REl - 0600670-98.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/08/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas do recorrente foram desaprovadas com base em parecer conclusivo de exame técnico das contas (ID 27430833), no qual foram indicadas irregularidades que consistem em: a) omissões relativas a despesas na prestação de contas, identificadas mediante confronto com duas notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, emitidas pelos fornecedores; b) extrapolação no uso de recursos próprios previstos na campanha, considerando-se o limite de 10% sobre o valor de gastos previstos para o cargo em que concorreu e; c) abertura extemporânea da conta bancária para recebimento de doações de campanha.

No curso da instrução (ID 27430383), e agora na via recursal (ID 27431233), o prestador manifestou-se e refutou as inconsistências apuradas, afirmando a ocorrência de equívocos e erros formais que não comprometem a regularidade das contas.

As circunstâncias dos autos não permitem, contudo, que a alegação possa surtir o efeito desejado pelo prestador – aprovação das contas ou aprovação com ressalvas.

Passo a explicar.

Da omissão de despesas pela divergência de valores entre a contabilidade e as notas fiscais

Inicialmente, a sentença de primeiro grau, com base em parecer técnico conclusivo, apontou a inconformidade de valores entre os documentos fiscais emitidos sob os números 3795 e 5305, e as informações registradas na contabilidade do ora recorrente.

No ponto, o candidato alega simples equívoco e esclarece que realizou o pagamento pelo preço do produto devidamente informado na prestação de contas.

Necessário registrar, que o lançamento de realização de despesa no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral em quantia superior àquela constante no documento fiscal, inviabiliza a correta fiscalização da Justiça Eleitoral, podendo comprometer substancialmente as contas de campanha.

Julgo que, a despeito da justificativa apresentada pelo prestador, persistem as falhas apuradas.

No entanto, como bem salientou o juízo de piso, se consideradas as duas notas referidas, o montante envolvido consiste em uma divergência total de R$ 0,48 (quarenta e oito centavos), e por isso, cabe aqui apenas a anotação da ressalva devida.

Da utilização de recursos próprios acima do limite de 10% sobre o valor de gastos previstos para o cargo em que concorreu

De acordo com o parecer técnico conclusivo (ID 27430833), sobre o qual se fundou a sentença, o recorrente praticou irregularidade ao extrapolar o uso de recursos próprios previstos na campanha, considerando-se o limite de 10% sobre o valor de gastos previstos para o cargo em que concorreu.

Em suas razões, o prestador argumenta ter realizado despesas modestas e adequadas ao tamanho do colégio eleitoral no município, assim como relata equívoco na interpretação da legislação, ao acreditar que o percentual limitador fixado pela norma estava relacionado unicamente ao valor de sua renda, auferida no ano anterior ao da eleição, na forma do caput do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19.

In casu, é certo que a lei permite a utilização de recursos próprios pelos candidatos em suas campanhas eleitorais, desde que atendidos os requisitos da forma e dos limites previstos em lei.

Assim dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[...]

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º). (Grifei.)

Observe-se que o dispositivo supracitado, além de limitar as doações de pessoas físicas em 10% sobre seus rendimentos no ano anterior, também condiciona o uso de recursos próprios até o mesmo percentual, calculado sobre o valor do teto de gastos do cargo ao qual o candidato concorreu. Tal regramento, foi recentemente incluído pela redação da Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A no art. 23 da Lei das Eleições.

Entendo que as alegações trazidas pelo recorrente não o socorrem, uma vez que está caracterizado o ilícito quando o limite legal, objetivamente previsto, foi ultrapassado.

Tendo em vista que o valor do limite de gastos nas eleições de 2020 para o cargo de vereador no município de Palmeira das Missões foi de R$ 32.160,33, o prestador, ao utilizar recursos próprios na campanha no montante de R$ 9.457,40, extrapolou em R$ 6.241,37 o limite previsto na norma (ID 27430833).

Assim, em decorrência do descumprimento da norma inserida no § 1º, do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, que incide de forma objetiva, independentemente de boa-fé ou desconhecimento do texto legal, o excesso cometido é irregularidade grave, capaz de gerar desaprovação das contas e aplicação de multa nos termos do § 4º do mesmo dispositivo legal.

Do atraso na abertura de conta bancária

A decisão combatida narrou ainda, inconsistência relativa a abertura intempestiva de conta destinada ao recebimento de “Doações para Campanha”. A seu ver, a falha prejudicou a análise e comprometeu a regularidade das contas, justificando o juízo de desaprovação.

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece em seu art. 8, § 1º, inc. I, e art. 53, inc. II, al. “a”, a obrigação de abertura de conta bancária específica no prazo de dez dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, bem como a apresentação dos respectivos extratos bancários. Nesse sentido, transcrevo:

Art. 8º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil e que atendam à obrigação prevista no art. 13 desta Resolução.

§ 1º A conta bancária deve ser aberta em agências bancárias ou postos de atendimento bancário:

I – pelo candidato, no prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

(...)

