas, e, ainda, para usuários inadimplentes, o que é vedado pela normatividade local.

Destarte, de acordo com o recorrente, os fatos relatados configuram a conduta vedada do art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

 

Em contestação, os representados apontam que os trabalhos realizados pelas Secretarias Municipais de Obras e Agricultura foram executados em conformidade com o disposto na Lei Municipal n. 1.089/2011, alterada pela Lei n. 1.684/19, que prevê a prestação de serviços pela prefeitura, de forma não onerosa ou mediante pagamento antecipado, conforme a espécie de trabalho, aos produtores agropecuários, “buscando oferecer condições de incremento à produção primária” (IDs 30354183 e 30354233).

Os candidatos trazem, ainda, relatórios gerenciais acerca dos valores totais empregados em “serviços horas máquinas”, demonstrando que, no ano de 2017, foram lançados R$ 79.926,77; no ano de 2018, os gastos atingiram R$ 120.838,53; no ano de 2019, o montante foi de R$ 72.462,23; e, finalmente, em 2020, até 13.11.2020, chegou-se ao valor de R$ 93.509,49 (ID 30354483, 30354533, 30354583 e 30354633).

Como se percebe, não há uma desproporção irrazoável entre os valores empregados em períodos anteriores e o ano eleitoral, devendo ser consideradas variações naturais e climáticas que ocorrem de um ano para outro ano e que podem impactar a atividade agrícola da região. Ademais, os créditos empregados nos anos de 2019 e 2020 foram significativamente inferiores àqueles referentes ao ano de 2018.

Os representantes não questionam os documentos ou valores apresentados, mas sustentam que, em relação ao ano das eleições, deve ser somado o contrato de terceirização de serviços firmado com a empresa O. Peruzzolo Terraplanagens, na monta de R$ 48.450,00, a demonstrar que os dispêndios do exercício atingiram o dobro do que foi gasto no ano anterior, conforme transcrevo das razões recursais:

No ano de 2019, os valores lançados para cobrança de horas máquinas foram de R$ 72.462,23 (doc. 12); e, no ano de 2020, de R$ 93.509,49 (doc. 13). Somando-se a terceirização de horas máquinas, na contratação de um trator de esteiras e de uma escavadeira hidráulica, cujo contrato (n° 69/2020) restou firmado em 21 de outubro de 2020, no valor total de R$ 48.450,00, se agrega no exercício de 2020 o valor de R$ 141.959,49 (R$93.509,49 + R$48.450,00)! O DOBRO DO VALOR AGREGADO DE SERVIÇOS DE MÁQUINAS EM RELAÇÃO AO ANO ANTERIOR!

Os próprios representados declaram que no ano de 2019 foram contratadas 70 horas (doc. 34); e que, ano de 2020, foram contratadas 190 horas (doc. 35), confirmando a utilização EM DOBRO de horas contratadas para serviços a terceiros no exercício anterior, o qual serve de parâmetro, pela Lei Eleitoral, de aferição do uso abusivo da máquina administrativa.

 

De seu turno, os recorridos afirmam que, “em todos os anos da atual administração, fora realizada a terceirização de horas máquinas para atendimento das demandas municipais” e que, “apenas para exemplificar, no ano de 2017, foram terceirizadas mais de 05 (cinco) vezes mais horas de trator de esteiras do que neste ano de 2020”.

Assim, em contestação, juntaram os instrumentos contratuais, nos quais se verifica que, em 2017, foram contratadas 1.000 horas (ID 30355533); em 2018, os contratos alcançaram 139,5 horas (ID 30355583 e 30355633); no ano de 2019, foram 70 horas (ID 30355683); e, em 2020, houve o ajuste sobre 190 horas (ID 30355733).

Analisando os termos do contrato n. 69/2020, sob controvérsia (ID 30355733), afere-se que o pacto, datado de 21.10.2020, prevê uma vigência de 60 dias a partir de sua ratificação (cláusula sexta) e que “o pagamento será efetuado até o dia 10 (dez) do mês subsequente ao da entrega do objeto, mediante protocolização da Nota Fiscal ou Nota Fiscal Fatura pela CONTRATADA junto ao departamento municipal competente” (cláusula sétima).

Dessa forma, não há nos autos discriminação precisa da parcela do contrato que restou efetivamente executada entre 21.10.2020 e o dia das eleições, cabendo destacar que, nas condições sugeridas pelo recorrente, parcela substancial ou total dos serviços somente teria sido implementada materialmente a partir de 13.11.2020, a justificar a soma ao orçamento executado até então, ou seja, após o dia do pleito, fragilizando a tese de desvio eleitoreiro da conduta administrativa.

