REl - 0600685-69.2020.6.21.0096 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/07/2021 às 10:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

De início, destaco que os recorrentes acostaram documentação na fase recursal, diligência que recebe maior tolerância de parte da jurisprudência na classe processual da prestação de contas, quer pela ausência de prejuízo à tramitação do processo, quer porque nesta espécie de demanda se busca sobretudo a salvaguarda do interesse público na transparência da contabilidade das campanhas eleitorais, em boa parte financiadas por verbas públicas.

Nesse norte, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares, convém evitar formalismos excessivos, de maneira que os documentos apresentados serão considerados na presente análise recursal.

FERNANDO MATTES MACHRY e JOSÉ ALFREDO KUPSKE recorrem contra a sentença que desaprovou as contas de campanha aos cargos de prefeito e vice-prefeito nas eleições 2020. Há cinco espécies de irregularidades que ensejaram a desaprovação das contas, conforme excerto da sentença que transcrevo:

(...) Irregularidades e Impropriedades: Foram constatadas as seguintes inconsistências: houve descumprimento quanto à entrega dos relatórios financeiros de campanha no prazo estabelecido pela legislação eleitoral, em relação às doações referidas no item 1.1.1, ocasionando inconsistência grave que caracteriza omissão de informação que obsta o controle concomitante de regularidade das contas pela Justiça Eleitoral; foram utilizados recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para o pagamento de multa de mora, juros ou multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais, contrariando o que dispõe o art. 37 da Res. TSE n° 23.607/2019; há valores apontados como recurso de origem não identificada, pois as informações trazidas pelo prestador, referentes aos financiadores de campanha, impossibilitam o atesto, a fidedignidade e a real origem das doações; houve extrapolação do limite de gastos relativo aos recursos próprios, superando o previsto no art. 27, §1°, da Res. TSE n. 23.607/2019; há recursos próprios financeiros aplicados em campanha cujos documentos comprobatórios de origem e disponibilidade deveriam ter sido apresentados, na forma do art. 61 da Res. TSE n. 23.607/2019.

Passo à análise.

1. Da entrega extemporânea de relatórios financeiros

Os recorrentes, fato incontroverso, deixaram de apresentar os relatórios financeiros nos prazos estabelecidos ao longo do processo eleitoral e não negam a prática irregular, argumentando unicamente no sentido de não se tratar de comportamento impeditivo à análise das contas.

A irresignação merece alguma guarida. Conforme entendimento do TSE, “o atraso na entrega do relatório financeiro e da prestação de contas parcial ou a sua entrega de forma que não corresponda à efetiva movimentação de recursos não ensejam, necessariamente, a desaprovação das contas, mas cabe a análise de cada caso específico pelo órgão julgador. (REspe n. 060133297, Relator Min. Sergio Banhos, DJE de 24.6.2020).

Contudo, destaco que a irregularidade se mantém. A mora do prestador de contas no fornecimento de informações, após ocorrida, não possui forma de retificação, de modo que, muito embora isoladamente a irregularidade possa ensejar um juízo de aprovação com ressalvas, ainda assim representa obstáculo para o acompanhamento passo a passo das receitas e despesas da campanha eleitoral, como prevê a legislação de regência.

2. Da utilização irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

O parecer técnico consignou que foram utilizados recursos do FEFC para o pagamento de multa de mora, juros ou multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais, nos valores de R$ 15,50 e R$ 2,20.

No ponto, a parte recorrente logrou trazer esclarecimentos suficientes à situação, no sentido de que se trata de valores pagos a título de tarifas bancárias, declaradas no demonstrativo de despesas acostado à prestação de contas final.

Com efeito, indico que o alegado está demonstrado nos extratos bancários da instituição BANRISUL, agência n. 0331, conta n. 06.024164.0-8, ELEIÇÃO 2020 FERNANDO MATTES MACHRY, como débito “folha cheque” (R$ 15,00), em 25.9.2020, e débito “tarifa transação com cheque” (R$ 2,20), em 19.10.2020, de forma que as despesas não devem ser consideradas gastos ilícitos.

Afasto, assim, a irregularidade. 

3. Dos recursos de origem não identificada

No presente item, o recurso igualmente merece provimento.

