REl - 0600217-27.2020.6.21.0122 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/07/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

O Juízo da 122ª Zona Eleitoral julgou desaprovadas as contas prestadas por JORGE RENE PEREIRA JUNIOR relativas ao pleito de 2020, no qual disputou o cargo de vereador no Município de Mostardas, condenando-o ao recolhimento da quantia de R$ 1.900,00 ao Tesouro Nacional, por ausência de identificação da sua origem, com fundamento no art. 74, inc. III, c/c o art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A primeira falha que motivou a desaprovação da contabilidade se relaciona à quitação de despesas com a prestação de serviços de militância política, por diferentes fornecedores, por meio de cheques emitidos sem observância da forma nominal e/ou cruzada, em infringência ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Ao sentenciar o feito, o magistrado de primeiro grau observou que os gastos eleitorais em comento alcançaram 56,21% das despesas declaradas pelo candidato e que este tinha plena ciência da regra inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.608/19, porquanto outras despesas eleitorais foram pagas por intermédio da emissão de cártulas nominais e cruzadas aos seus respectivos fornecedores, a exemplo daquela a que se refere a documentação ID 24075033.

Em complementação, asseverou, com acerto, que a alegada dificuldade de pagamento de prestadores de serviços que não são titulares de contas bancárias não pode se sobrepor à preservação do intuito buscado pela norma que é, justamente, assegurar a rastreabilidade das receitas arrecadadas pelos candidatos, propiciando a fiscalização e o controle das informações prestadas à Justiça Eleitoral.

Nada obstante o reconhecimento dessa primeira falha, os valores envolvidos não integraram o cálculo do percentual de comprometimento da contabilidade utilizado para embasar o juízo de desaprovação.

Tampouco o juiz a quo adentrou na análise da efetiva comprovação dos gastos eleitorais, ou da eventual caracterização do ingresso de recursos sem identificação de origem no caixa da campanha, para fins de determinação do recolhimento de valores ao erário, nos moldes disciplinados no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Logo, como foi interposto recurso exclusivamente pelo candidato, sem manifestação do órgão ministerial de piso apta a obstaculizar a preclusão da matéria, inviabiliza-se o aprofundamento do exame do conjunto fático-probatório ao efeito de agravar a situação jurídica do recorrente com a imposição do dever legal de recolhimento das quantias ao erário em grau recursal, por força do princípio da vedação da reformatio in pejus (TRE-RS, RE n. 3568, Relator Des. El. JORGE LUÍS DALL´AGNOL, DEJERS de 24.01.2018, p. 8).

A segunda falha reconhecida na sentença refere-se ao pagamento de despesa atinente a serviço de militância política prestado por Pauline Pereira Costa (CPF n. 050.823.770-00) no valor de R$ 200,00.

O instrumento contratual (ID 24074933) comprova que Pauline iria trabalhar como cabo eleitoral durante os meses de outubro e novembro de 2020, mediante contrapartida de R$ 200,00 semanais.

O recorrente também trouxe aos autos a declaração da prestadora dos serviços de que, por descuido, repassou o cheque n. 850015 ao Mercado Real, uma vez que o título não havia sido emitido nominalmente em seu favor (ID 24077033). A aludida declaração, todavia, reveste-se de unilateralidade, não encontrando respaldo em outros elementos de prova que permitissem admiti-la com a finalidade de superar a falha.

Além disso, a cópia do cheque n. 850015 (ID 24076783) evidencia que a sua emissão se deu na forma cruzada e nominal a Emerson R. Lemos, terceiro não informado na escrituração contábil, vindo a ser compensado em favor de Emerson Rodrigues Lemos ME (CNPJ 13.321.982/0001-65), empresa fornecedora de produtos ao Mercado Real, como informou o candidato (ID 24076683), mas que, igualmente, não foi lançada no demonstrativo de despesas eleitorais.

O magistrado de primeiro grau entendeu configurada a omissão da despesa paga a Emerson Rodrigues Lemos ME (CNPJ 13.321.982/0001-65), nos moldes do art. 65, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, sem reconhecer, por outro lado, a utilização de verbas sem identificação de origem para o adimplemento do contrato firmado com Pauline Pereira Costa, assim como não inseriu a quantia de R$ 200,00 no cálculo do percentual que impactou negativamente o julgamento das contas.