Ademais, considerando-se o histórico de horas-máquinas que foram objetos de contrato pela Administração Pública, não se visualiza uma quantia desarrazoada no ano de 2020 em relação aos exercícios financeiros anteriores.

Quanto ao ponto, colaciono, ainda, a judiciosa ponderação da Procuradoria Regional Eleitoral:

E mesmo que fosse acrescido, em 2020, o valor de R$ 48.450,00, relativo ao contrato acostado no doc. 35 da contestação, totalizando R$ 141.959,49. O valor gasto em 2018, atualizado pelo IGP-M, no período de dezembro de 2018 a outubro de 2020 (data da contratação), estaria em R$ 146.752,68. Se atualizado pelo IPCA estaria em R$ 127.927,34. É dizer, se ficarmos com a média desses dois índices de inflação, o valor gasto em 2020 não é muito diferente do que foi gasto em 2018.

 

Em relação às alegações de que os serviços foram prestados fora do horário de expediente, sem cobrança da contraprestação devida, em favor de usuários inadimplentes ou com uso promocional ilícito, nenhum elemento probatório foi produzido pelos representantes nesse sentido, sequer havendo a descrição suficiente dos fatos, pois, consoante bem apontou a sentença recorrida, “a inicial sequer menciona quem seriam os beneficiários da conduta vedada”.

Diante disso, estando os serviços prestados à agricultores particulares autorizados pela Lei Municipal n. 1.089/2011, a prova dos autos restringe-se aos quantitativos contratados e executados a cada ano, os quais, ausentes indicações cabais de gasto anormal ou extraordinário em ano eleitoral, não são suficientes a embasar a caracterização da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições.

 

2. Do processo de licitação para concessão de incentivos econômicos a empresas

Narra a petição inicial que os representados lançaram, apenas no último ano do mandato e às vésperas do pleito, o processo licitatório n. 30/2020 (Concorrência n. 01/2020), visando à seleção de projetos para a instalação subsidiada de empresas no município, com edital divulgado no período eleitoral e abertura das propostas prevista para 1º de dezembro de 2020, em nítido caráter eleitoreiro.

Assim, entendem os representantes que, tratando-se de um novo programa sem execução no ano anterior ao pleito de 2020, a conduta amolda-se ao previsto no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, litteris:

Art. 73. (...).

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

 

Como se percebe, a norma proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, situação que não engloba a abertura de seleção pública de projetos empresariais interessados na cessão de uso de imóvel público visando à geração de emprego e renda no município.

Na trilha da bem-lançada sentença e do judicioso parecer ministerial, a norma não impede que o Poder Público implemente políticas para atrair a instalação de empreendimentos econômicos, desde que não haja promoção de candidatos, conforme destaca a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 7. ed. Juspodivm, 2020, p. 724):

De outra sorte, a vedação do art. 73, §10, da LE não atinge programas de desenvolvimento econômico, ressalvada a hipótese de uso promocional da ação administrativa em benefício de candidato, partido ou coligação. Nesse sentido, o TRE-RS decidiu que é possível ao Poder Executivo Municipal, em ano eleitoral, atrair a instalação de empresa mediante oferecimento de vantagens e benefícios, desde que da oferta não advenha promoção de nenhum candidato, partido ou coligação (Consulta nº 102008 – j. 29.05.2008) (...).

 

Ademais, consoante apontam os representados em contestação, o projeto de incentivo às empresas encontra autorização legal no art. 3º da Lei Municipal n. 1.089/2011, o qual, “para fins de instalação, relocação ou ampliação de indústrias, considerando a função social e expressão econômica do empreendimento, os incentivos industriais poderão consistir em”, dentre outros, conforme o inc. I do dispositivo, “concessão de uso de imóveis para instalação ou ampliação” (ID 30354183).

Sobre a concessão de direito real de uso, leciona José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 1.223):

A concessão de direito real de uso salvaguarda o patrimônio da Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem qualquer vantagem para ela. Além do mais, o concessionário não fica livre para dar ao uso a destinação que lhe convier, mas, ao contrário, será obrigado a destiná-lo ao fim estabelecido em lei, o que mantém resguardado o interesse público que originou a concessão real de uso.