3.1. No concernente ao doador Albino Almeida de Oliveira, o parecer contábil registrou a impossibilidade técnica do confronto entre as informações da prestação de contas e a base de dados da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Na sentença, restou decidido que “as informações trazidas pelo prestador, referentes aos financiadores de campanha, impossibilitam o atesto, a fidedignidade e a real origem das doações”.

Na sua irresignação, contudo, esclarece a parte recorrente que Albino Almeida de Oliveira realizou doação estimável em dinheiro, mediante cedência temporária de imóvel, tendo apresentado o termo correspondente, com a discriminação do bem de propriedade do cedente, matrícula n. 4853 e registrado no Livro n. 2 do Registro de Imóveis de Roque Gonzales, com endereço na Rua Major Antônio Cardoso, n. 13, Bairro Centro. Foi apresentado igualmente o respectivo recibo.

Como bem observado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, “a forma como definida a irregularidade trouxe empecilhos à defesa dos recorrentes”. Tanto o parecer contábil quanto a decisão hostilizada não lograram demonstrar, de forma pormenorizada à parte recorrente, que falha deveria corrigir (parecer técnico) ou em qual desobediência incorrera (sentença). 

3.2. No que se refere a três doações, cada uma no valor de R$ 1.500,00, atribuídas a Camila Ramos Vargas, João Carlos Mendes e Kamila Mates Spohr, verifico a existência das benesses, nos nomes indicados, em serviços gratuitos de panfletagem. Presentes nos autos os recibos eleitorais, entregues já por ocasião da apresentação das contas perante o juízo originário, acrescidos, em grau recursal, dos respectivos contratos de prestação de serviço gratuito.

A legislação de regência exige que o serviço doado seja produto do próprio trabalho do doador, e indico que não há óbice ao acolhimento da tese recursal, uma vez que a distribuição de panfletos é tarefa que não exige qualificação específica, podendo ser realizada por qualquer pessoa. O serviço prestado foi objeto de doação estimável em dinheiro.

Assim, entendo esclarecida a origem dos recursos.

4. Da extrapolação do limite de gastos com recursos próprios

Registro que o limite de gastos para o cargo de prefeito no Município de Roque Gonzales, nas eleições 2020, foi de R$ 123.077,42, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, sendo imperativa aos concorrentes a obediência ao patamar equivalente a 10% deste valor ao utilizar receitas particulares, ou seja, R$ 12.307,74. No entanto, os candidatos aplicaram recursos financeiros próprios no valor de R$ 12.403,53, excedendo o teto em R$ 96,09.

No ponto, o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(…)

Em sua defesa, a parte recorrente alega ter havido erro no registro do nome do doador, pois o depósito realizado no dia 13.11.2020, lançado na prestação de contas como doação de Fernando Mattes Machry, candidato a prefeito, seria, na realidade, contribuição advinda de José Alfredo Kupske, candidato a vice-prefeito. Dito de outro modo, no entender dos recorrentes, o limite restaria observado excluindo-se a doação do candidato a vice-prefeito e considerando que o limite de gastos deva ser individual para cada um dos candidatos.

No entanto, a legislação de regência merece interpretação sistemática, a qual faz concluir que o limite para doações de campanhas majoritárias deve ser aferido de modo conjunto para ambos os candidatos. A disposição legal que estabelece a limitação ao autofinanciamento foi incluída pela Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei n. 9.504/97, com a seguinte redação:

Art. 23. (...).

[...].

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

Tratando-se de candidaturas majoritárias, onde concorrem conjuntamente titular e vice, vigora o princípio da unicidade da chapa, positivado no art. 91 do Código Eleitoral, o qual determina que o registro destas candidaturas “far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança de partidos.”