Desse modo, embora inexista correspondência entre a pessoa jurídica beneficiária do crédito de R$ 200,00 (Emerson Rodrigues Lemos ME) e a prestadora dos serviços declarada na prestação de contas (Pauline Pereira Costa), não é possível determinar a transferência da referida quantia ao erário em grau recursal, com base no art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, por incidência do princípio da vedação da reformatio in pejus.

A terceira irregularidade diz respeito ao recebimento de dois depósitos em dinheiro nos dias 30.10.2020 e 04.11.2020, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 900,00, respectivamente, identificados em nome de Eder de Brito Lopes, inscrito no auxílio emergencial instituído pelo Governo Federal em decorrência da pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19), revelando indício de sua incapacidade econômica para efetivar as doações à campanha (ID 24075733 e 24075583).

Cumpre anotar, inicialmente, que, do ponto de vista formal, ambas as doações são regulares, pois foram efetivadas mediante depósitos bancários, em espécie, identificados com os dados de Eder, haja vista a dispensa da utilização de transferência eletrônica interbancária para quantias inferiores a R$ 1.064,10 (art. 21, inc. I, c/c § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Instado a manifestar-se acerca da capacidade econômica de Eder de Brito Lopes, o candidato informou que o real doador das quantias era Fábio Pereira de Lemos, mas que esse havia solicitado a realização dos depósitos a Eder, que trabalhava junto ao seu escritório de advocacia como freelancer, executando diligências junto ao foro, instituições bancárias e outros órgãos (ID 24076683, fl. 2), como comprova o cadastro de Eder no sítio https://correspondentesnaweb.com.br/correspondente/eder-de-brito-lopes (ID 24077683, fl. 6).

Acrescentou que Eder utilizou os seus dados pessoais, com a concordância de Fábio, para identificar os dois depósitos em espécie, devido à exigência da instituição bancária de que fossem feitos em nome do próprio depositante, juntando as declarações firmadas por Eder (ID 24076933) e Fábio (ID 24076983) para embasar a justificativa apresentada.

Sob essa perspectiva, importa mencionar que o candidato é advogado (OAB n. 118.184/RS), e o endereço cadastrado na sua ficha de qualificação e utilizado em diferentes contratações de fornecedores de serviços para a campanha (ID 24071883, 24074933 e 24075983) é idêntico ao endereço no qual Fábio Pereira de Lemos, que também exerce a advocacia (OAB n. 103.525/RS), declarou estar localizado o seu escritório, ou seja, na Rua Almirante Tamandaré, n. 745, Bairro Centro, no Município de Mostardas (ID 24076983).

Em 11.11.2020, Fábio Pereira de Lemos efetuou uma doação ao candidato no valor R$ 761,00, por meio de depósito em dinheiro identificado com o seu nome e número de CPF (n. 257.682.550/87), perante a agência n. 1374-9 do Banco do Brasil, mesma agência bancária à qual Eder de Brito Lopes se dirigiu para depositar os valores objeto de impugnação. O recibo eleitoral correspondente à doação realizada por Fábio foi juntado no ID 24075683.

Essas circunstâncias indicam existir um vínculo de natureza pessoal ou profissional entre o candidato e Fábio Pereira de Lemos, não se descartando, inclusive, a possibilidade de serem sócios do escritório de advocacia, embora os autos não contenham elementos a partir dos quais seja possível extrair diretamente tal conclusão.

Ainda, impõe registrar que as declarações prestadas por Fábio e Eder possuem um nítido caráter unilateral, pois não se encontram corroboradas em nenhuma outra prova produzida durante a instrução do processo demonstrando que as quantias foram efetivamente doadas por Fábio, e não por Eder.

Outrossim, inexistem indicativos mínimos de que os valores eram provenientes de conta bancária de titularidade de Fábio e de que este estivesse impossibilitado de efetivar pessoalmente os dois depósitos junto à agência bancária sem a intermediação de Eder, procedimento que, segundo declarado por Fábio, foi adotado por mera conveniência para “dar continuidade e agilidade à demanda” (ID 24076983), ao passo que, no dia 11.11.2020, alguns dias depois de efetuada a segunda doação (04.11.2020), Fábio depositou, de forma pessoal, o montante de R$ 761,00 em favor do candidato, como explicitei anteriormente.