 

Nessa esteira, a Lei Municipal n. 1.089/2011, remetida como marco regulatório pelo edital de licitação, estipula que a concessão de direito real de uso de imóvel ocorrerá “sempre com cláusula de resolução ou reversão se a empresa não se instalar na forma do projeto aprovado, e no prazo definido na carta de intenções, sem justificativa aceita pelo Poder Executivo, ou se cessar suas atividades transcorridos menos de 10 (dez) anos, contados do início de seu funcionamento” (art. 4º, inc. I), bem como que a “a resolução ou reversão dar-se-á sem direito a qualquer indenização pelas benfeitorias construídas, cujo valor será considerado como remuneração pelo uso do imóvel” (art. 4º, § 4º).

Destarte, as condições e consequências previstas na legislação municipal para a concessão de uso do bem público em tela são suficientes para que se afaste de sua caracterização a noção de “distribuição gratuita de benefícios” que a norma visa coibir.

Outrossim, embora o edital tenha sido publicado em 09 de outubro de 2020, o recebimento dos documentos e das propostas dos concorrentes foi aprazado apenas para 1º de dezembro de 2020, ou seja, a determinação dos empreendimentos beneficiados ocorreu somente após as eleições.

Portanto, apesar de ter sido dada publicidade ao procedimento licitatório, verifica-se que sequer foi desempenhada a ação material prevista no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, consistente na distribuição de bens pela Administração Pública a determinado beneficiado, o que é suficiente para afastar o suposto caráter meramente eleitoreiro ou promocional da conduta administrativa.

Por todo o exposto, não havendo outros elementos probatórios a corroborar as alegações da inicial, não há como se concluir pela caracterização de conduta vedada ou pela utilização promocional indevida da ação com fins eleitorais, cumprindo a manutenção da sentença de improcedência da representação quanto ao ponto.

 

3. Da distribuição gratuita de kits odontológicos no ano eleitoral

A inicial da representação aponta a distribuição gratuita aos munícipes, pelas equipes das Secretarias de Saúde e de Educação, durante o período eleitoral, de kits odontológicos, então adquiridos pela prefeitura em março de 2020, infringindo a vedação contida no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Em defesa, os representados não negam a conduta, mas afirmam que tais kits são distribuídos todos os anos aos alunos da rede pública municipal de educação, dentro de um “programa de saúde pública preventiva, de caráter universal” e que, em razão da suspensão das aulas decorrente das medidas de controle da pandemia da Covid-19, a entrega aconteceu de forma extraordinária nas residências dos alunos, conforme referido nas contrarrazões:

Destacou-se que, habitualmente, a distribuição de materiais de higiene bucal acontece nas próprias escolas, onde o Dentista do Município realiza o trabalho preventivo e educativo com os alunos durante o ano letivo.

Neste ano, a distribuição do material aos alunos aconteceu nas residências destes, em razão da não realização das aulas presenciais no âmbito do Município, em decorrência da Pandemia provocada pelo COVID19.

Da mesma forma, restou demonstrado que o Dentista do Município realizou a entrega às crianças/estudantes, realizando o trabalho preventivo e de orientação no que se refere a higiene e saúde bucal.

 

De fato, verificando-se as notas de empenho orçamentário acostadas aos ID 30354733 e 30354783, percebe-se que a entrega dos materiais odontológicos aos estudantes da rede pública municipal de educação foi executada, minimamente, desde o ano anterior, sendo, ainda, plenamente justificado que a prestação de assistência à saúde bucal tenha ocorrido por consultas domiciliares no ano de 2020, em consonância com as medidas de distanciamento social e suspensão das aulas presenciais havidas em razão da crise sanitária da Covid-19.

Depreende-se dos documentos, igualmente, que os recursos orçamentários para os produtos distribuídos advieram da categoria “despesas correntes” da Secretaria Municipal de Saúde, na dotação “outros materiais de distribuição gratuita”, dentro da natureza “aquisição de material de consumo”, ou seja, a distribuição dos kits inseria-se na política de serviços básicos de saúde bucal do munícipio.

Ora, ao vedar a distribuição gratuita de bens e benefícios por parte da Administração no ano eleitoral, a lei tem a finalidade de impedir o implemento de políticas públicas em período próximo ao pleito, evitando que novos benefícios possam influenciar indevidamente os eleitores, favorecendo os candidatos que estão à frente da Administração Pública, em detrimento da igualdade de oportunidades na campanha.

Excepcionalmente, a manutenção de serviços já implementados e legalmente autorizados é admitida, em verdadeira ponderação entre a continuidade do serviço público e a igualdade entre os candidatos, evitando-se prejuízos aos direitos dos administrados.

Na hipótese, as consultas com orientações odontológicas e distribuição de kits higiênicos às crianças e aos adolescentes integram as atividades intrínsecas à prestação de assistência odontológica, nos termos do art. 196 da CF/88 e 14 da Lei n. 8.069/90, tal como as demais consultas médicas, a realização de exames ou o fornecimento de medicamentos, inerentes ao objeto e à finalidade da Saúde de responsabilidade do Estado.