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

II – pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

a) extratos das contas bancárias abertas em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º desta Resolução, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira;

Dos dispositivos supracitados, infere-se a obrigatoriedade de abertura de ao menos uma conta bancária específica para a movimentação dos recursos de campanha, visando a garantia do efetivo controle das contas eleitorais, qual seja, a conta destinada ao recebimento de doações. Além desta, os candidatos devem possuir contas específicas para o recebimento e utilização de recursos oriundos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral (FEFC), caso recebam repasses dessa natureza.

Na espécie, segundo consta do parecer técnico, o candidato obteve seu CNPJ de campanha em 23.09.2020, mas somente procedeu à abertura da conta bancária (banco 001, agência 362, conta 363740) em 09.10.2020, extrapolando o prazo de 10 (dez) dias estipulado na norma (ID 27430833).

Compreende-se que a intempestividade registrada impede a aferição da correção dos valores declarados na prestação de contas em relação ao período em que não houve a abertura da respectiva conta bancária.

No entanto, é de se destacar que não há nos autos notícia ou indício de recebimento de recursos financeiros ou de realização de despesas pelo prestador no período anterior ao da abertura da conta, além de que, o prazo extrapolado foi diminuto, de apenas 6 (seis) dias.

A falha, portanto, é inábil a comprometer a integralidade e a regularidade das contas prestadas e enseja tão somente a anotação de ressalva.

Por oportuno, trago à colação os precedentes das Cortes Regionais sobre o tema:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2018. CANDIDATO NÃO ELEITO. ABERTURA INTEMPESTIVA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA DE CAMPANHA. FALHA MERAMENTE FORMAL. REGULARIDADE E CONFIABILIDADE NÃO COMPROMETIDAS. CONTAS APROVADAS COM RESSALVA. 1. A abertura intempestiva da conta bancária específica de campanha, em contrariedade ao disposto no art. 10, § 1º, I, da Resolução TSE n. 23.553/2017, trata-se de falha meramente formal, que não compromete a integralidade das contas e, desse modo, enseja tão somente a anotação de ressalva. 2. Contas aprovadas com ressalva.

(TREDF. PRESTAÇÃO DE CONTAS n 060223120, ACÓRDÃO n 8297 de 02/03/2020, Relator(a) HECTOR VALVERDE SANTANA, Publicação: DJE, Tomo 40, Data 05/03/2020, Página 05)

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. Apresentação extemporânea das contas finais. Abertura intempestiva de conta bancária. Omissão de despesa com advogado. Ausência de emissão de relatório financeiro no prazo legal. Falhas que não comprometem ou impedem o exame das contas. PROVIMENTO DO RECURSO.

(TRE/SP. RECURSO ELEITORAL nº 10719, Acórdão, Relator(a) Min. Marcelo Coutinho Gordo, Publicação: DJESP, Data 16/07/2018)

Percentual das irregularidades constatadas

Na hipótese dos autos, em termos percentuais, a irregularidade de uso de recursos próprios acima do limite legal (R$ 6.241,37) representa 40,9% das receitas arrecadadas pelo candidato (R$ 15.257,40), razão pela qual não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade, e deve ser mantida a sentença de desaprovação das contas.

No mesmo sentido a jurisprudência:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. IRREGULARIDADES: 1 E 2) DIVERGÊNCIAS ENTRE AS INFORMAÇÕES ACERCA DAS CONTAS BANCÁRIAS DECLARADAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E AQUELAS CONSTANTES NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHA FORMAL. 3) DIVERGÊNCIAS ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E AQUELA CONSTANTE DOS EXTRATOS ELETRÔNICOS. FALHA NÃO PERSISTE. 4) AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS, COM DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS, SOBRE A ORIGEM E A DISPONIBILIDADE DOS RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS NA CAMPANHA. REMANESCE A FALHA. 5) GASTOS IRREGULARES PAGOS COM RECURSOS DO FEFC. DOCUMENTOS APRESENTADOS SANAM A FALHA. REMANESCE A IRREGULARIDADE DO ITEM 4, QUE REPRESENTA 21,80% DOS RECURSOS ARRECADADOS. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E DA INSIGNIFICÂNCIA. DESAPROVAÇÃO E DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO.

(TRE/SP, PC nº 060042752, Acórdão, Relator(a) Des. Marcelo Vieira de Campos, Publicação: DJE, Tomo 18, Data 27/01/2021) (Grifei.)

Da aplicação de multa

Finalmente, confirmada a utilização de recursos além do termo legal, necessária a aplicação de sanção pecuniária de até 100% sobre o valor excedido, nos termos do § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, reconhecendo que a imposição do limite de gastos visa proteger a legitimidade do pleito, para manutenção do equilíbrio eleitoral, julgo adequado o percentual de 100% utilizado pelo juízo de piso para aplicação da multa, conforme entendimento já manifestado por esta Corte, fixando o seu valor em R$ 6.241,37, vez que assim, atende à sua finalidade.

Por fim, destaco que a multa deve ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I da Lei n. 9.096/95.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença que desaprovou as contas de Orlei Azeredo, relativas ao pleito de 2020, mantendo a aplicação da penalidade de multa no valor de R$ 6.241,37, a qual, deve ser destinada ao Fundo Partidário.