REl - 0600493-98.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/07/2021 às 10:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece ser conhecido.

Preliminar de invalidade de intimação

Os recorrentes alegam que, após a manifestação inicial do órgão técnico, relativa à prestação parcial de contas, não teria havido intimação conforme as normas de regência. 

Destaco que o sistema do Processo Judicial Eletrônico de 1º grau indica que a intimação foi expedida em 04.02.2020 e acessada pela parte em 09.02.2020, gerando anotação automática no sentido de término do prazo em 12.02.2020. Os candidatos ingressaram com manifestação relativa àquele ato processual em 10.02.2020, tempestivamente portanto, e não foi apresentada prova de que o evento tenha ocorrido de forma diversa.

Ademais, não se observa prejuízo de qualquer ordem aos recorrentes, que receberam e aproveitaram oportunidades subsequentes de manifestação, de modo que afasto a preliminar arguida.

 

Mérito

TIAGO GORSKI LACERDA e MARCELO GORSKI DE MATOS recorrem da sentença que desaprovou as contas de campanha à eleição majoritária do Município de Santiago. A irregularidade diz respeito a um conjunto de 26 notas fiscais, todas emitidas pela empresa Comercial de Combustíveis Nery Machado Ltda., nos dias compreendidos entre 08.10.2020 e 14.11.2020, no montante total de R$ 3.318,61. Nenhum dos citados documentos fiscais foi indicado na prestação de contas dos recorrentes, os quais foram identificados pela auditoria somente após o cruzamento com o banco de dados da Justiça Eleitoral.

Argumentam os recorrentes que “a forma contratada com o fornecedor foi de que, a cada abastecimento efetuado, este emitiria o documento NFC-e na condição de fornecimento a prazo e, quando do pagamento destes abastecimentos, o fornecedor emitiria uma NF-e (DANFE) – FATURAMENTO – SUBST NFCE – relacionando/referenciando todas as NFC-e emitidas até aquela data pelo efetivo pagamento destas”.

Antecipo que a tese é de inviável aceitação, tendo em vista os diferentes propósitos dos citados documentos fiscais. Enquanto a nota fiscal ao consumidor eletrônica – NFC-e restringe-se à operação de vendas ao consumidor final, a nota fiscal eletrônica – NF-e pode atender a operações como devolução ou transferência de mercadorias.

Nesse norte, sugerir que a irregularidade tenha surgido da emissão de NF-e posterior à emissão de várias NFC-e não procede, pois uma suposta substituição de NFC-e por NF-e exigiria sempre o cancelamento do documento substituído, com observação de prazos e procedimentos estabelecidos nas normas que regem as operações fiscais. Aponto que, não havendo notícia nos autos de que as notas originárias tenham sido canceladas, elas permanecem hígidas, quer sob o prisma fiscal, quer sob a ótica da demonstração de gasto eleitoral. 

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece os meios de comprovação dos gastos eleitorais, aponta os subsídios de análise documental e, também, os procedimentos cabíveis em caso de cancelamento de notas fiscais, conforme arts. 60 e 92, caput e §§ 5º e 6º, que transcrevo:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Art. 92. A Secretaria da Receita Federal do Brasil e as secretarias estaduais e municipais de Fazenda encaminharão ao Tribunal Superior Eleitoral, pela internet, arquivo eletrônico contendo as notas fiscais eletrônicas relativas ao fornecimento de bens e serviços para campanha eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 94-A, I), nos seguintes prazos:

(…)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

Ou seja: a tese recursal traz ao campo dos fatos, no mínimo, a ocorrência de dupla emissão de 26 notas fiscais sobre a mesma operação de venda de combustível, de forma que caberia aos recorrentes buscar, junto ao prestador do serviço e à autoridade fazendária competente, o cancelamento das notas e a regularização da situação, providências não tomadas.

Portanto, restam documentos fiscais não declarados na prestação de contas, falha que impede que a Justiça Eleitoral, e a própria sociedade, acompanhem a origem dos recursos utilizados para a quitação das despesas.

No entanto, e conforme bem apontado pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, ainda que não seja possível acolher a tese defensiva, é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois a falha de R$ 3.318,61 corresponde a 2,91% das receitas totais, que somaram R$ 114.009,93. A situação demonstra considerável cuidado contábil de parte dos candidatos no manejo de seus recursos de campanha e permite a construção de um juízo de aprovação com ressalvas.

Por fim, destaco que a sentença deixou de ordenar o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional e, não havendo recurso no ponto, incabível tal determinação na presente instância, sob pena de reforma prejudicial à parte recorrente.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso  e aprovar as contas com ressalvas.