Assim, bem anotou o douto Procurador Regional Eleitoral ser “evidente que não se pode exigir do Administrador Público a descontinuidade de um programa voltado à saúde bucal”.

Nessa senda, já entendeu a jurisprudência que “a prestação de serviços rotineiros nas áreas da saúde, administração e social não implica na prática de qualquer conduta vedada, notadamente quando os programas sociais se encontram em execução em exercícios anteriores” (TRE-GO – RE n. 980, Relator: Rodrigo de Silveira, DJ de 29/06/2017).

Destarte, à míngua de outras provas, a demonstração de que os programas públicos questionados estavam em execução orçamentária antes de 2020 e envolviam serviços comuns na área de assistência odontológica aos estudantes do município, repelem a caracterização dos fatos como condutas vedadas.

 

4. Da concessão de incentivos aos proprietários de imóveis do perímetro urbano para construção de passeios públicos novos

A última ordem de supostas distribuições gratuitas de benefícios pela Administração Pública, aduzida pelo recorrente, refere-se ao chamado Programa “Transforma Cidade”, destinado a incentivar os proprietários de imóveis no perímetro urbano a realizarem a renovação dos passeios públicos, mediante o ressarcimento do valor de R$ 15,00 por metro quadrado edificado.

A esse respeito, os fundamentos da representação indicam que, durante os anos de 2018 e 2019, “não ocorreu qualquer tipo de concessão de subsídios referentes a esta legislação, somente ocorrendo no corrente ano, com a finalidade puramente eleitoral”, o que atrairia a incidência da proibição insculpida no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Por sua vez, os recorridos sustentam que o referido programa tem base na Lei Municipal n. 1.611/2018 (ID 30355883) e está em execução orçamentária desde o ano de 2018 (ID 30355933), quando implementado.

Salientam, ainda, que os munícipes que pretendam a contrapartida devem arcar com a maior parte dos custos de construção dos passeios públicos, na média de R$ 85,00 por metro quadrado, dos quais o Poder Público Municipal efetua, ao final, o ressarcimento de apenas R$ 15 por metro quadrado, desde que cumpridas as exigências legais.

Novamente, a documentação carreada aos autos demonstra que o Programa “Transforma Cidade” possui amparo na Lei Municipal n. 1.611/2018, que estabelece, dentre outras disposições, o seguinte:

Art. 1º Fica instituído, no âmbito municipal, o Programa "Transforma Cidade", destinado à incentivar os proprietários de imóveis do perímetro urbano a realizarem a construção de passeis públicos novos, a serem edificados com a utilização de blocos intertravados (pavers).

Art. 2º O Programa será desenvolvido e coordenado pela Secretaria Municipal de Obras Públicas, Viação e Saneamento, em parceria com os munícipes.

Art. 3º O Poder Executivo Municipal, para consecução dos objetivos do programa, participará com a concessão de um subsídio financeiro aos proprietários dos imóveis interessados em realizar a edificação de passeios públicos em seus respectivos imóveis.

Art. 4º O subsídio financeiro de que trata o Artigo anterior será de R$ 15,00 (Quinze reais) por metro quadrado (m²), de acordo com a metragem do passeio público construído nos termos do Parágrafo 4º, do Artigo 17, da Lei Municipal nº 1.131/2011, respeitadas ainda as regras estabelecidas na Lei Federal nº 1.098/2000 e o previsto na NBR 9050:2015, que tratam da acessibilidade à edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
 

Ademais, embora não constem nos autos empenhos relativos ao período de 2019, os documentos financeiros juntados demonstram que o programa esteve em execução orçamentária no ano de 2018, sendo suficiente para o enquadramento na exceção legal prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Assim, diante do cenário fático-probatório exposto em relação a cada um dos fatos controvertidos no recurso, não se verifica a caracterização de quaisquer das condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei da Eleições, sobre as quais, conforme sedimentado na jurisprudência, “imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (REspe n. 626-30/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 4.2.2016).

Da mesma forma, ausentes provas do uso da máquina administrativa ou de recursos do município em benefício da campanha eleitoral dos recorridos, não há que se falar em abuso do poder sob qualquer das suas formas.

Desse modo, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não logrando os representantes comprovar a prática de conduta vedada, a decisão singular que julgou improcedente a representação deve ser integralmente mantida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e pelo desprovimento do recurso, a fim confirmar a sentença que julgou improcedente a representação eleitoral.