Nessa linha, como ponderou a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (ID 28233983):

Ora, foge do razoável que um doador de campanha, com todos os recursos hoje existentes para efetivar uma doação (inclusive transferência eletrônica), tenha lançado mão da contratação de uma interposta pessoa para tanto.

Sob outro ângulo, o candidato não alegou desconhecer Eder, mas deixou de acostar prova idônea da sua capacidade econômico-financeira, que autorizasse afastar a presunção de hipossuficiência para efetuar as doações motivada pela sua inscrição em programa emergencial do Governo Federal, sem indicar impeditivos à adoção de tal providência, a qual, aliás, poderia ter sido adotada por intermédio do escritório de Fábio, onde Eder prestava serviços.

Compete ressaltar, também, que o prestador empregou receitas financeiras equivalentes a R$ 4.029,00 para custear a sua campanha (ID 24076383). Desse montante, R$ 766,00 foram doados pelo próprio candidato e R$ 3.263,00 derivaram de doações de pessoas físicas, sendo que o valor de R$ 1.900,00 doado por Eder representou 47,16% dos recursos financeiros.

A título comparativo, se as contribuições recebidas de Eder tivessem sido declaradas como advindas do patrimônio do candidato, perfazendo a quantia de R$ 2.666,00 (R$ 1.900,00 + R$ 766,00), estaria configurado o excesso de gastos com recursos próprios em R$ 1.435,22, visto que, nas eleições para a Câmara Municipal de Mostardas, tal limite restou fixado em R$ 1.230,78 (art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97).

Nesse contexto, a comprovação segura da identidade e da capacidade econômica dos doadores da campanha se torna ainda mais relevante para que o controle da Justiça Eleitoral sobre as receitas auferidas pelo candidato não se restrinja ao plano meramente formal, mas possa realmente servir ao propósito de evitar distorções na sistemática do financiamento eleitoral, tendentes a causar a quebra da isonomia entre os concorrentes ao pleito.

Não ignoro a jurisprudência firmada por este Tribunal em pleitos anteriores, no sentido de que a prova da capacidade econômica do terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato em sede de contas de campanha, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, mormente a representação por doação acima do limite legal (TRE-RS, RE n. 53939, Relator Des. El. JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, DEJERS de 12.4.2019, p. 7).

Da mesma forma, não desconheço que esta Corte já sufragou o posicionamento de que “eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas” (TRE-RS, RE n. 26748, Relator Des. CARLOS CINI MARCHIONATTI, DEJERS de 20.02.2017).

Entretanto, as particularidades do caso concreto o distinguem das hipóteses fáticas que deram origem à construção jurisprudencial desta Corte, restando evidente que a presença de Eder de Brito Lopes no cadastro de beneficiários do auxílio emergencial do Governo Federal não constitui indício único e isolado da irregularidade em questão.

Ao contrário, a informação cadastral do doador agrega-se à composição da arrecadação de campanha e, em especial, ao desatendimento pelo prestador de contas do seu dever de informar com transparência e boa-fé o real doador dos valores à Justiça Eleitoral, prestando esclarecimentos confiáveis e consistentes acerca da sua situação financeira, aptos a ilidir a presunção de incapacidade econômica gerada pela sua inscrição no programa de auxílio emergencial da pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19).

Assim, persistindo fundada dúvida, não solvida pelo candidato sobre a aptidão financeira do doador e, consequentemente, sobre a origem das verbas recebidas em doação, associada ao seu uso integral durante a campanha, impõe-se a sua caracterização como recursos de origem não identificada, com o consequente dever de recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, como deriva do comando sentencial, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

(...).

 

Nessa senda, cito precedente relativo ao pleito de 2020, no qual este Colegiado, em decisão unânime, adotou essa orientação:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DOAÇÃO DE CAMPANHA. CAPACIDADE ECONÔMICA DO DOADOR NÃO COMPROVADA. INSCRIÇÃO EM PROGRAMA SOCIAL DO GOVERNO. BENEFICIÁRIO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE AFINIDADE COM O CANDIDATO. APTIDÃO FINANCEIRA NÃO DEMONSTRADA. CARACTERIZADO O RECURSO COMO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INDÍCIOS DE MÁ-FÉ. ENCAMINHAMENTO DA DECISÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO E À CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. APURAÇÃO DE EVENTUAL FRAUDE. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou a contabilidade de candidato relativa às eleições municipais de 2020, com fundamento na ausência de comprovação da capacidade econômica de doador inscrito em programa social do Governo Federal, e, por consequência, condenou o candidato a recolher ao Tesouro Nacional o valor equivalente à doação auferida, sob o entendimento de estar caracterizado o aporte de recursos de origem não identificada.