Ademais, a Resolução TSE n. 23.607/19 apresenta dispositivos que apontam no sentido de cômputo conjunto dos recursos da chapa majoritária na aferição do limite de gastos para autofinanciamento, bem elencados pelo d. Procurador Regional Eleitoral, em razões que expressamente tomo como fundamentos de decisão, para evitar desnecessária repetição:

A prestação de contas do titular da chapa, abrange a do seu vice, o qual somente pode prestar contas sozinho, na inércia do titular (arts. 45, § 3º e 77, caput e parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019). Nesse sentido, veja-se que no extrato da prestação de contas, os recursos próprios do candidato e do vice estão somados na mesma rubrica. O candidato a vice não é obrigado a abrir conta bancária, mas se o fizer, os extratos deverão compor a prestação de contas do titular (art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).No tocante aos recibos eleitorais, a arrecadação realizada pelo candidato a vice utiliza os recibos eleitorais do titular (art. 7º, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

O candidato a vice não pode constituir fundo de caixa (art. 39, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019). Para aferição dos limites de gastos para contratação de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua são consideradas as contratações realizadas pelo titular e pelo vice (art. 41, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Veja-se que, para aferição do limite global de gastos da candidatura majoritária não se discute que são somadas as receitas do titular e do vice, tanto que esse utiliza os recibos do titular. E assim é, pois, como é cediço, a chapa majoritária é una e indivisível (art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.609/2019).

Neste sentido, não é estabelecido limite para candidatura de vice, mas apenas de, ao que interessa ao caso, Prefeito. Daí que todos os valores arrecadados são somados para verificação da observância do limite global.

 

Nessa linha de raciocínio, e mesmo por lógica, os integrantes de uma chapa a cargos majoritários estão sujeitos à análise conjunta das contas e a um único limite de gastos de campanha, até mesmo porque a campanha é, ela, apenas uma. Não há, a rigor, campanha ao cargo de vice-prefeito, não há o que ser financiado.

Indico que o art. 4º da Resolução TSE n. 23.607/19 expressa que “o limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições para prefeito e vereador (…) será equivalente aos limites dos respectivos cargos nas eleições de 2016”, demonstrando a sujeição do vice ao limite de gastos para a candidatura ao cargo de prefeito.

E como houve dois depósitos no dia 13.11.2020, ambos no valor de 2.200,00, e com origem em doações dos créditos nos dois candidatos recorrentes, tais quantias devem ser consideradas em conjunto com as demais, caracterizando o excesso.

A sentença não merece reparos, no ponto.

5. Da ausência de documentos relativos aos recursos próprios

O presente item envolve quatro recibos eleitorais, que somam a quantia de R$ 3.003,53. A sentença referiu que documentos “deveriam ter sido apresentados” relativamente à capacidade de doação de tais valores. Juntamente com a peça recursal, os recorrentes apresentaram justificativa referente a dois recibos, em valor somado de R$ 1.004,00, como recursos preexistentes do candidato a prefeito, Fernando Mattes Machry, e declarados à Justiça Eleitoral por ocasião do requerimento de registro de candidatura.

Com efeito, após verificação no endereço "divulgacandcontas.tse.jus.br" da rede mundial de computadores, concluo pela suficiência financeira do candidato recorrente. A declaração de bens exigida na apresentação do registro de candidatura é compatível com os valores doados.

Todavia, no concernente aos dois créditos restantes, no valor de R$ 1.999,53, tenho que não é possível dar por superada a irregularidade. As razões de recurso indicam como origem os  ganhos do candidato a vice-prefeito, José Alfredo Kupske, empresário individual e exercente, à época das doações, do cargo de vereador. As atividades constam em seu requerimento de registro de candidatura, e o  Demonstrativo de Receitas Financeiras mostra-se coeso com os valores indicados nos recibos.

Contudo, o extrato bancário apresenta variações nas datas de depósitos e não há como verificar o real depositante, pois foram efetuados em espécie, de modo que a falha substancia recebimento de recursos de origem não identificada, sobre os quais a legislação de regência determinaria o recolhimento, de inviável medida nesta instância.

Por fim, destaco que a sentença hostilizada se limitou a desaprovar as contas, sem determinar a devolução de valores ou aplicar multa, medidas que seriam cabíveis diante da prova dos autos, mas que restam de inviável concretização na presente instância, sob pena de reforma da decisão em prejuízo aos recorrentes.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para afastar a utilização irregular de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e o percebimento de recursos de origem não identificada, e manter a desaprovação das contas devido à entrega extemporânea de relatórios financeiros, a extrapolação do limite de gastos com receitas próprias e a ausência de documentos relativos aos recursos próprios.