REl - 0600633-32.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/07/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS - RE: 50460 PASSO FUNDO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data: 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Logo, conheço do documento juntado com o recurso.

 

Mérito

LUCIA ANITA TEIXEIRA DE LIMA, candidata ao cargo de vereador no Município de Santo Ângelo, interpôs recurso em face da sentença prolatada pelo Juízo da 45ª Zona Eleitoral que desaprovou a sua contabilidade relativa ao pleito de 2020, devido à irregularidade no pagamento de gasto eleitoral com verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor de R$ 100,00.

Na hipótese, a candidata declarou o uso de recursos do FEFC para a aquisição de adesivos de campanha junto à empresa César Mânica – MEI (CNPJ n. 17.615.327/0001-70), no montante de R$ 100,00.

Com o intuito de demonstrar o gasto eleitoral, apresentou a NFS-e n. 167, emitida em 09.11.2020 (ID 24525033), em conformidade com a exigência constante do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 de que os dispêndios eleitorais sejam comprovados por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos ou partidos políticos, conforme o caso, contendo descrição detalhada da operação e dos dados do emitente e do destinatário.

Contudo, o cheque n. 850003, utilizado para o pagamento da despesa eleitoral em comento, foi emitido no dia 09.11.2020 de forma nominal e cruzada em favor de uma terceira empresa, constituída sob a razão social Darci Nunes da Silva e Cia. Ltda., como se extrai da cópia da cártula juntada no ID 24527033.

No extrato bancário da conta-corrente destinada ao gerenciamento das receitas provenientes do FEFC, divulgado pelo Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais no site do Tribunal Superior Eleitoral na internet, os dados da contraparte da operação de compensação do cheque n. 850003, efetivada no dia 13.11.2020, não foram identificados.

No histórico da operação, somente foram registrados os dados da agência e da conta bancária na qual o valor foi creditado. Como tais dados correspondem àqueles lançados no verso da cártula ao lado do nome de Flávio Teixeira, é possível que este tenha apresentado o título à instituição bancária para fins de compensação em benefício da empresa Darci Nunes da Silva e Cia. Ltda., pessoa jurídica sem relação com bem ou serviço prestado à campanha da candidata.

Nas razões recursais, a candidata admitiu que o cheque n. 850003 não foi emitido nominalmente e cruzado em favor da empresa César Mânica – MEI, mas que esta recebeu a cártula, consoante a declaração da prestadora de serviços acostada com o recurso (ID 24527583). Por conta dessa falha formal no preenchimento do título de crédito, ele veio a circular no mercado local e ser descontado em benefício de terceiro.

Portanto, no caso sob exame, mostra-se inequívoco o descumprimento da norma inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento - após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) -  visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na prestação de contas, procedimento que ganha especial relevo em se tratando da fiscalização do uso de verbas públicas oriundas do FEFC e do Fundo Partidário.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TER-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. El. LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021.)

Contrariamente à tese esposada nas razões recursais, o desatendimento dessa normativa não pode ser suprido mediante a apresentação da declaração da prestadora do serviço, pois tal documento foi produzido unilateralmente e não encontra respaldado em outros elementos de prova acostados aos autos.

Assim, restaria, em princípio, caracterizada hipótese de incidência do dever de recolhimento da quantia envolvida ao Tesouro Nacional, nos moldes do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

E isso porque a forma de pagamento prevista no art. 38, inc. I, acima transcrito, não foi observada e se verifica a manifesta ausência de correlação entre o prestador do serviço emitente da NFS-e n. 167 e o beneficiário do cheque emitido para fins de pagamento da despesa eleitoral a que ela se refere, inexistindo, ademais, documentos idôneos que comprovem a eventual prestação de serviços por parte do beneficiário da cártula à campanha.

Nessa linha, o entendimento adotado por este Colegiado ao julgar o RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099 na sessão de 06.7.2021 (Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, redator do acórdão Des. El. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES), como colho da ementa do acórdão a seguir reproduzida:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Grifei.)

 

Todavia, ao sentenciar o feito, o magistrado de primeiro grau considerou comprovada a despesa eleitoral objeto de análise por meio da NFS-e n. 167, afastando a ordem de transferência da quantia de R$ 100,00 ao Tesouro Nacional, providência que, por conseguinte, não pode ser imposta à candidata nesta instância por força do princípio da vedação da reformatio in pejus, haja vista a interposição de recurso exclusivamente pela sua defesa, sem manifestação do órgão ministerial de piso apta a obstaculizar a preclusão da matéria (TRE-RS, RE n. 18892, Relator Des. El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 03.5.2019, p. 8).

Por outro lado, o valor da falha (R$ 100,00) possui diminuta expressividade econômica, sendo, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Além disso, representa tão somente 5,58% das receitas arrecadadas pela candidata para o custeio da sua campanha, as quais somaram R$ 1.792,00 (ID 24525683).

Nesse contexto, a jurisprudência deste Tribunal, em consonância com as diretrizes firmadas pela Corte Eleitoral Superior, admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação da contabilidade, como ilustra a ementa do seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 41060 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25.06.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27.06.2018, Página 6.) (Grifei.)

 

Por essas razões, tendo a candidata deduzido pedido alternativo de aprovação da sua demonstração contábil com ressalvas, o recurso merece ser provido neste sentido, com respaldo no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do recurso interposto por LUCIA ANITA TEIXEIRA DE LIMA para aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.