2. O órgão técnico de análise, mediante integração do SPCE e da base de dados do CADÚNICO, apurou o recebimento direto de doação financeira realizada por pessoa física inscrita em programas sociais do Governo Federal, beneficiária do auxílio emergencial. Disponibilização ainda, pela mesma doadora, de automóvel para uso em campanha, conforme Termo de Cessão de Bem Móvel acostado aos autos.

3. Verificado que tanto a doadora quanto o candidato declaram residir no mesmo endereço, evidenciando a existência de relação de afinidade ou, quando menos, de familiares coabitantes, a permitir o seguro entendimento do engajamento econômico na campanha, inviabilizando a hipótese de que o candidato desconhecia a condição econômica e a qualidade de beneficiária do auxílio emergencial da doadora. Dessa forma, as declarações na prestação de contas carecem de sinceridade e estão divorciadas da boa-fé, da moralidade e da probidade. Tais princípios informam o direito eleitoral e requerem que com eles esteja comprometido o candidato a cargo eletivo, em nome da dignidade do mandato público que visa obter.

4. Os valores advindos da doadora, entre contribuições financeiras e cessão de bens estimáveis em dinheiro, representam cerca de 90,16% da arrecadação de campanha. Houvessem as contribuições recebidas sido declaradas como advindas de patrimônio do candidato, estaria configurado o excesso de gastos com recursos próprios.

5. O prestador não cumpriu a contento o seu dever de informação e transparência na apresentação das contas, deixando de prestar esclarecimentos idôneos acerca da situação financeira da doadora, aptos a ilidir a presunção de hipossuficiência econômica gerada pela inscrição no programa de auxílio emergencial da pandemia de coronavírus. Havendo fundada dúvida, não solvida pelo candidato, sobre a aptidão financeira da doadora e, consequentemente, sobre a origem dos recursos recebidos em doação, impõe-se a caracterização da verba como recursos de origem não identificada e o dever de recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

6. Apesar de a irregularidade em debate ostentar um valor absoluto reduzido, inclusive inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, a jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, forem constatados indícios de má-fé do prestador das contas e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

7. Provimento negado. Recolhimento do montante de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n 060011540, ACÓRDÃO de 20.04.2021, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.)

 

Em desfecho, consigno que o valor de R$ 1.900,00 — o único adotado pelo juiz eleitoral de piso no cálculo do percentual da contabilidade atingido pelas irregularidades — é superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Ademais, o valor da falha representa 44,51% do somatório das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro auferidas para o custeio da campanha (R$ 4.269,00) e existem indícios de má-fé do prestador das contas, com o comprometimento da atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral quanto à origem das receitas eleitorais, impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de a demonstração contábil ser aprovada, na esteira da reiterada jurisprudência do TSE, como colho, a contrario sensu, da ementa abaixo colacionada:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. DESAPROVAÇÃO. COMPROMETIMENTO DA CONFIABILIDADE DO AJUSTE CONTÁBIL. FALHAS GRAVES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. O ajuste contábil objeto do recurso é referente ao exercício financeiro de 2013, motivo pelo qual se submete à regra do art. 37, § 3º, da Lei 9.096/95, com texto anterior ao da Lei 13.165/2015. Precedentes. 2. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em processo de contas condiciona-se a três requisitos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual irrelevante de valores irregulares em relação ao total da campanha; c) ausência de má-fé da parte. Precedentes. (…). 6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 6139, Acórdão, Relator Min. JORGE MUSSI, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 228, Data: 27.11.2019, Página 26.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por JORGE RENE PEREIRA JUNIOR, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, determinando-lhe o recolhimento da quantia de R$ 1.900,00 (um mil e novecentos reais) ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 74, inc. III, c/c o art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Determino, outrossim, o encaminhamento da presente decisão ao Ministério Público Eleitoral e à Controladoria-Geral da União para fins de apuração de eventual fraude ou de concessão indevida do auxílio emergencial a Eder de Brito Lopes.

É como voto, Senhor Presidente.